Por G1


Etíope Abdul Kadir Ababora, que vive na Nova Zelândia, contou como sobreviveu ao ataque a uma mesquita de Christchurch — Foto: Marty Melville / AFP

Quando os primeiros tiros soaram durante a oração de sexta-feira, Abdul Kadir Ababora se jogou no chão e se agachou sob uma prateleira cheia de alcorões. Fingiu-se de morto, convencido de que o assassino que perpetrou um massacre em duas mesquitas em Christchurch, na Nova Zelândia, chegaria nele a qualquer momento: "Eu estava esperando a minha vez".

Durante longos minutos de angústia, ele ouviu o extremista australiano Brenton Tarrant executar metodicamente os fiéis reunidos na mesquita de Al Noor. É difícil para ele explicar como ainda está vivo.

"É um milagre. Quando abri os olhos, só havia cadáveres", disse à AFP.

No total, 50 pessoas morreram no massacre cometido na sexta-feira em duas mesquitas em Christchurch pelo australiano de 28 anos, que se declara fascista e supremacista branco.

Como muitos fiéis que estavam na mesquita Al Noor para a oração de sexta-feira, Abdul Kadir Ababora, de 48 anos, é um imigrante que chegou na Nova Zelândia em 2010, vindo da Etiópia em busca de paz e prosperidade.

Duas semanas atrás, este taxista e sua esposa comemoraram o nascimento de seu terceiro filho.

Vítima de ataque a mesquitas nesta sexta-feira (15), em Christchurch, na Nova Zelândia — Foto: Mark Baker/AP

Uma bala atrás da outra

Na sexta-feira, o imã acabara de iniciar seu sermão quando os primeiros tiros foram ouvidos fora do templo, conta Ababora.

A primeira pessoa que ele viu cair foi um palestino. Um homem diplomado em engenharia, mas que, como ele, ganhava a vida ao volante de um táxi na maior cidade da Ilha do Sul.

"Ele foi olhar o que estava acontecendo quando viu o assassino. Quando correu, recebeu um tiro em algum lugar por aqui", recorda Ababora, apontando para o lado. "Eu o vi cair".

Foi então que Brenton Tarrant começou seu massacre, matando os fiéis indefesos um por um.

Ababora imediatamente se jogou no chão e se escondeu embaixo de uma estante onde os alcorões estavam guardados. "Eu apenas fingi que estava morto".

Policiais vasculham área perto da mesquita Masjid Al Noor, em Christchurch, na Nova Zelândia. O local sofreu atentado na sexta-feira e recebeu flores para homenagear vítimas — Foto: Mark Baker/AP Photo

'A próxima é para mim'

"Esse cara começou a atirar aleatoriamente, à esquerda e à direita automaticamente. Esvaziou seu primeiro pente e o trocou para recomeçar. Depois terminou o segundo pente e colocou um terceiro, voltando a disparar como um autômato na outra sala também", descreve.

"Eu esperava a minha vez. A cada dois tiros, dizia a mim mesmo: 'O próximo é para mim, a próxima bala é para mim' e perdi a esperança", conta. Então começou a orar em silêncio e a pensar em sua família.

O pesadelo não terminou quando o assassino saiu, depois de esvaziar seu quarto pente de munição.

Durante os próximos minutos intermináveis, nenhum sobrevivente se atreveu a fazer barulho. Mas os gritos dos feridos, que não podiam suportar a dor, quebraram o silêncio. "Havia sangue por toda parte".

Imagem de arquivo de 2014 mostra mesquita Al Noor em Christchurch, na Nova Zelândia — Foto: Reuters/SNPA/Martin Hunter

Um amigo o avisou que estava ferido na perna. Queria ajudá-lo, mas uma parte da perna dele havia sido completamente dilacerada por uma bala.

Ele cambaleou para fora da mesquita, onde encontrou outro fiel - cujo filho é amigo de seu filho mais velho - no chão, com ferimentos horríveis em sua mandíbula, nas mãos e nas costas.

Naquele momento, notou a presença de dois outros corpos, duas mulheres em uma poça de sangue.

"Quando acabou com todos na mesquita, saiu para fugir. Essas mulheres estavam atrasadas, ele atirou nelas".

Tarrant deixou para trás um de seus cartuchos, no qual havia uma inscrição de símbolos nazistas, segundo Ababora.

Como a maioria dos habitantes, Ababora nunca teria imaginado que tal explosão de ódio fosse possível em Christchurch, em um país apresentado como um dos mais pacíficos do planeta. "A Nova Zelândia não é mais segura", conclui ele.

Facebook

O Facebook divulgou neste domingo (17) que nas primeiras 24 horas após os ataques às mesquitas removeu 1,5 milhão de vídeos em todo o mundo que mostravam a ação do assassino. Ainda de acordo com a empresa, 1,2 milhão foram bloqueados ainda antes de serem publicados. O terrorista fez uma transmissão ao vivo do ataque.

Neste domingo (17), as autoridades da Nova Zelândia começam a liberar para as famílias os corpos das vítimas do atentado, de acordo com a primeira-ministra do país, Jacinda Ardern.

Resumo

  • Ataques a duas mesquitas de Masjid Al Noor e de Linwood na Nova Zelândia deixaram 50 mortos;
  • Outras 48 pessoas ficaram feridas, sendo 20 em estado grave;
  • 4 pessoas foram detidas na sexta: uma delas foi liberada no mesmo dia, e outras duas foram liberadas na noite de sábado por não terem ligação com o caso;
  • A polícia informou que o assassino é um australiano de 28 anos chamado Brenton Tarrant, que foi acusado formalmente por homicídio;
  • As autoridades ainda não divulgaram a identidade das vítimas, mas os familiares de algumas delas já vieram a público;
  • Numa das mesquitas, o homem armado com um rifle automático disparou contra a multidão;
  • Usando uma câmera no capacete, o assassino filmou e transmitiu ao vivo o massacre;
  • O Facebook eliminou as contas do criminoso e diz ter removido 1,5 milhão de vídeos relacionados ao ataque;
  • Na rede, o homem se identificou como defensor da extrema-direita e contrário à imigração.

— Foto: Juliane Souza/G1

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