Brasil

A cada três vítimas de feminicídio, duas foram mortas na própria casa

Estudo feito pelo MP-SP mostra que separação é principal motivação dos crimes
Ato da ONG Rio de Paz na Praia de Copacabana, em junho de 2016, denunciava os abusos sofridos pelas mulheres Foto: Márcia Foletto (Arquivo) / Agência O Globo
Ato da ONG Rio de Paz na Praia de Copacabana, em junho de 2016, denunciava os abusos sofridos pelas mulheres Foto: Márcia Foletto (Arquivo) / Agência O Globo

SÃO PAULO - Duas em cada três vítimas de feminicídio foram mortas dentro da própria casa, segundo pesquisa feita pelo Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo divulgada nesta quinta-feira. O estudo mostra, ainda, que separação é a principal motivação dos crimes e que, em 26% dos casos, outras pessoas também sofreram as consequências do crime.

Feminicídio é o nome dado ao o assassinato de mulheres por causa do gênero. A pesquisa do MP levou em conta 364 casos de assassinatos e tentativas de homicídio entre março de 2016 e março de 2017.

— O maior motivo da morte de mulheres é a separação ou pedido de rompimento, ciúmes, na maioria dos casos sem motivação, ou brigas corriqueiras. Casos que o ato ocorre por posse da mulher, um machismo porque ela não fez algo que ele gostaria. Por exemplo: homens que praticaram crimes porque a mulher se recusou a manter uma relação sexual. Um outro exemplo: a mulher solicitou que ele abaixasse o rádio e ele se sentiu desafiado – conta a promotora Valéria Scarance, coordenadora da pesquisa.

Outra conclusão da pesquisa é que o crime ocorre, geralmente, quando a vítima não está protegida: em somente 3% dos casos houve pedido de assistência. De 124 mulheres que foram mortas, apenas cinco haviam registrado boletim de ocorrência contra o agressor.

— O fato de que somente 4% das vítimas fatais tenham feito Boletim de Ocorrência é mais uma evidência de que a vítima permanecer em silêncio, não procurar ajuda e não conseguir proteção, pode levar à morte. Em contrapartida, quando ela registra ocorrência, em regra, essa morte não acontece.

Não é só a mulher que sofre as consequências do feminicídio. A cada quatro crimes, um deles atingiu outra pessoa além da vítima. O impacto, em 26% das vezes, atinge os filhos, familiares e outros membros do convívio. Essas pessoas podem ser prejudicadas de forma indireta, por meio do sofrimento psicológico, ou de forma direta, quando ela também sofre ataques violentos no contexto do crime – normalmente em uma tentativa de auxílio à vítima.

Enquadrar o crime como feminicídio ainda encontra algumas barreiras. A lei é relativamente nova no país, e tem o intuito de implementar medidas específicas na prevenção do assassinato de mulheres. Segundo a pesquisa, a tipificação do crime de gênero acontece principalmente na hipótese da relação afetiva: 87% foram qualificados como feminicídio. Na ocorrência do assassinato de outras mulheres que não há ligação conjugal, 73% dos casos foram enquadrados como homicídio.

O Brasil é um dos países em que mais se matam mulheres, segundo dados do Mapa da Violência. O país ocupa, desde 2013, o 5º lugar no ranking de homicídios femininos entre 83 países. A aplicação da lei do feminicídio, que caracteriza o assassinato por motivação de gênero, foi implementada em 2015 e virou objeto de estudo do Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo (MPSP) que apresentou, na última quinta-feira (1º), o relatório Raio-X do Feminicídio. A avaliação foi feita com base em 364 denúncias de tentativa de morte ou consumadas, entre março de 2016 a março de 2017.