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Política Bolsonaro

Decreto pode ampliar porte de armas para milhões de pessoas no país

Somente o total de moradores de áreas rurais com mais de 25 anos, por exemplo, é de 18,6 milhões
Venda de armas no clube de tiro em Santana, São Paulo Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Venda de armas no clube de tiro em Santana, São Paulo Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

BRASÍLIA E RIO — O decreto do presidente Jair Bolsonaro pode aumentar de forma exponencial o número de pessoas autorizadas a carregar uma arma no Brasil. Atualmente, há somente 36,7 mil portes de armas válidos no país, segundo dados do fim de 2018. A amplitude do decreto pode levar esse número a vários milhões, uma vez que somente o total de moradores de áreas rurais com mais de 25 anos, por exemplo, é de 18,6 milhões.

Esta é a maior entre as 20 categorias que, com o decreto, não precisarão mais comprovar a efetiva necessidade de carregar uma arma para obter o porte. Estão no rol, entre outros, colecionadores e caçadores (255 mil, segundo o Exército), políticos eleitos (65,1 mil, segundo o Tribunal Superior Eleitoral) e caminhoneiros autônomos (900 mil, segundo entidade da classe).

O número de portes de armas válidos no Brasil foi informado pela Polícia Federal via Lei de Acesso à Informação em janeiro deste ano. O número de registros de armas ativos é 678,3 mil, com 346,2 mil com pessoas físicas. Não necessariamente quem registra uma arma tem um porte válido para carregá-la consigo.

ARMAS PARA QUASE TODOS
Decreto de bolsonaro abre porte para milhões
Segundo a PF, o número de portes válidos
de arma em dezembro de 2018 era de:
36.702
Com as novas regras, as
seguintes categorias
passam a ter acesso:
Políticos
65.193
(TSE)
Colecionadores,
caçadores e atiradores
255.402
(Exército, até 2018)
Caminhoneiros autônomos
900.000
(Estimativa da CNTA)
Advogados
1.138.300
(OAB)
Moradores de áreas rurais
acima de 25 anos
18.619.000
(Pnad IBGE 2015)
Quem também
A diferença entre
pode ter porte
porte e posse
• Agente de trânsito
abrange apenas o direito de ter armas
Posse:
• Oficial de justiça
de fogo em casa
• Conselheiro tutelar
autorização para transportar armas para
Porte:
• Profissional da imprensa que atue na
fora de casa, além de acessórios e munição
cobertura policial
registrados
• Agente público ativo e inativo da área de
segurança pública, da Agência Brasileira
de Inteligência, da administração
penitenciária e do sistema socioeducativo
• Agente público que exerça atividade
Requisitos
com poder de polícia administrativa
• Agente público de órgãos policiais das
Para o porte, é necessário não ter
assembleias legislativas dos Estados e da
antecedentes criminais, apresentar documento
Câmara Legislativa do DF
de ocupação lícita e de residência e comprovar
• Motoristas de empresas e
capacidade técnica e de aptidão psicológica. É
transportadores autônomos de cargas
preciso demonstrar “efetiva necessidade” de
• Instrutor de tiro ou armeiro credenciado
porte, seja por exercício de atividade
pela Polícia Federal
profissional de risco ou de ameaça à sua
• Dono de estabelecimento que
integridade física.
comercialize armas de fogo ou de escolas
de tiro ou dirigente de clubes de tiro
As profissões listadas ao lado têm a “efetiva
• Funcionários de empresas de segurança
necessidade” já “cumprida”
privada e de transporte de valores
ARMAS PARA QUASE TODOS
Decreto de bolsonaro abre
porte para milhões
Segundo a PF, o número de portes válidos
de arma em dezembro de 2018 era de:
36.702
Com as novas regras, as
seguintes categorias
passam a ter acesso:
Políticos
65.193
(TSE)
Colecionadores,
caçadores e atiradores
255.402
(Exército, até 2018)
Caminhoneiros
autônomos
900.000
(Estimativa da CNTA)
Advogados
1.138.300
(OAB)
Moradores de áreas rurais
acima de 25 anos
18.619.000
(Pnad IBGE 2015)
Quem também
pode ter porte
• Agente de trânsito
• Oficial de justiça
• Conselheiro tutelar
• Profissional da imprensa que atue na
cobertura policial
• Agente público ativo e inativo da área de
segurança pública, da Agência Brasileira
de Inteligência, da administração
penitenciária e do sistema socioeducativo
• Agente público que exerça atividade
com poder de polícia administrativa
• Agente público de órgãos policiais das
assembleias legislativas dos Estados e da
Câmara Legislativa do DF
• Motoristas de empresas e
transportadores autônomos de cargas
• Instrutor de tiro ou armeiro credenciado
pela Polícia Federal
• Dono de estabelecimento que
comercialize armas de fogo ou de escolas
de tiro ou dirigente de clubes de tiro
• Funcionários de empresas de segurança
privada e de transporte de valores
A diferença entre
porte e posse
abrange apenas o direito de ter
Posse:
armas de fogo em casa
autorização para transportar
Porte:
armas para fora de casa, além de
acessórios e munição registrados
Requisitos
Para o porte, é necessário não ter
antecedentes criminais, apresentar
documento de ocupação lícita e de
residência e comprovar capacidade
técnica e de aptidão psicológica. É
preciso demonstrar “efetiva necessidade”
de porte, seja por exercício de atividade
profissional de risco ou de ameaça à sua
integridade física.
As profissões listadas ao lado têm a
“efetiva necessidade” já “cumprida”

O governo não poderia apenas mudar as categorias que podem portar armas via decreto. Para conseguir ampliar essa base, então, a solução foi determinar que, enquanto as demais pessoas físicas precisam comprovar a efetiva necessidade do porte à Polícia Federal, nessas situações, já se considera que esse requisito está cumprido, pela periculosidade da profissão ou de se morar em zona rural.

Bolsonaro afirmou que a “quebra do monopólio” para a compra de armas no Brasil é “bem-vinda” e vai entrar em vigor “dentro de uns 60 dias”. O decreto acabou com a restrição de importação de uma arma quando há no mercado nacional uma similar. A Taurus, empresa brasileira, era a maior beneficiada desse impedimento. Bolsonaro disse que conversou com o ministro da Economia, Paulo Guedes, “para tratar da questão de impostos, para que as armas lá de fora não cheguem bem mais baratas que as nacionais”.

Cargos transitórios

Para especialistas e entidades, o decreto deixa zonas cinzentas. Bruno Langeani, coordenador do Instituto Sou da Paz, lembra que o decreto ampliou a validade do porte — de cinco para dez anos — e o limite anual de munições, passando de 50 para até 5 mil no caso de armas de uso permitido. Medidas tão amplas de acesso às armas deixam margem, na avaliação do especialista, para desvios de equipamentos e armamentos:

— Esse aumento do limite de munição ocorreu sem exigência de contrapartidas para controle. Não há uma exigência de que essas munições sejam marcadas, com determinados lotes, coisas do tipo. Do jeito que está, você abre a possibilidade de desvios que abasteçam tranquilamente o crime organizado. O monitoramento fica mais difícil.

Langeani lembra ainda que algumas das categorias listadas para pleitear o porte de arma, como a dos conselheiros tutelares e dos políticos, têm ocupação transitória. Para o especialista, o decreto não deixa claro como se dará a fiscalização para evitar que a validade do porte exceda o tempo de exercício da função.

O especialista em Direito Penal Daniel Raizman, professor da UFF, teme que grupos paramilitares tenham maior respaldo legal, já que seus integrantes poderiam se enquadrar com mais facilidade em categorias com autorização para porte:

— Isso vai gerar problema em termos probatórios. Se você sabe que o tiro do policial vem necessariamente de uma arma padronizada, distribuída pela corporação, é uma coisa. Agora, se o policial pode andar com qualquer outra arma, isso pode criar uma dificuldade de fiscalização da origem de disparos em conflitos.