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Rio

Crise da água: Especialista avalia que não há previsão para abastecimento da Cedae voltar ao normal

Professor Gandhi Giorda esteve com MP na vistoria ao Gundu nesta segunda-feira: 'Ninguém pode prever quando o problema irá acabar porque as algas estão nos reservatórios e continuam se reproduzindo'
Moradores reclamam da água fornecida pela Cedae no Rio e na Baixada Foto: Editoria de Arte
Moradores reclamam da água fornecida pela Cedae no Rio e na Baixada Foto: Editoria de Arte

RIO — Sobram dúvidas, faltam respostas. Desde o período do réveillon, quando moradores da Região Metropolitana no Rio começaram a relatar forte cheiro, gosto de terra e turbidez na água que chega às suas casas, a Cedae não dá explicações detalhadas sobre o problema. Por meio de um comunicado, a empresa informou que a causa é a presença da geosmina, substância produzida por algas. E, segundo o professor Gandhi Giordano, do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Faculdade de Engenharia da Uerj, a solução pode estar longe.

— Ainda não é possível estimar quando a qualidade do abastecimento será restabelecida. Ninguém pode prever quando o problema irá acabar porque as algas estão nos reservatórios e continuam se reproduzindo. Isso está acontecendo por causa de alguns fatores, como calor e despejo de esgoto — disse nesta terça-feira. O especialista acompanhou equipe do Ministério Público, que esteve nesta segunda-feira, no Guandu, para fiscalizar e coletar amostras de água em diferentes pontos, da captação ao pós-tratamento. Os resultados devem ficar prontos nos próximos dias.

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Para quem reclama do forte cheiro e odor de cloro, Giodarno também explica que é comum no verão a companhia aumentar a concentração de cloro ao longo da rede porque em altas temperaturas a substância se evapora com mais facilidade:

— A concentração de cloro por litro permitida pelo Ministério da Saúde é de cinco miligramas por litro, o que é muito alta. Se entrarmos em uma piscina com mais de um miligrama por litro nossos olhos já vão arder. Mas se o consumidor perceber um gosto muito forte pode pedir uma inspeção da Cedae para conferir como está a medida.

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O professor também criticou o compartilhamento de boatos nas redes sociais, o que chamou de "noticias de terrorismo". Para poder consumir a água fornecida pela Cedae, Giordano explica que a melhor maneira é ferver a água e depois filtrá-la com equipamentos com carvão ativado. Desta forma é possível tirar o cheiro e outras partículas e material orgânico que possam restar. Ele também alerta que é preciso atenção na instalação do filtro para que ele funcione da melhor forma.

— Quando fervemos podemos sentir o cheiro no vapor. Depois que esfriar é possível ver que a água fica um pouco turva, com algumas partículas que soltam do líquido. Por isso o ideal é realizar nesta ordem. É possível conseguir uma água de excelente qualidade — conta

Além do consumo direto, o professor recomenda que use a água tratada em casa para lavar alimentos, cozinhar e escovar os dentes. Para os locais que a água não está turva, não há problema de lavar louça, roupa ou tomar banho direto com o líquido que sai das torneiras.

O silêncio do presidente da Cedae

Desde janeiro do ano passado, o engenheiro Hélio Cabral Moreira ocupa a presidência da Cedae. Ativo nas redes sociais, onde divulga as realizações de sua gestão, ele não as utiliza desde o fim do mês passado. A última manifestação de Hélio foi em 26 de dezembro, quando fez um post sobre um seminário de segurança jurídica e investimentos no Rio.

Hélio chegou a ser um dos réus de uma ação do Ministério Público de Minas Gerais sobre o desastre ambiental de Mariana, que deixou 19 mortos em novembro de 2015. Conselheiro da Samarco, ele foi acusado de saber do risco de um acidente e nada ter feito. Em setembro do ano passado, no entanto, a Justiça trancou a ação contra Hélio Cabral e outros dois executivos da empresa de mineração por entender que faltavam provas para responsabilizá-los pela tragédia.

O executivo sido criticado por funcionários da Cedae por ter demitido 54 pessoas em março de 2019, o que teria como pano de fundo uma disputa política. Entre os demitidos havia técnicos responsáveis pelo controle da qualidade da água. Procurado pelo GLOBO, Hélio Cabral Moreira não quis dar entrevista.

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Qual a explicação oficial dada pela Cedae?

A Cedae informou, no último dia 7, que detectou a presença de geosmina, substância orgânica produzida por algas, em amostras coletadas ao longo de sua rede de abastecimento. Ainda de acordo com a companhia estadual de água e esgoto, o crescimento de algas em mananciais, em decorrência de variações de temperatura, luminosidade e do índice pluviométrico, teria provocado a proliferação da geosmina. O fenômeno natural e raro, segundo a empresa, deixa água com “gosto e cheiro de terra”.

Amostras da água foram analisadas pela Vigilância Sanitária Foto: Divulgação
Amostras da água foram analisadas pela Vigilância Sanitária Foto: Divulgação

Quais testes foram realizados?

Segundo a Cedae, foram feitas análises em atendimento às exigências do Ministério da Saúde, conforme as normas legais, colocando a água dentro do padrão de potabilidade. De acordo com a estatal, amostras coletadas na rede de distribuição em 6 de janeiro indicaram ausência de coliformes totoais e de Escherichia coli — bactéria considerada um indicador de qualidade. Os testes também avaliaram três parâmetros físico-químicos: concentração de cloro, cor e turbidez, todas dentro da normalidade.

No entanto, um teste encomendado pelo "RJ1", da TV Globo, trouxe dois parâmetros alterados numa água coletada em ponto de captação da Cedae em uma casa em São Cristóvão. O resultado do laboratório deu acima do máximo tolerado nos quesitos turbidez e bactérias heterotróficas, que podem servir de alimento para bactérias que causam doenças.

Especialistas desconhecem laboratórios públicos oficiais para detectar geosmina no estado e destacam que, como há floração de cianobactérias, é preciso saber se estão fazendo contagem e análise de cianotoxinas. Ou seja, para especialistas, mais testes precisariam ser feitos pela Cedae.

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O que é a geosmina?

Especialistas explicam que trata-se de uma molécula, um organoclorado volátil, produzida por actinobactérias do solo ou cianobactérias aquáticas. Ela é considerada pouco tóxica, não traz risco à saúde, mas pode alterar o cheiro e o gosto da água. Mas apesar de a Cedae dizer que não faz mal, o engenheiro sanitarista e professor do departamento de engenharia sanitária e do meio ambiente da Uerj  Adacto Ottoni afirma que a presença da geosmina indica a presença de outros componentes tóxicos.

Quando teve início a alteração?

Não se sabe quando a alteração da água teria acontecido. No entanto, moradores de São Cristóvão, na Zona Norte, e de diferentes bairros da Zona Oeste começaram a relatar que a água das torneiras estava turva, com forte cheiro e gosto de terra no dia 3 de janeiro. Nessa mesma data surgiram também as primeiras reclamações de cariocas passando mal após terem bebido a água, mesmo com filtro instalado em casa.

Uso da água filtrada e fervida é indicado?

Especialistas ouvidos pelo GLOBO alertam que, enquanto não for descartada a presença de outras substâncias além da geosmina, a água turva e com cheiro deve ser fervida e depois filtrada para beber, cozinhar, lavar o rosto e escovar os dentes. Para a filtração, o recomendado é o filtro de carvão ativado. Deve ser observada ainda a validade do filtro. Outra possibilidade para os cariocas é o uso de água mineral. No entanto, supermercados e depósitos ja registram falta do líquido.

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A água pode ser utilizada para o banho?

Infectologistas afirmam que não há problema tomar banho com a água turva e com cheio, sendo necessário apenas evitar que ela chegue ao rosto. Porém, ferimentos na pele impedem a utilização durante o banho. Também não há problema em lavar louça e roupas caso a água não esteja turva.

Nas prateleiras de um supermercado na Tijuca, só sobraram garrafas de água de marcas mais caras Foto: Agência O Globo/Márcia Foletto
Nas prateleiras de um supermercado na Tijuca, só sobraram garrafas de água de marcas mais caras Foto: Agência O Globo/Márcia Foletto

Segundo o professor Gandhi Giordano, do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Faculdade de Engenharia da Uerj, quem não notou alterações no aspecto da água pode manter seu uso normal. Ele observa que, por causa das férias, muitos edifícios ainda têm em suas caixas d’água o produto fornecido antes da detecção de geosmina.

O uso de cloro pode ajudar?

Para especialistas, o cloro deve ser usado apenas para desinfecção da água após o tratamento convencional. E tem que ser usado com muita cautela porque cloro acima de 2ppm reage com o PVC das tubulações domésticas e produz trihalometanos, altamente cancerígenos.

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Há presença de outras substâncias na água?

Segundo a professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Sandra Azevedo, a geosmina não é capaz de deixar a a agua turva. A especialista afirma que a molécula é transparente e incolor. Ainda segundo Sandra, ela também nada tem a ver com casos de adoecimento dos quais se queixa a população. Para ela, apenas sujeiras são capazes de deixar a agua turva e, nessas condições, ela não deveria ser distribuída.

A professora da UFRJ Sandra Azevedo é uma das maiores especialistas do país em cianobactérias e efeitos de poluição da água na saúde Foto: Fernando Lemos / 28-4-2016 / Agência O Globo
A professora da UFRJ Sandra Azevedo é uma das maiores especialistas do país em cianobactérias e efeitos de poluição da água na saúde Foto: Fernando Lemos / 28-4-2016 / Agência O Globo

Quando o carvão ativado será utilizado no tratamento?

A Cedae informou, no último dia 9, que adotará a aplicação de carvão ativado pulverizado no início do tratamento da água que chega às casas. A empresa informou ainda que já deu ordem para a aquisição. No entanto, não foi informado a partir de quando ele será aplicado no sistema.

E os sintomas após o consumo?

Dores abdominais, enjoos, diarreia e vômito têm relação estreita com o consumo de água infectada. Esses sintomas têm variado de pessoa para pessoa. A prefeitura do Rio chegou a registrar um aumento do número de pacientes com diarreia e vômito em suas unidades de saúde, porém frisou que não é possível relacionar os casos a um problema no abastecimento da Cedae. Além disso, unidades de pronto atendimento (UPAs) da Zona Oeste tiveram aumentos de até 200% nos casos de diarreia, vômito e gastroenterite numa comparação com os registros feitos há um ano.