Por Laís Lis, G1 — Brasília


Os vetos do presidente Michel Temer ao projeto de lei 7.448, que altera regras usadas por órgãos de controle, atendem a 80% do que era pedido pelo Tribunal de Contas da União (TCU), afirmou o consultor jurídico Odilon Cavallari, porta-voz do tribunal para o assunto.

(ATUALIZAÇÃO: A lei sancionada foi publicada na edição desta quinta-feira (26) do "Diário Oficial da União".)

Aprovado no Congresso, o projeto muda a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Críticos, como a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, dizem que a proposta incluía "retrocessos" e favorecia a impunidade. TCU e Ministério Público chegaram a pedir o veto integral do projeto. Apoiadores, como o presidente da Escola Nacional de Administração Pública, Francisco Gaetani, afirmam que o projeto dá mais segurança para a tomada de decisões pelos gestores públicos.

Segundo Cavallari, o que era "mais preocupante" para o TCU saiu do texto. “O mais grave, o mais preocupante, saiu”, disse.

O veto do presidente atende, por exemplo, ao ponto mais questionado pelo TCU, o artigo 25.

O artigo permitiria que se solicitasse uma autorização do Judiciário para um ato administrativo, mesmo antes de uma avaliação pelos órgãos de controle.

Para o TCU, esse ponto era inconstitucional, por retirar dos tribunais de contas e do Poder Legislativo a competência de verificar a regularidade dos atos, contratos, ajustes, processos e normas da Administração Pública, já que quer levar essa análise para o Judiciário.

Segundo Cavallari, na prática, o texto permitiria que o Judiciário analisasse um edital de leilão, por exemplo.

O artigo 23, vetado por Temer, exigia que os órgãos de controle, por exemplo, dessem um prazo para que o gestor parasse a conduta considerada ilegal.

A parte do artigo 26 vetada pelo presidente permitiria ao poder público perdoar punições aplicadas pelos órgãos de controle mesmo sem fixar contrapartidas, afirmou Cavallari.

Segundo ele, o artigo ainda limitava a atuação dos órgãos de controle caso o acordo firmado fosse considerado desvantajoso para os cofres públicos.

Nesse caso, o TCU, por exemplo, só poderia punir o agente público que fez o acordo caso fosse verificado um crime ou enriquecimento ilícito.

No caso do artigo 28, que diz que o agente público só responderá pessoalmente por suas decisões em caso de erro grosseiro ou dolo, o consultor jurídico do TCU avalia que, ao vetar os parágrafos, o presidente “esvazia” o artigo e reduz os problemas que poderia causar.

Para quem defende a proposta, o projeto integral traria mais segurança jurídica e evitaria que o país siga como um “cemitério de obras paradas”.

Para o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (Cbic), José Carlos Martins, o projeto colocaria os órgãos de controle "no devido lugar". Para ele, os tribunais de contas usurparam um papel que não é deles e estão atuando como Justiça.

Segundo Martins, ao vetar os parágrafos do artigo 28, o presidente “matou o projeto”.

Para ele, os parágrafos garantiam apoio do Estado às decisões dos funcionários – já que obrigavam o governo a dar assistência jurídica aos gestores – e também garantia que nenhum gestor público fosse punido por mudanças de entendimento dos órgãos de controle.

“No Brasil até o passado é incerto. O gestor tomou uma decisão baseada em um entendimento, mas se no futuro esse entendimento mudar, ele pode ser punido”, disse.

Segundo ele, os gestores têm medo de tomar decisão porque podem ser responsabilizados só porque a visão deles diverge da visão do auditor que está fiscalizando a obra e que isso transforma o Brasil em um "grande cemitério de obras paradas".

Principais pontos do projeto

Art. 21. A decisão que, na esfera administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.

  • Contra - Para o TCU, a norma exigirá um “exercício de futurologia por parte do julgador”, que passa a ter uma responsabilidade que não é dele. Para o TCU, é o gestor que deve apresentar as informações relevantes quanto a eventuais consequências indesejáveis de eventual decisão de paralisação da obra, por exemplo.
  • A favor - Para o advogado especialista em privatizações e concessões Fernando Vernalha, a norma resolve um problema de insegurança jurídica. Segundo ele, hoje os órgãos controladores tomam decisões sem avaliar as consequências e muitas vezes essas decisões se mostram onerosas à sociedade. “Essa norma se relaciona com a necessidade de o controlador avaliar os efeitos e as consequências de suas decisões”, avalia o advogado.

Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

  • Contra - Para a área técnica do TCU, a proposta promove a interpretação casuísta e propões que o alcance e os limites da norma devem ser definidos em cada caso e de acordo com “os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo”.
  • A favor - Para a Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (Cbic), a mudança permitirá uma avaliação mais realista. A entidade afirma que “em muitos casos as melhores decisões podem não ser aquelas idealmente concebidas pela norma. Os obstáculos e as dificuldades práticas têm de ser consideradas”.

[VETADO] Art. 25. Quando necessário por razões de segurança jurídica de interesse geral, o ente poderá propor ação declaratória de validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, cuja sentença fará coisa julgada com eficácia erga omnes. § 1º A ação de que trata o caput será processada conforme o rito aplicável à ação civil pública. § 2º O Ministério Público será citado para a ação, podendo abster-se, contestar ou aderir ao pedido. § 3º A declaração de validade poderá abranger a adequação e a economicidade dos preços ou valores previstos no ato, contrato ou ajuste.

  • Contra - O TCU e o MPF consideram a norma inconstitucional, por retirar dos tribunais de contas e do Poder Legislativo a competência de verificar a regularidade dos atos, contratos, ajustes, processos e normas da Administração Pública, já que quer levar essa análise para o Judiciário. Para o TCU, a norma “transforma o Judiciário em órgão de chancela das ações administrativas, inclusive quanto à sua adequação e economicidade dos preços e valores”, permitindo, por exemplo, que o Judiciário aprove um edital de licitação ou um contrato de concessão de uma rodovia.
  • A favor - Segundo Fernando Vernalha, não há nada de inconstitucional na previsão desta norma, muito menos pela alegada subtração de competências dos tribunais de contas para o exercício do controle sobre a regularidade de atos. Segundo ele, “os atos emanados dessas instâncias já são suscetíveis ao controle do Poder Judiciário”. Para ele, o projeto retira o risco de invalidação do contrato de concessão, por exemplo, após a implementação dos investimentos. “Infelizmente alterações e extinções de contratos têm sido determinadas pelos controladores com mais assiduidade do que desejaríamos”.

[VETADO] Art. 26., § 2º Poderá ser requerida autorização judicial para celebração do compromisso, em procedimento de jurisdição voluntária, para o fim de excluir a responsabilidade pessoal do agente público por vício do compromisso, salvo por enriquecimento ilícito ou crime.

  • Contra - Para o TCU, essa parte da lei também busca excluir as competências do TCU em avaliar atos administrativos. “Além disso, o dispositivo cria uma espécie de irresponsabilidade do agente público por atos ilícitos administrativos e cíveis, pois autoriza a sua responsabilidade pessoal apenas quando se verificar o enriquecimento ilícito ou crime”.
  • A favor - Para Fernando Vernalha, essa norma contém uma previsão bastante relevante para encorajar a celebração de compromissos visando a eliminação de responsabilização do agente quando não houver crime o enriquecimento ilícito. “Trata-se do caso em que o agente age de boa-fé, mas adota uma interpretação diversa daquela predominante nos órgãos de controle. Sem erro grosseiro ou dolo, e sem portanto enriquecimento ilícito ou ilícito criminal, a responsabilização do agente não deve prosperar”, avalia.

Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.

  • Contra - Para o TCU, a proposta permite que o agente público seja negligente, imprudente e imperito, por exemplo, já que nada lhe acontecerá, pois estará isento de responsabilidade (somente em caso de dolo ou erro grosseiro).
  • A favor - Para Vernalha, o projeto não elimina a hipótese da responsabilização do agente, apenas preserva a atuação do agente de boa-fé. O argumento também é defendido pela Cbic, segundo a entidade, a lei quer proteger o administrador público de boa fé, que trabalha corretamente. “Precisamos restabelecer a autonomia dos gestores de boa-fé e encorajá-los a tomar as melhores decisões. Para isso, eles não podem estar suscetíveis de serem responsabilizados e penalizados apenas porque sua opinião ou sua convicção diverge da interpretação do controlador”, avalia a Cbic.

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