Cultura

Morre Ecio Salles, um dos criadores da Flup, aos 50 anos

Escritor e produtor cultural idealizou festival que revelou diversos escritores da periferia
Ecio Salles, cocriador da Festa Literária das Periferias, em 2016 Foto: Bárbara Lopes / Agência O Globo
Ecio Salles, cocriador da Festa Literária das Periferias, em 2016 Foto: Bárbara Lopes / Agência O Globo

RIO —  Morreu, aos 50 anos, na tarde desta segunda-feira, 22, o escritor e produtor cultural Ecio Salles. Um dos criadores da Festa Literária das Periferias (Flup), ele estava internado no Hospital Samaritano da Barra. Desde o início de julho, lutava contra um câncer no pulmão. Ele deixa mulher e duas filhas.

Nascido em Olaria, subúrbio carioca na borda do Complexo do Alemão e Doutor em Comunicação e Cultura na UFRJ, Ecio sempre teve sua trajetória ligada às periferias e ao esforço pela democratização da cultura.

Curador do antigo selo Tramas Urbanas, criado pela editora Aeroplano dar visibilidade à fenômenos sócioculturais e estéticos nas periferias, ele lançou dois livros: "Poesia revoltada", um estudo sobre o hip-hop no Brasil; e "História e Memória de Vigário Geral" (2008), que analisa a revolução tecnológica e cultural na favela da Zona Norte carioca após a chacina de 1993. O escritor se aproximou da favela quando se tornou um dos coordernadores gerais da ONG Afroreggae, baseada em Vigário Geral desde 1993.

— Ecio era um intelectual pioneiro e original — lembra a crítica literária Heloisa Buarque de Hollanda, fundora da editora Aeroplano. — Vindo da periferia e 100% dedicado à cultura e à transformação social das periferias, Ecio era incansável. Usava  o livro como arma de combate à pobreza e à invisibilidade dos seus manos.

Inspirado na Festa Literária de Paraty, Ecio criou, junto com o jornalista Julio Ludemir, aquele que viria a ser um dos mais tradicionais eventos culturais do Rio. Inicialmente chamado de Festa Literária das UPPs (Flupp), em referência às unidades pacificadoras do Rio, o festival promove, desde 2012, oficinas literárias, saraus e debates nas comunidades. Mais tarde rebatizado como Festa Literária das Periferias (Flup).

— Nós encontramos, nas 70 favelas por onde já passamos em toda a metrópole fluminense, não apenas leitores, mas também escritores — afirmou Ecio, em entrevista ao GLOBO em 2017.

Nos últimos sete anos, ajudou a revelar diversos escritores saídos da periferia, como Geovani Martins, Ana Paula Lisboa, Jessé Andarilho, entre outros. Em 2019, o festival irá homenagear o compositor Marcelo Yuka.

— Eu conheci o Écio em 2010, ele foi a primeira pessoa que me editou, que olhou pro meu texto e disse "isso é literatura" — conta a escritora e colunista do GLOBO Ana Paula Lisboa. — Depois, em 2012, ele me disse que eu timja que entrar para a FLUP e foi aí que me tornei escritora. É uma perda sem tamanho, pra mim pessoalmente e pra tudo.

Na visão da jornalista Flavia Oliveira, a Flup foi um “divisor de águas” para a cultura carioca, tanto na formação de leitores quanto de escritores e roteiristas.

— Em uma cidade partida como o Rio, o festival construiu pontes e travessias, derrubou as fronteiras imaginárias, levando a literatura a lugares tão diferentes quanto Vigário Geral, Providência e Alemão — diz Flávia. — Foi fundamental para reconhecer a potência da periferia e apresentá-la ao país. A sua morte precoce é uma perda dramática. Espero que, em memória dele, a cidade não desista da Flup

Nos últimos meses, Ecio vinha trabalhando na biografia de Pai Santana (1932-2011), lendário massagista do Vasco da Gama, time do coração do escritor. Intitulada "Pai Santana: Seja alguém na multidão", a obra lembrava histórias da época em que o massagista cuidava da saúde dos jogadores do Vasco e também servia de liderança espiritual com seus "despachos". O livro ainda não tem data de previsão de lançamento.

Ecio Salles será velado a partir das 10h desta terça-feira na Biblioteca Parque do Centro do Rio. O sepultamento está marcado para as 16h, no Cemitério de Inhaúma.