RIO E ROMA - Na sua gradual trajetória pela Europa, a onda populista pode ter desviado de importantes governos europeus, mas acabou rebentando sobre a Itália nas eleições de domingo. O pleito teve diversos perdedores — incluindo os dois partidos que há anos dominavam a cena política, liderados pelos ex-primeiros-ministros Matteo Renzi e Silvio Berlusconi — e dois novos vencedores, apoiados por pouco mais da metade do eleitorado.
O maior deles foi o antissistema Movimento Cinco Estrelas (M5S), a legenda que sozinha mais obteve votos, e, depois, a ultranacionalista xenófoba Liga (antes denominada Liga Norte), que superou em três pontos o seu aliado Força Itália, até então o protagonista da coalizão de centro-direita. Ambos reivindicam a liderança de um futuro governo, mas, sem força suficiente para garantir maioria parlamentar, a perspectiva é de duras negociações pela frente. Ou, em último caso, novas eleições.
NOVATOS EM TEMPO DE CRISE
De tons e eleitorados diversos — o M5S teve 32% dos votos, dominando no Sul; e a Liga, 17% concentrados no Norte — o que ambos têm em comum é a breve trajetória na política nacional. Primeiro chamada de “um experimento”, a legenda de Luigi Di Maio foi criada em 2009, sob a chefia do comediante Beppe Grillo. Pouco a pouco, foi angariando apoio a nível local e, hoje, tem 45 prefeituras, incluindo a de Roma, e 128 legisladores, de um total de 945 na Câmara dos Deputados e no Senado. Já a Liga passou de força regional a nacional desde que Matteo Salvini assumiu sua liderança em 2013. E, hoje, sua vitória no campo da direita é uma amarga derrota pessoal para Berlusconi, cujo apoio levou o partido ultranacionalista aos holofotes, enquanto ele mesmo mantinha-se mais moderado.
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Com o desempenho inédito dos novos atores, a única certeza é que os eleitores enviaram uma clara mensagem de desaprovação sobre a forma atual de fazer política e a relação com a União Europeia (UE). Segundo Antonello Guerrera, especialista político do jornal “La Repubblica”, a Liga construiu seu discurso xenófobo e eurocético sobre a inspiração do medo frente à intensa chegada de refugiados pelo Mediterrâneo e à crise econômica dos últimos anos. Por sua vez, o M5S toca numa dolorosa ferida para os italianos, a corrupção crônica, enquanto invoca a honestidade e a renovação da velha casta política.
— Numa Itália frequentemente afetada por escândalos judiciários, isso aumentou os seus votos ano após ano, sendo uma força nova como era a de Berlusconi em 1994. É uma arma que funciona, sobretudo no Sul e com os jovens. Mas as experiências de governo local do M5S até agora têm sido bastante decepcionantes e muito abaixo das expectativas na capital — explicou Guerrera ao GLOBO.
Di Maio disse que o seu partido estaria disposto a negociar com todas as frentes, chamando a si mesmo e seus aliados de “vencedores absolutos” para um novo governo:
— Somos a força política que representa uma nação inteira. Onze milhões de italianos votaram em nós — disse o candidato a premier do M5S.
Mas o cenário é bem mais complexo. Salvini também reivindicou a liderança do governo. Dentro da coalizão de direita, que obteve 37% dos votos, o pacto era que a legenda com melhor desempenho — a de Berlusconi ou a de Salvini — indicaria o candidato a premier. E, assim como o Partido Democrático (PD) de Renzi (com 19%), rejeitou unir-se ao M5S, apesar de compartilharem algumas ideias.
O desfecho da situação saída das urnas — que desencadeará negociações que não deverão ter avanços até abril — inclui hipóteses variando de um frágil acordo entre rivais a uma nova votação. Analistas também falam numa maioria entre M5S e Liga, a mais temida pelos vizinhos europeus e pelo mercado; ou entre M5S e parte do PD; ou, ainda, da centro-direita com alguns oponentes, como a maior parte da centro-esquerda. Para qualquer uma ganhar vida, no entanto, deverão ser ultrapassados posicionamentos anteriores dos seus líderes e rivalidades que as tornam improváveis. O panorama se complicou após Renzi anunciar na segunda-feira sua demissão da liderança partidária.
— O PD está extremamente fraco. Sem líder, em crise de identidade. Há uma parte do partido que gostaria de dar apoio externo ao M5S, e outra que absolutamente não quer. Não sabe o que fazer e será difícil recuperar os votos sem uma profunda renovação do partido, hoje dividido entre o “renzismo” e o “antirrenzismo” — diz Guerrera.