Brasil Conte algo que não sei

Kirk Bowman, professor: 'As melhores incubadoras de inovação estão nas favelas'

Especialista em política da América Latina e fundador de entidade que divulga histórias inspiradoras, americano esteve no Brasil para o Festival Reimagine Rio
"A imagem que temos da favela é negativa, mas dentro dela estão as melhores histórias", acredita Kirk Bowman Foto: Ana Branco / Agência O Globo
"A imagem que temos da favela é negativa, mas dentro dela estão as melhores histórias", acredita Kirk Bowman Foto: Ana Branco / Agência O Globo

"Tenho 55 anos. Moro em Atlanta e aprendi português ouvindo a Rádio Gaúcha, pela internet, para escrever dois livros sobre inovação e turismo no Brasil. Sou professor no Instituto de Tecnologia da Georgia e cofundador da Rise Up & Care, entidade que financia filmes sobre histórias que inspirem transformações."

Conte algo que não sei.

As melhores incubadoras de inovação no Brasil não estão nas universidades nem nas companhias. Estão nas comunidades do Rio, nas favelas. Como a história de um dos filmes que financiamos, sobre um homem que criou uma associação de badminton no Morro da Chacrinha (Zona Oeste), e teve dois atletas na Olimpíada. É uma inovação incrível, de desenvolvimento social, que não diz respeito a produtos ou tem a ver com tecnologia. São histórias poderosas que o mundo precisa ouvir. A imagem que temos da favela é negativa, mas dentro dela estão as melhores histórias. Não as piores.

Explique melhor seu conceito de inovação.

Sou professor de uma escola de Engenharia incrível, onde se criam produtos. Muitas vezes, pensamos que amamos novos produtos, mas eles estão fazendo o mundo mais feliz e mais rico? O que estamos descobrindo é que eles nos deixam mais isolados e fazem o oposto do que esperávamos. A inovação que eu não conhecia até vir para o Brasil é esse processo local, que cria redes de pessoas, encontros, novas comunidades e que traz felicidade. Estamos interessados em inovação social, que usa novas configurações de comunidades bem-sucedidas e desenvolvimento global a nível local.

Por que você decidiu investir nessas histórias?

Eu sou professor universitário, e professores se tornaram pessoas cínicas e negativas, sempre tentando encontrar o que está errado. Tenho um grande amigo, o Jon, um banqueiro de muito sucesso, que se tornou o co-fundador investidor da nossa entidade. Nosso foco são projetos inspiradores e positivos. É esse tipo de história que queremos contar: projetos de sucesso em comunidades pobres.

No Rio, uma mensagem popular diz que “Gentileza gera gentileza”. É a mensagem que quer passar com os projetos?

Sim. Dizemos que pequenos gestos levam a grandes mudanças. Acredito que o trabalho destes líderes de comunidades está criando um Rio mais iluminado e inspirando gerações.

É responsabilidade deles transformar o lugar em que vivem?

O Brasil está acordando. Você não pode depender de políticos e grandes empresas para cuidar das pessoas. As pessoas devem criar as próprias soluções. E isso está sendo feito nas favelas. E muitas pessoas de classe média estão unindo esforços nessas comunidades por meio do voluntariado e de projetos.

Como classifica o momento político na América Latina?

Há grandes exemplos de sucesso no Uruguai e, mais ainda, no Chile, com Michelle Bachelet e outros socialistas. No Brasil e na Argentina, em particular, não é questão de o governo ser de esquerda. Foram governos muito longos. Aqui há um sistema político desfavorável. Há um sério problema no sistema eleitoral, que está quebrado, e isso nada tem a ver com ser um governo de esquerda ou direita.

Por que esse sistema não funciona?

São 28 partidos e muita corrupção, ninguém consegue governar. Ou o Brasil faz uma reforma política ou terá os mesmos problemas. Existe sempre um pêndulo da esquerda para a direita, e essas soluções que vêm de cima e que vão consertar tudo. Não acreditamos nisso. Somos bem mais otimistas com soluções que vêm de baixo para cima. E elas estão acontecendo nas comunidades, com ideias locais, líderes e inovações locais.