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Economia

No Rio, mais de 5 mil ambulantes esperam licença para se formalizar

Prefeitura diz que há vagas, mas para atuar no interior dos bairros

Juliana se formou em gastronomia, mas não conseguiu emprego na área. Trabalha na rua, como a mãe
Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Juliana se formou em gastronomia, mas não conseguiu emprego na área. Trabalha na rua, como a mãe Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

RIO - Com mais desempregados buscando renda alternativa no comércio de rua, o Rio tem quase 5,5 mil ambulantes na fila de espera por uma licença para trabalhar formalmente nas ruas. A demanda aumentou com a crise, mas a grande maioria trabalha sem autorização. Segundo o coordenador de Licenciamento e Fiscalização da prefeitura do Rio, Luiz Felipe Gomes, há 14,3 mil ambulantes formais na cidade, enquanto o número de informais é estimado em quase 56 mil, totalizando perto de 70 mil ambulantes na capital fluminense. Antes da crise, esse número não passava dos 50 mil, diz o coordenador.

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Enquanto a fila de espera cresce, a prefeitura diz que sobram 4,2 mil licenças, mas não nos lugares onde os ambulantes querem ficar. As vagas são para zonas periféricas dos bairros das zonas Norte e Oeste, mas o Movimento Unidos dos Camelôs (Muca) argumenta que a demanda nessas zonas é baixa, fazendo com que a atividade não compense. Os camelôs disputam as áreas centrais dos bairros, além do Centro e Zona Sul.

— Não há mais como acomodar ambulantes no Centro, ou nos centros de Bangu e de Campo Grande, por exemplo. Para o interior dos bairros eles não querem ir — diz Gomes.

RISCO COM DEPÓSITO CLANDESTINO

Allan Felippe Sousa optou por vender óculos num ponto movimentado do Centro para ficar no caminho dos clientes:

— Já havia sido camelô há oito anos. Depois consegui emprego com carteira e não queria outra vida. Como tive de voltar para a rua, escolhi um lugar por onde passa muita gente, sem outros vendedores de óculos.

A própria presidente do Muca, Maria de Lourdes do Carmo, queixa-se do aumento descontrolado de camelôs.

— As pessoas que antes compravam da gente agora vêm para a rua trabalhar e disputar espaço e clientes. Com isso, nossa renda caiu. Mas não há como trabalhar no interior dos bairros. Não tem quem compre — diz a comerciante com 23 anos de experiência na rua, há quatro anos formalizada.

A filha de Maria de Lourdes, Juliana do Carmo, de 27 anos, já teve emprego formal, mas atualmente vende balas, chicletes e biscoitos ao lado da banca em que a mãe trabalha. Ela concluiu o curso superior de Gastronomia, há um ano e meio, mas não conseguiu emprego na área.

— Só saio da rua quando conseguir emprego na minha área. Mas, em todo restaurante que vou, eles dizem que só aceitam homens na cozinha — reclama a jovem, que de quarta a sexta complementa a renda, de cerca de R$ 1,2 mil mensais, com a venda de churrasquinho em outro local, onde ganha mais R$ 800.

Em busca de uma alternativa para garantir a sobrevivência, os novos ambulantes acirram a disputa do território urbano com pedestres, antigos camelôs e lojistas, numa relação por vezes amigável e por outras conflituosa. Além da maior competição, o aumento de vendedores agravou outro problema: a falta de locais adequados para o depósito das mercadorias.

O coordenador do departamento de Fiscalização disse que a prefeitura está finalizando uma nova regulamentação que vai obrigar os ambulantes licenciados a usarem crachá e manterem junto às barracas as notas fiscais dos produtos, para facilitar a identificação dos vendedores legais e coibir a venda de produtos sem origem comprovada. Com relação a uma possível solução para os depósitos das mercadorias, informou, por e-mail, que trata-se de “‘questão de relação privada dos ambulantes com os donos do depósitos”


A prefeitura do Rio estima que 70 mil ambulantes atuem nas ruas, a maior parte na informalidade
Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
A prefeitura do Rio estima que 70 mil ambulantes atuem nas ruas, a maior parte na informalidade Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Segundo a coordenadora do Muca, a maior parte é obrigada a pagar entre R$ 50 e R$ 60 por semana a pessoas que se apropriam de prédios abandonados para fazer desses locais depósitos clandestinos:

— Eu pago R$ 1,5 mil por mês por uma sala comercial para guardar as roupas que vendo. Mas a maioria, que não tem condições, acaba deixando em depósitos clandestinos, sujeitos a fiscalização. E, quando eles aparecem (os fiscais), levam tudo.

O presidente do Clube de Diretores Lojistas do Rio de Janeiro, Aldo Gonçalves, defende que a prefeitura aumente a fiscalização para tirar da rua vendedores sem licença ou com produtos sem comprovação de origem (roubados, contrabandeados e piratas).

— O aumento de ambulantes é péssimo. Para o comércio, que perde renda, para o vendedor, que deixa de ganhar comissão, e, além disso, derruba a arrecadação de impostos. Eles (os ambulantes) sujam a cidade, tomam conta das calçadas e impedem as pessoas de chegarem até a porta das lojas. O Rio vive uma desordem urbana terrível. A cidade está abandonada — reclama.

ORIGEM DAS MERCADORIAS

Para o urbanista Washington Fajardo, a fiscalização abandonou as ruas do Rio. Ele sugere que a prefeitura ofereça treinamentos para gastronomia de rua, artesanato e técnicas de venda e organize quermesses, feiras de bairro e festas culturais para converter o trabalho ambulante numa experiência urbana positiva:

— São necessárias políticas públicas de emprego e renda e é importante dar ordem à ocupação do espaço público. Não pode ser “liberou geral”.

A cientista social e antropóloga Rosana Pinheiro Machado, que mapeou a origem das mercadorias vendidas por ambulantes e pelo comércio formal, diz que, muitas vezes, os camelôs vendem mercadoria dos mesmos fornecedores dos lojistas:

— Há uma queixa histórica do comércio sobre a procedência dos produtos dos ambulantes. Ela faz sentido, mas não é a regra. Há camelôs que compram de grandes centros de distribuição em São Paulo, por exemplo. Produtos vendidos na Rua 25 de Março ou de um mesmo fabricante chinês podem ser encontrados tanto no comércio formal quanto nas mãos dos ambulantes — diz a antropóloga, que defende a formalização como solução. — Nunca vi alguém ter orgulho de ser marginal. Sempre que houver políticas de legalização adequadas, eles vão atender porque querem se tornar empreendedores. É a melhor forma de controlar a procedência dos produtos.

O coordenador do departamento de Fiscalização disse que a prefeitura está finalizando uma nova regulamentação que vai obrigar os ambulantes licenciados a usarem crachá e manterem junto às barracas as notas fiscais dos produtos, para facilitar a identificação dos vendedores legais e coibir a venda de produtos sem origem comprovada. Com relação a uma possível solução para os depósitos das mercadorias, informou, por e-mail, que trata-se de “‘questão de relação privada dos ambulantes com os donos do depósitos”