Conheça a moradora de Manguinhos que salvou a biblioteca e confrontou Pezão
Sete bailarinas vestindo collants rosa bebê manchados de tinta vermelho sangue constrangeram o governador Luiz Fernando Pezão na reabertura da Biblioteca Parque de Manguinhos (rebatizada como Biblioteca Parque Vereadora Marielle Franco), na última quinta-feira. Elas estavam deitadas no chão se fazendo de mortas com um livro na mão. À frente das meninas, a diretora geral do Ballet Manguinhos, Daiana Ferreira de Oliveira, de 29 anos, discursava lembrando os 16 meses em que o espaço permaneceu fechado pelo estado. Mas não abandonado: Daiana e as meninas cuidaram a duras penas do equipamento cultural durante todo esse período.
— Se a biblioteca fechar depois da eleição, a gente entra aqui de novo. E a gente não sai — prometeu Daiana. — Meninas, podem levantar. Vocês não estão mortas. Isso é só para lembrar que a gente sangra a cada dia.
Durante um ano e quatro meses, Daiana se tornou uma espécie de prefeita da biblioteca. Ela entrou à força em janeiro de 2017, um mês depois de o espaço ser fechado, e grávida do primeiro filho. A partir disso, passou, literalmente, a tomar conta do lugar. Era ela que tinha as chaves do cadeado novo e das fechaduras que consertou. Ensaiava com as 200 meninas do Ballet Manguinhos (financiado pelo Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz) quatro vezes por semana e, na sexta-feira, promovia eventos como rodas de conversa. Cuidava da manutenção, da pintura, da limpeza, da preservação do acervo e da estrutura física. Só devolveu ao governo do estado uma semana antes da reabertura oficial, quando ela discursou durante a apresentação do Ballet Manguinhos.
O maior desafio foi manter o prédio intacto. A Biblioteca Parque de Manguinhos está cercada pelo abandono. Atrás dela funciona uma boca de fumo dentro de um antigo silo da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), invadido por usuários de drogas. Na frente do prédio, a antiga Casa da Mulher — uma construção pequena, de tijolos, onde o estado acolhia vítimas de violência doméstica e promovia cursos de capacitação para moradoras da região — foi depenada, após a interrupção dos serviços: teve portas, janelas e todos os equipamentos roubados.
Sem o apoio do poder público, o jeito foi recorrer ao paralelo. Daiana revelou ao governador, durante a cerimônia de reabertura da biblioteca, que precisou pedir ao chefe do tráfico que proibisse qualquer violação ao prédio. E um alerta geral foi dado na favela.
Daiana é de uma família de mulheres fortes. A mãe, Rosali, de 53 anos, é uma ex-faxineira que concluiu apenas o ensino fundamental. Apaixonada pela leitura, é conhecida como a melhor explicadora da favela, e colocou as três filhas para fazer todos os cursos gratuitos que pudessem. A família viveu até 2003 em uma casa sem banheiro. Mesmo assim, as três entraram na faculdade — com o apoio do Prouni, programa do governo Federal que concede bolsas de estudos em universidades privadas. A mais velha, de 30 anos, se desencantou com o curso de Relações Internacionais e virou “maquiadora top”, como Daiana a define. A caçula, de 22, faz Comunicação Social e se prepara para um intercâmbio no Canadá. E Daiana fez Educação Física, aprendeu a dançar em projetos sociais e, agora, transforma a vida de outros jovens da favela.
— O nosso método aqui é o balé russo. A gente faz um trabalho muito técnico — diz Daiana, que participou de diversas companhias que, como ela, ofereceram aulas gratuitas para crianças de favelas: — Todas as nossas professoras foram de projeto social. Uma daqui e três da Maré.
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