Por Lívia Torres*, G1 Rio

Olha que legal: aos 85 anos, Dona Tuca canta samba e funk e quer gravar disco

Olha que legal: aos 85 anos, Dona Tuca canta samba e funk e quer gravar disco

Nem a violência da Cidade de Deus, nem as dores da idade: nada parece tirar o sorriso no rosto da Dona Tuca. Aos 85 anos, a artista sonha gravar seu primeiro disco, com repertório de samba e funk.

Também conhecida como "Diamante da Cidade de Deus", Anaíde dos Santos Muniz canta, compõe, faz poesia, teatro e pinta quadros. Começou a vida no Rio Comprido, bairro da Zona Norte do Rio, e há 50 anos mudou-se para Zona Oeste.

“A música é a minha alma, é a minha vida, eu adoro música e nunca estudei nada. Está dentro de mim. A arte está dentro de mim”, diz.

Tuca foi casada por 35 anos. Tem quatro filhos, 10 netos, 14 bisnetos e quatro trinetos. Não concluiu o primário, mas exibe um português correto que diz ter aprendido ao “observar as pessoas”.

Tuca é sambista, funkeira, faz teatro e quer gravar um disco — Foto: Marcos Serra Lima/G1

Em 1987, o marido, um pintor de automóveis, morreu por conta da diabetes. A pensão que ele deixou permite que ela pague as contas da casa onde mora. Para gravar um disco, Tuca tenta ajuda de uma rádio, mas ainda não conseguiu verba suficiente.

“Financeiramente, com a música, não conquistei nada. Só conquistei simpatia e amor”, conta.

O declínio da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na Cidade de Deus fez a criminalidade na região de Tuca crescer. A relação entre a comunidade de 40 mil moradores e o crime ganhou projeção internacional com o filme dirigido por Fernando Meirelles. Apesar de contar as marcas de tiros que já invadiram sua casa, ela se diz realizada.

“Não tenho a ver com bandido, nem polícia. Tenho a ver comigo e com minha família. Agora tenho que cuidar de mim. Sou artista, pobre, preta, velha e favelada. Mas bato no peito com orgulho e digo a você que eu sou feliz.”

Dona Tuca diz que a paixão pela música nasceu com ela. Desde criança, conta que dançava e tocava flauta com o irmão. Mais tarde, fundou o bloco “Independentes da Barão”, que desfilava pelas ruas do Rio Comprido. Quando foi morar na Cidade de Deus, compôs letras para a Mocidade Unida, escola de samba da série E carioca. Recentemente, descobriu a batida do funk.

“O funk nasceu de uma velha maluca. Então eu comecei a bolar. A batida é a mesma, eu acho que o ritmo já vem. Não sei bater instrumento. Eu sei as notas musicais, quando e o que elas falam. Então o instrumento musical que eu tinha na minha boca era o tempo. Esse ritmo mexe com o corpo, a gente pode fazer o que quiser. Meu ritmo é esse”, traduz.

Dona Tuca tem 85 anos e sonha gravar disco — Foto: Marcos Serra Lima/G1

Mesmo tendo frequentado lugares de boemia, ela garante que não bebe, não joga, não fuma, nem é vaidosa. E enfatiza: também não gosta de falar palavrão.

"Por meu nome estar rodando, acham que vão encontrar uma pessoa metida. Primeiro que não tenho dinheiro pra curtir vaidade. Mas eu sei o que é uma pessoa vaidosa. Eu gosto é de tomar meu banho cedo, com água gelada. Não gosto de exibição. Sou simples. Eu sou normal, igual as outras. Eu não tenho dinheiro, como vou ser chique? Chique é quem tem dinheiro. Que pode gastar, comprar e fazer as unhas."

Ensaiando passos de samba e funk no centro da quadra da Mocidade Unida, ela reclama de dor nas pernas. "Não tenho mais idade pra isso", brinca. E dá um recado:

"Felicidade pra mim é não ter inimigos, é não se meter na vida dos outros. A minha felicidade está na paz que eu guardo no coração".

*Imagens: Marcos Serra Lima, edição: Marih Oliveira

Tuca garante que não bebe, não joga e não fuma. — Foto: Marcos Serra Lima/G1

Dona Tuca é moradora da Cidade de Deus — Foto: Marcos Serra Lima/G1

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