Por Lis Lopes, G1 GO


A advogada Vercilene Dias, que é considerada a primeira mulher quilombola com mestrado em direito no Brasil após defender dissertação na Universidade Federal de Goiás (UFG) — Foto: Marcello Dantas/O Popular

A advogada Vercilene Dias passou a ser considerada a primeira mulher quilombola com mestrado em direito no Brasil, depois da defesa de sua dissertação na Universidade Federal de Goiás (UFG) na última quinta-feira (21). A informação foi divulgada pela própria instituição.

Segundo a UFG, ela conseguiu o pioneirismo após desenvolver uma análise jurídica de conflitos na comunidade Kalunga. O Ministério da Educação (MEC) recomendou ao G1 procurar a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para falar sobre o assunto. À reportagem, o órgão disse não ter dados sobre a formação de quilombolas na área.

“Infelizmente, sou a primeira do Brasil. Era para ter várias. É uma responsabilidade muito grande para carregar sozinha. Espero que, em breve, tenha vários colegas para compartilhar essa conquista também”, diz.

Na dissertação “Terra versus Território: uma análise jurídica dos conflitos agrários internos na Comunidade Quilombola Kalunga de Goiás”, Vercilene avalia a disparidade na regularização fundiária na Comunidade Quilombola Kalunga, na região nordeste do Estado, nos municípios de Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre.

Com o trabalho desenvolvido, a mestre em direito espera obter melhorias para sua comunidade, que ainda busca solução de questões relacionadas à titulação das terras. Ela comenta que, apesar de ficar feliz com o título de mestre, se sente triste por só agora uma quilombola conquistar o título de mestre em direito.

A advogada acredita que está cumprindo seu propósito com o trabalho que vem desenvolvendo.

“Sempre quis ajudar as pessoas da minha comunidade que viviam oprimidas e sofrendo ameaças. Nunca deixei de acreditar na luta pelos direitos da comunidade quilombola Kalunga, que na verdade é uma família”, conta.

Carreira acadêmica

Vercilene ingressou na UFG em 2011, por meio do programa UFGInclui, e concluiu o curso de direito em 2016. Antes mesmo de se formar, ela passou no exame da Ordem dos Advogados do Brasil, tornando-se a primeira advogada quilombola da seccional goiana. Ela também é diplomada em Estudo Internacional em Litígio Estratégico em Direito Indígena, pela Pontifícia Universidade Católica do Peru.

Em 2017, Vercilene ingressou no programa de pós-graduação em direito agrário da UFG, no qual desenvolveu o trabalho acadêmico voltado para a comunidade quilombola, mostrando a demora da regulamentação no território, que acaba gerando diversos conflitos e inseguranças.

Atuando como advogada popular, Vercilene é assessora jurídica na Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e advogada trainee na organização Terra de Direitos.

Ela presta assessoria jurídica para comunidades sobre regulamentação de territórios e questões jurídicas afins. Com a conclusão do mestrado, ela já começa a pensar nos próximos desafios profissionais, incluindo o doutorado.

UFGInclui

Criado em 2008, o programa UFGInclui surgiu como uma iniciativa de ampliação do acesso e de permanência na UFG. Na época de sua criação, o UFGInclui tinha como principal característica a reserva de vagas para candidatos que estudaram em escolas públicas, negros, indígenas e quilombolas.

A Lei nº 12.711/2012, conhecida como Lei de Cotas, obriga a reserva de vagas para candidatos cotistas em todas as instituições federais de ensino superior. Quando a lei foi sancionada, a UFG precisou fazer adaptações no UFGInclui.

A lei federal determina a reserva de 50% das vagas nas universidades para estudantes de escolas públicas. Desse percentual, a metade é direcionada a alunos cujas famílias têm renda igual ou inferior a um salário mínimo e meio por pessoa.

Ainda de acordo com a lei, parte das vagas deve ser preenchida por negros, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência, em número proporcional ao percentual desses grupos em cada estado. Com essas mudanças, desde 2012, o UFGInclui foi direcionado de forma mais específica ao público indígena e quilombola.

Atualmente, o programa mantém a criação de vaga adicional para esses grupos, quando há demanda, e reserva 15 vagas no curso de letras - libras para candidatos surdos.

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