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Rio Vereadora assassinada

Testemunha diz que policiais estavam no Cobalt usado na morte de Marielle

Militares, que estavam com outros dois homens, seriam um da ativa e outro da reserva
Carro onde estava Marielle Franco e Anderson Gomes no dia do crime Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Carro onde estava Marielle Franco e Anderson Gomes no dia do crime Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

RIO - Um policial lotado no 16º BPM (Olaria) e um ex-PM do batalhão da Maré participaram da execução da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, de acordo o depoimento da testemunha-chave do crime — a mesma que envolveu o vereador Marcello Siciliano (PHS) no caso. A dupla, segundo ela, estava, com outros dois homens, no Cobalt prata usado na execução.

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Os quatro que estariam no carro foram identificados por essa testemunha e vêm sendo investigados pela Delegacia de Homicídios da capital (DH). Além do PM e do ex-PM, os outros passageiros do Cobalt, segundo o delator, são ligados ao miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando de Curicica, que atua na Zona Oeste e que, de acordo com a testemunha, participou da trama para matar Marielle, junto com Siciliano.

O GLOBO apurou que esses dois homens já se envolveram, em junho de 2015, em outra execução com características semelhantes à de Marielle, também a mando de Orlando de Curicica, de acordo com o Ministério Público do Rio. Os nomes dos acusados estão sendo preservados para não atrapalhar as investigações. Em 2015, segundo a denúncia, o grupo matou, com tiros na cabeça, um homem que alugou um terreno na área de influência de Orlando, para instalação de um circo, sem autorização prévia do miliciano.

SINDICÂNCIA ARQUIVADA

O policial militar mencionado pela testemunha-chave ainda está lotado no 16º BPM, unidade vizinha ao Complexo do Alemão. Ele já foi submetido a uma sindicância disciplinar, mas o processo acabou arquivado. Já o ex-PM, que passou pelo 22º BPM (Maré), atualmente seria integrante de uma milícia que age na região de Ramos.

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Contra os outros dois supostos ocupantes do carro, consta, no processo judicial, que, no dia 7 de junho de 2015, às 19h, eles desceram de um Kia Cerato branco e atiraram em Wagner Raphael de Souza, então presidente da escola de samba União do Parque Curicica. A vítima estava em seu próprio carro, com uma pessoa no banco do carona.

Os tiros acertaram Wagner na cabeça, matando-o, e feriram uma mulher que estava ao lado dele. Na ação penal, o MP do Rio ressaltou que “o crime foi cometido de forma a impedir a defesa das vítimas, já que os disparos foram efetuados a pouca distância e contra suas cabeças”. O carona, que ficou ferido, afirmou em depoimento à polícia que Wagner “causava problemas” para Orlando, pois “sempre agiu sozinho, apoiando candidatos políticos independentes” e contrariando os interesses da milícia de Orlando.

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“Mesmo sem pertencer à milícia, ele não baixava a cabeça para eles. Era uma pessoa muito forte na comunidade, o que o tornou um perigoso rival da facção criminosa”, contou a testemunha. Depois, ela mudou sua versão ao ser interrogada pelo MP, e passou a negar a participação de Orlando na execução.

PELO CELULAR DE OUTRO PRESO

O delator que ligou a morte de Marielle a Siciliano e a Orlando também disse à Divisão de Homicídios (DH) que o miliciano, hoje preso em Bangu 9, estava usando o celular de um outro preso, Charle Dickson Ferreira da Silva, para continuar no comando de seus negócios. Por esse telefone, segundo o delator, Orlando teria dado ordem para executar a vereadora.

A Secretaria de Segurança, segundo fontes ouvidas pelo GLOBO, pediu à Justiça do Rio em 25 de abril — um dia depois de a testemunha-chave procurar a Polícia Federal — a transferência de Orlando para um presídio de segurança máxima, mas a medida até agora não foi autorizada. Orlando continua no Complexo de Gericinó.

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No documento, a secretaria justifica o pedido ressaltando que “Orlando de Curicica seria uma importante liderança de um grupo miliciano acusado de vários crimes”.

Orlando foi preso em outubro de 2017 por policiais da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais (Draco-IE), com apoio da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core). Na época, ele já era procurado por agentes da Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança por comandar uma milícia.

Orlando foi capturado na casa em que morava com a família, em Vargem Pequena, na Zona Oeste. Junto com ele, os policiais civis prenderam quatro PMs, que se apresentaram como seguranças de Orlando. O miliciano tinha duas armas, um colete balístico e um carro blindado.

Na época do prisão, o delegado Alexandre Herdy, titular da Draco-IE, disse que Orlando chefiava a milícia na região de Jacarepaguá e do Terreirão, no Recreio. Ele foi acusado de comandar disputas relacionadas às milícias, de cobrar taxas de comerciantes e até de envolvimento em assassinatos.

Um relatório entregue pela testemunha-chave à polícia, revela que, atualmente, a quadrilha de Orlando controla quatro grandes áreas na Zona Oeste, com 14 comunidades. A quadrilha lavava dinheiro usando uma empresa de distribuição de água mineral, que estaria em nome de uma parente de Orlando.