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Ricardo Rangel Ricardo Rangel
O colunista Ricardo Rangel Foto: Fabio Rossi / O Globo

Palocci e cizânia institucional

PF é imprudente, senão irresponsável, ao celebrar acordo de delação do ex-ministro, pois o assunto está em julgamento no STF

Palocci assinou, enfim, seu acordo de delação premiada. Deveria ser boa notícia, afinal, ninguém compreende melhor o esquema de corrupção da era PT do que o homem que o idealizou e operou por tanto tempo. É, no entanto, bem menos bom do que parece.

Palocci ficou tempos tentando um acordo de delação com o Ministério Público (MP), que o rechaçou por considerar que o ex-ministro não oferecia o suficiente. Voltou-se, então, para a Polícia Federal (PF), que aceitou o que o MP achou insuficiente. É um gesto de desafio e confrontação, que escancara, e avança uma casa, a disputa entre PF e MP pelo papel de protagonista na Operação Lava-Jato.

Em tempos de redes sociais e celebridades, todo mundo, do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) ao guarda municipal, quer aparecer. A sede de fama e popularidade de policiais e de procuradores não ajuda nem a uns nem a outros, e muito menos ao país. Para que as investigações caminhem a contento, é preciso que as instituições colaborem entre si, e, se isso não ocorre, só há benefício para os criminosos.

Afora o fato óbvio de que o acordo é uma jabuticaba. Como pode o réu fazer acordo senão com a instituição responsável por denunciá-lo e por decidir a punição a ser pedida? Como fica se o MP ignorar o acordo? A ideia de que a polícia pode celebrar acordo de delação à revelia do MP chega a ser risível.

A PF é imprudente, senão irresponsável, ao celebrar o acordo, pois o assunto está em julgamento no STF, e, dos sete ministros que votaram, só um (Marco Aurélio, quem mais?) acredita que a PF é livre para fazer acordo. Ou seja, a maioria está formada, e o acordo poderá, mais tarde, ser invalidado no Supremo.

Aliás, se a decisão já está tomada, por que não entra logo em vigor? É que, sabe como é, vai que algum ministro se arrepende de seu voto e quer mudar? Parece uma maluquice, mas, sendo o Supremo como é, a hipótese é menos maluca do que parece.

Os ministros-celebridades proferem votos quilométricos, eventualmente mais longos do que as sessões. De vez em quando alguém falta, porque viaja-se muito: tem homenagem no Rio, seminário em Lisboa, conferência em Harvard. E volta e meia alguém pede vista do processo. Quando um julgamento não cabe em uma sessão, só Deus sabe quando é retomado.

O prazo para pedido de vista é três semanas, mas Toffoli, por exemplo, precisou de mais de quatro meses para considerar-se apto a julgar o foro privilegiado (recomeça depois de amanhã). Já Gilmar reteve um processo de Romero Jucá por três anos.

Além das viagens, há três meses de folga. E, quando trabalham, os ministros não dão conta do volume: o STF julga mais de 100 mil causas por ano (tudo tem embargo do embargo do embargo).

Por fim, os critérios da pauta são inescrutáveis: Gilmar, por exemplo, passou dois anos na presidência do Supremo sem jamais pautar o tal processo de Jucá que, antes, segurou por três anos (puxa, que pena, acaba de prescrever).

Seja lá por que for, o fato é que o julgamento do acordo de delação está parado desde dezembro. Enquanto o Supremo não o conclui, a PF firma acordo em separado e o MP se enfurece. Cabe ao juiz Sergio Moro homologar ou não, e qualquer coisa que faça é ruim. Como não é bobo, é capaz de empurrar com a barriga e deixar a bola para o Supremo.

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