Cultura

Em 1915, Lima Barreto já cobrava prefeitura do Rio por enchentes: 'Que vergonha!'

Publicada no verão daquele ano, crônica fala sobre 'inundações desastrosas'
Enchente no Rio de Janeiro, janeiro de 1959 Foto: Arquiivo
Enchente no Rio de Janeiro, janeiro de 1959 Foto: Arquiivo

RIO — Qualquer morador do Rio sabe que as enchentes na cidade, como a que deixou seis mortos nesta semana , não são novidade. Mas um texto de Lima Barreto, relembrado nas redes sociais pelo professor e escritor Luis Antonio Simas, mostra que o problema é ainda mais antigo do que muitos poderiam imaginar.

Em 1915, Lima Barreto publicou no "Correio da Noite" um texto já alertando que "Cidade cercada de montanhas e entre montanhas, que recebe violentamente grandes precipitações atmosféricas, o seu principal defeito a vencer era esse acidente das inundações." Leia abaixo a íntegra, em versão publicada no volume 3 do box "Lima Barreto: obra reunida" (Nova Fronteira, 2018).

AS ENCHENTES

Correio da Noite , Rio, 19-1-1915

As chuvaradas de verão, quase todos os anos, causam no nosso Rio de Janeiro inundações desastrosas. Além da suspensão total do tráfego, com uma prejudicial interrupção das comunicações entre os vários pontos da cidade, essas inundações causam desastres pessoais lamentáveis, muitas perdas de haveres e destruição de imóveis.

De há muito que a nossa engenharia municipal se devia ter compenetrado do dever de evitar tais acidentes urbanos.

Uma arte tão ousada e quase tão perfeita, como é a engenharia, não deve julgar irresolvível tão simples problema.

O Rio de Janeiro, da avenida, dos squares , dos freios elétricos, não pode estar à mercê de chuvaradas, mais ou menos violentas, para viver a sua vida integral.

Como está acontecendo atualmente, ele é função da chuva. Uma vergonha!

Não sei nada de engenharia, mas, pelo que me dizem os entendidos, o problema não é tão difícil de resolver como parece fazerem constar os engenheiros municipais, procrastinando a solução da questão.

O Prefeito Passos, que tanto se interessou pelo embelezamento da cidade, descurou completamente de solucionar esse defeito do nosso Rio.

Cidade cercada de montanhas e entre montanhas, que recebe violentamente grandes precipitações atmosféricas, o seu principal defeito a vencer era esse acidente das inundações.

Infelizmente, porém, nos preocupamos muito com os aspectos externos, com as fachadas, e não com o que há de essencial nos problemas da nossa vida urbana, econômica, financeira e social.

Lima Barreto (1881-1922), autor de "Triste fim de Policarpo Quaresma" (1915), foi um dos maiores nomes da literatura brasileira no século XX e um observador atento do cotidiano carioca.