RIO - O tipo de abordagem utilizado por fuzileiros navais, na manhã desta sexta-feira, na primeira ação desde que a intervenção federal foi anunciada , dia 16 deste mês, causou polêmica. Os agentes abordavam, aleatoriamente, as moradores das comunidades da Vila Kennedy, da Vila Aliança e da Coreia, na Zona Oeste, e fotografavam seus documentos de identificação. Para o presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB/RJ, Breno Melaragno, a medida é controversa:
— O agente de segurança pode solicitar o documento de identificação, mas fazer esse "fichamento", com foto e questionário, é controverso. Aconteceu em 2013, durante as manifestações, e foi muito polêmico. Não há unanimidade sob o ponto de vista jurídico.
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Na ação, os dados e as fotos dos moradores eram enviados à Polícia Civil para um levantamento sobre a ficha criminal das pessoas. Enquanto os fuzileiros obtinham as informações, o morador era obrigado a aguardar. Segundo Melaragno, o ato de reter o cidadão fere seu direito de ir e vir:
— Reter a pessoa enquanto é feito esse procedimento é ilegal, não está previsto em lei, mas é uma prática muito comum da polícia. Essa medida não está na lei penal, na Constituição, na Garantia da Lei e da Ordem nem no decreto de intervenção - garantiu o presidente da comissão.
O coordenador do Núcelo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria, Daniel Lozoya, considera um "excesso" esse tipo de abordagem dos militares. Segundo ele, o cidadão não é obrigado a tirar fotografias para se submeter a um banco de dados.
— Eles (os militares) podem pedir o documento, e a pessoa tem a obrigação de apresentá-lo. Mas obrigar a tirar fotos é ilegal, assim como fazer revistas de forma indiscriminada. Os agentes se excedem quando pedem para fotografar as pessoas, é um constrangimento ilegal e o cidadão pode recusar — explicou. — Qual base legal que existe nisso: Não existe lei que obrigue as pessoas a esse tipo de 'cadastro'. Os militares poderiam, por exemplo, usar o aplicativo Sinesp Cidadão — acrescenta o defensor, referindo-se ao aplicativo do Ministério da Justiça que, através do celular, é possível saber se suspeitos possuem mandados de prisão pendentes.
O defensor-geral André Castro também criticou a abordagem feita pelos militares:
— Isso só não é normal, como é inconstitucional. A Constituição de 88 tomou uma série de cautelas que são parâmetros internacionais de garantia e proteção de todo cidadão, direitos individuais. Entre eles, está a proteção à sua privacidade, à sua intimidade e à sua livre locomoção. Não se pode, sem uma ordem judicial ou sem uma fundada suspeita, abordar o cidadão e exigir que ele seja identificado, fotografado ou revistado. Não há, no regime constitucional vigente, a possibilidade de fazer fichamento de qualquer cidadão de forma indiscriminada.
A pessoa que passou por tal constrangimento ilegal, segundo o defensor, deve procurar as autoridades, como o Ministério Público ou a ouvidoria da Defensoria Pública pelo número 129. Se procurado, o órgão irá avaliar a situação e tomar as medidas pertinentes.
— Desde já, fazemos o apelo para que as autoridades que ordenaram essa medida cessem imediatamente com esse tipo de procedimento — ressaltou Castro.
Por meio de nota, a OAB disse que "repudia as graves infrações às garantias constitucionais". Segundo a Ordem, a "ação afrontou os direitos constitucionais de ir e vir e da liberdade de expressão, ao cercear moradores e equipes da imprensa". A OAB informou que um grupo de juristas do Observatório Jurídico vai analisar o caso na próxima segunda-feira.
O órgão tenta, junto ao Governo Federal, ter acesso às linhas de ação das Forças Militares. Mas, até o momento, não recebeu o detalhamento das operações: "A entidade continuará cobrando e, como no episódio dos “mandados coletivos”, agindo para evitar qualquer dano ao direito do cidadão".
Ao site de notícias G1, o chefe da comunicação social do Comando Militar do Leste, Carlos Frederico Cinelli, disse que o procedimento já foi feito em outras ocasiões e que o método segue amparo do decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), assinado pelo presidente Michel Temer em junho do ano passado.