Opinião

Um voto contra a corrupção

Há evidências de que a grande corrupção brasileira vem de cima para baixo. Entretanto, a solução precisa ser construída de baixo para cima

Nosso comportamento social é influenciado pela expectativa que temos sobre o comportamento dos demais. Quando todos furam a fila, é mais difícil permanecer nela. Assim, a avaliação de que existiria uma corrupção generalizada no tecido social tende a ser uma profecia autorrealizável.

Contudo, há razões para crer que a alta corrupção comprovada de parte da elite político-empresarial não é característica de toda a sociedade.

O Barômetro Global de Corrupção de 2017, que mede a corrupção nas bases da pirâmide social (nos serviços escolares, médicos, burocráticos, policiais e judiciais), indica que o Brasil é o segundo país mais honesto da América Latina, atrás apenas de Trinidad e Tobago. O índice de corrupção é metade do chileno e do uruguaio e é quase cinco vezes inferior ao mexicano.

Alguns experimentos, mesmo sem pretensão científica, são ilustrativos. A revista “Reader’s digest” espalhou 12 carteiras, como se tivessem sido perdidas, nas ruas de cidades em 16 países. São Paulo só perdeu para Helsinque (Finlândia) na quantidade de carteiras devolvidas aos donos. Belém (PA) foi mais honesta do que Madri, Londres e Berlim.

No Rio de Janeiro, o serviço de bonde (VLT) aboliu o cobrador: o próprio usuário paga pelo serviço. A taxa de evasão — de quem entra e sai sem pagar — é abaixo de 10%, inferior a cidades europeias segundo a concessionária.

Já quando entra na conta a corrupção da elite político-empresarial, a percepção da corrupção é muito maior. Pesquisa do Fórum Econômico Mundial colocou o Brasil como o 4º mais corrupto entre 141 países, em 2016. No ranking de honestidade da Transparência Internacional (TI) de 2017, que avaliou 180 nações, o Brasil figurou na tímida 96ª posição.

A explicação para a existência de uma corrupção mais pronunciada no topo da pirâmide social é o capitalismo de compadrio. Parte das elites política e empresarial se associou para saquear a sociedade. De um lado, políticos e partidos apadrinham chefes de órgãos públicos para arrecadar propinas. Do outro, empresas pagam subornos para obter lucros extraordinários, sufocando aquelas que são mais eficientes economicamente, porém honestas.

A classe política, portanto, não é um bom espelho da sociedade. Certamente o brasileiro não é santo e há práticas reprováveis arraigadas na cultura brasileira, mas não temos os políticos que merecemos. Um sistema pernicioso de incentivos nos ambientes político, empresarial e judicial propiciou um maior nível de corrupção no andar superior.

Reconhecendo a necessidade de mudar esse quadro, a Transparência Internacional (TI) e Escolas de Direito Fundação Getulio Vargas (FGV) lideraram a elaboração do maior pacote anticorrupção da história, as Novas Medidas Contra a Corrupção. São 70 projetos de lei que atacam a corrupção em 12 frentes, promovendo a integridade no setor público e privado.

Para garantir sua discussão, aperfeiçoamento e aprovação, uma coalizão de organizações da sociedade civil lançou uma grande campanha, na última terça, cujo objetivo é incentivar os brasileiros a escolherem senadores e deputados federais de sua preferência ideológica, mas que satisfaçam três requisitos básicos: tenham passado limpo, apoiem a democracia e endossem as Novas Medidas. O foco está no Congresso Nacional, pois tem o poder para aprovar o pacote.

Há evidências de que a grande corrupção brasileira vem de cima para baixo. Entretanto, a solução precisa ser construída de baixo para cima antes que a profecia de que os brasileiros são muito corruptos se autorrealize progressivamente. Precisamos estar “unidos contra a corrupção”, como convoca o nome da campanha, em hora certa. Podemos virar o jogo e, em 2018, a principal arma contra a corrupção é o voto.

Deltan Dallagnol é mestre pela Harvard Law School e procurador da República coordenador na Lava-Jato