Política

Só 15 de 35 partidos cumpriram cota de verba para candidaturas femininas na eleição

Onze legendas usaram vices e suplentes para se enquadrarem à legislação eleitoral
Kátia Abreu foi candidata a vice de Ciro Gomes pelo PDT, um dos 11 partidos que justificaram gastos com candidaturas femininas em chapas com mulheres de vice ou suplentes Foto: Givaldo Barbosa/6-8-2018 / Agência O Globo
Kátia Abreu foi candidata a vice de Ciro Gomes pelo PDT, um dos 11 partidos que justificaram gastos com candidaturas femininas em chapas com mulheres de vice ou suplentes Foto: Givaldo Barbosa/6-8-2018 / Agência O Globo

BRASÍLIA — Na primeira eleição com financiamento público , partidos utilizaram vices e suplentes mulheres para cumprir a cota mínima de 30% da verba do Fundo Especial de Financiamento de Campanha a postulantes femininas. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que o dinheiro financiasse vices ou titulares, desde que a mulher fosse beneficiada diretamente com os gastos.

Dados das prestações de contas entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) compilados pelo GLOBO indicam que 11 partidos cumprem a cota apenas se forem consideradas vices e suplentes, 15 cumpriram a regra fielmente, investindo mais de 30% em chapas lideradas por mulheres, e oito, Avante, Patriota, PCB, PSC, Podemos, PRP, PV e PSD, não cumpriram a cota. As siglas que mais investiram em chapas lideradas por homens foram o PDT (91% para homens), PCB (82%), DEM (78%), MDB (78%), PT (77%) e PSDB (76%).

No início da eleição, o TSE foi consultado sobre se os 30% do fundo poderiam ser destinados a candidaturas em que apenas a vice ou suplente fosse mulher. Em agosto, a resolução sobre o fundo foi alterada para informar que a verba “deve ser aplicada pelacandidata no interesse de sua campanha ou de outras campanhas femininas, sendo ilícito o seu emprego, no todo ou em parte, exclusivamente para financiar candidaturas masculinas.” A resolução abre margem, porém, para “despesas comuns”, como adesivos e santinhos com imagens do homem e da mulher.

O PSDB afirma que cumpriu a cota dos 30%. Para o partido, algumas despesas da candidata a vice-presidente, Ana Amélia (PP-RS), são despesas próprias, e outras podem ser consideradas despesas comuns com o candidato Geraldo Alckmin. O partido gastou R$ 49 milhões de fundo eleitoral, 27% dos R$ 159 milhões a que tem direito, com a eleição presidencial. O total de gastos da candidatura foi de R$ 53 milhões. As despesas com Ana Amélia, com voos fretados só para ela, por exemplo, representam 16,4% do que consumiu a chapa.

Já o PDT concentrou R$ 21,6 milhões, 36% dos recursos que distribuiu, só na candidatura de Ciro Gomes. Os gastos com a vice mulher, Kátia Abreu (PDT-GO), são considerados no cálculo da sigla para cumprir os 30%. O presidente do PDT, Carlos Lupi, afirmou que a vice é o segundo cargo mais importante a ser disputado, e que o PDT distribuiu dinheiro a “cerca de 390 candidaturas femininas, majoritárias e proporcionais, conforme o seu grau de importância”.

— Candidatas a vice e suplente contam rigorosamente para o cumprimento da cota de mulheres. Cabe ao partido definir se distribui para candidata a vice ou a governadora. Eu acompanhei isso de perto. Cada centavo que saía durante a campanha eleitoral tinha o meu acompanhamento, e me sinto seguro de que aplicamos rigorosamente — afirma ACM Neto, presidente do DEM.

São exemplos a candidata a suplente de Cesar Maia (DEM-RJ), Alice Tamborindeguy, e a candidata a vice-governadora do Piauí pelo DEM, Cassandra. O partido afirma que, considerando as contas de campanha de vices e suplentes, destinou R$ 61,2 milhões a candidatos homens e R$ 26,2 milhões a mulheres, uma distribuição de 69,995% para um gênero e 30,005% para o outro.

O fundo eleitoral foi criado por lei em 2017 para substituir as doações empresariais, proibidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2015. O Orçamento deste ano destinou R$ 1,7 bilhão ao fundo. O TSE determinou que os partidos deveriam repassar 30% dos recursos para mulheres em maio.

— Tem que haver uma especificação exata do que foi gasto para o homem e para a mulher. Ainda que estejam juntos, têm que mostrar como a mulher foi beneficiada, até para não abrir um precedente para a mulher ser chamada como isca. Se o TSE não se posicionar de uma maneira mais forte neste ano, vão se aproveitar disso para as próximas eleições. Os partidos sempre fizeram de tudo para impedir que os recursos chegassem às mulheres — afirma Raquel Machado, professora de direito eleitoral da Universidade Federal do Ceará (UFC).

O PSOL distribuiu 76% de suas verbas para os candidatos do sexo masculino. Desse montante, mais de 30% foi para o candidato à Presidência, Guilherme Boulos, que tinha uma vice mulher, Sônia Guajajara. O partido afirma que considerou as vice-candidatas na conta, mas que o valor declarado pelos candidatos pode estar equivocado.

— A maior parte do fundo foi repassado diretamente aos Estados, mediante apresentação de resolução por escrito discriminando valores e porcentagens a ser distribuída às candidaturas. Em alguns casos soubemos que houve equívoco de candidaturas que declararam origem do recurso como Fundo Partidário quando era Fundo Especial, o que pode explicar alguma divergência — disse a tesoureira do PSOL, Mariana Riscalli.

Em nota, a assessoria do presidente do MDB, Romero Jucá, afirmou que destinou 30% dos recursos do fundo a mulheres, mas que alguns diretórios estaduais não usaram os recursos, ou seja, não passaram adiante para as próprias candidatas. O partido contou com diversas vice-candidatas. O PT informou, via sua assessoria, que levou em conta as candidaturas femininas a vice das majoritárias, como Manuela D'Avila (PC do B, candidata a vice-presidente) e, com isso, foi cumprida a cota.

O PCB, que teve apenas uma candidata suplente a senador em Minas Gerais, afirmou que algumas prestações de contas individuais do Ceará, Maranhão e Santa Catarina estão atrasadas, e por isso o levantamento indica que o partido gastou 82% com homens. A campanha que conta com a mulher suplente mineira corresponde a apenas 1,5% dos gastos do partido com o fundo, ou seja, seria impossível completar os 30% mesmo considerando o valor total dessa candidatura.

O PRP também não doou para nenhum candidato homem com suplente ou vice que compense os 73% que gastou com candidaturas masculinas. Em nota, o partido diz que a Executiva Nacional disponibilizou mais do que os 30% exigidos. "Teríamos que ver qual estado não fez o repasse correto. Não temos, no momento, este levantamento", afirmaram.

Um caso parecido é o do Patriota e do PSC, que investiram, respectivamente, 71,9% e 75,8% em candidaturas masculinas, mas não doaram para nenhum candidato homem que tivesse uma vice ou suplente mulher. O PSC refuta a contabilidade dos candidatos e diz que transferiu 30,27% para mulheres. O Podemos investiu R$ 500 mil na candidatura de um senador, Antônio Jácome (PODE-RN), que tem uma mulher suplente, mas o valor não é o suficiente para cumprir os 30% da cota. Procurado, o partido também não respondeu.

O PSB investiu 72,6% do dinheiro em candidaturas lideradas por homens e afirma que, considerando vices e suplentes, destinou mais de 30% para mulheres. O presidente do partido, Carlos Siqueira, diz que candidaturas de vice-governadoras e senadoras suplentesnão são menos importantes, já que elas podem assumir a qualquer hora o mandato titular. Ele cita como exemplo a vice-governadora eleita do Espírito Santo pelo partido, Jacqueline Moraes, que recebeu recursos.

O senador Ciro Nogueira, presidente do PP, afirma que, segundo a contabilidade do partido, a cota foi cumprida sem vices e suplentes, que não foram levadas em conta. Segundo os dados declarados pelos próprios candidatos, a legenda dedicou 71,44% a candidaturas lideradas por homens, mas há gastos conjuntos (como diretórios que imprimiram material de campanha coletivo) e erros na prestação de contas dos candidatos que podem explicar essa diferença, afirma a sigla. A tesouraria da legenda afirma que 31% do fundo eleitoral foi gasto em candidaturas de mulheres.

O deputado Luis Tibé, presidente do Avante, afirmou também que os dados declarados pelos candidatos ao TSE não estão batendo com o que o partido considerou como doação de fundo eleitoral. Segundo ele, a cota dos 30% foi cumprida, e não foram levadas em consideração vices e suplentes mulheres. O dados dos candidatos, porém, indicam que 76,1% foram gastos com homens. É o mesmo que afirmou o PV, que, segundo o levantamento do Globo, gastou 70,5% com homens, e o PSD, que gastou 70,3%. O PV alega que a contabilidade do partido está discrepante com o que está na prestação de contas entregue ao TSE, o que explicaria uma diferença pequena entre o levantamento do GLOBO e o mínimo de 30%, e o PSD diz apenas que cumpriu a regra da cota para mulheres.

O PHS, que gastou 73,8% do fundo com candidaturas masculinas, não respondeu ao contato da reportagem. O partido doou R$ 2,17 milhões para candidaturas ao governo com vices mulheres, de Belivaldo Chagas (PSD-SE) e Amazonino Mendes (PDT-AM), mas não especificou se esse dinheiro foi usado pelas candidatas ou se financiou despesas dos líderes da chapa. O PRB afirmou que, para cumprir a cota, está levando em consideração as suplentes mulheres de dois senadores que receberam R$ 3 milhões. O PR também só cumpre a cota considerando vices mulheres, como a de Márcio França (PSB-SP), campanha que recebeu R$ 3,3 milhões do partido. Em nota, o partido afirmou que, contando vice-governadoras, destinou 31,05% do fundo às mulheres.

O PSL, sigla do presidente eleito, destinou 56% do fundo para candidaturas encabeçadas por homens, ou seja, pouco mais de metade. A candidata que mais recebeu dinheiro da legenda, porém, é de outro partido —Nicolle Barbosa (PSC-CE), eleita suplente de deputada federal, recebeu R$ 1 milhão. Em seguida, Dayane Pimentel (PSL-BA) recebeu R$ 333 mil e foi eleita deputada federal.