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Parlamento da Turquia aprova envio de tropas à Líbia

Erdogan apoia governo de Trípoli contra general rebelde do Leste do país, que tem apoio do Egito
Erdogan fala em simpósio em Ancara: intervencionismo crescente provoca choque com vizinhos Foto: MURAT CETINMUHURDAR/PPO / via REUTERS
Erdogan fala em simpósio em Ancara: intervencionismo crescente provoca choque com vizinhos Foto: MURAT CETINMUHURDAR/PPO / via REUTERS

ANCARA - O Parlamento da Turquia , de maioria governista, aprovou nesta quinta-feira por 325 a 184 uma lei que permite ao governo do presidente Recep Tayyip Erdogan enviar tropas para a Líbia. Erdogan apoia o governo internacionalmente reconhecido do primeiro-ministro Fayez al-Serraj , baseado em Trípoli, que desde abril de 2019 enfrenta uma ofensiva do Exército Nacional Líbio (ENL), do marechal Khalifa Haftar , que controla regiões do Leste e do Sul do país, incluindo as cidades de Benghazi e Tobruk.

O chamado Governo de Acordo Nacional (GAN) de Serraj pediu o apoio da Turquia contra Haftar, que é apoiado por Egito, Jordânia e Emirados Árabes Unidos, além de mercenários russos. Analistas e funcionários de Ancara, no entanto, dizem que o mais provável é que no momento não sejam enviados soldados, mas equipamentos e assessores militares.

A Líbia enfrenta um cenário de caos desde 2011, quando, no contexto da Primavera Árabe, uma força internacional sob a liderança dos Estados Unidos e da França interveio no país em apoio a uma revolta contra o ditador Muamar Kadafi.  Com a derrubada de Kadafi, a Líbia ficou fragmentada entre dezenas de milícias. Em 2015, em negociações mediadas pela ONU, foi formado o GAN, mas seu controle do território líbio vem sendo desafiado por Haftar, um ex-general que rompeu com Kadafi em 1987, trabalhou para a CIA e em 2011 foi um dos dirigentes da rebelião contra o ditador.

A decisão de Erdogan de apoiar militarmente o governo de Trípoli visa proteger os investimentos privados turcos na Líbia, em especial no setor de construção, e reforçar os pleitos de Ancara sobre campos de gás no Mediterrâneo Oriental. Em dezembro, a Turquia assinou dois acordos com o governo de Serraj: um pelo qual a Líbia reconhece os direitos de Ancara sobre essas reservas gasíferas, o que é contestado por países como Grécia, Chipre e Israel, e outro de cooperação militar e em segurança.

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Erdogan enfrenta, no entanto, a resistência de outras potências e países da região com interesses na Líbia, produtora de petróleo e gás. Nesta quinta, o Egito condenou “fortemente” a decisão do Parlamento turco e disse que a interferência de Ancara no país do norte da África  “ameaça a segurança nacional árabe em geral e a do Egito em particular”. Os  governos dos Estados Unidos e da Itália, esta a antiga potência colonial na Líbia, também se pronunciaram, advertindo contra a ingerência estrangeira no país norte-africano.

A decisão de Erdogan, agora apoiada pelo Parlamento, também reforça sua posição crescentemente intervencionista na região. A Turquia, que apoiou o chamado Exército Livre da Síria contra o regime de Bashar al-Assad, interveio em outubro em território sírio contra milícias curdas que, com apoio ocidental, combateram o Estado Islâmico no país.  Ancara continua apoiando os combatentes árabes, muitos deles de grupos fundamentalistas, que enfrentam uma ofensiva das forças oficiais de Damasco e da Rússia na província síria de Idlib.

Na Líbia, as forças de Haftar não conseguiram chegar ao centro de Trípoli, mas nas semanas recentes fizeram avanços com o apoio de mercenários russos e sudaneses, bem como de equipamentos militares fornecidos pelos Emirados. Cogita-se que Erdogan pretenda alistar os rebeldes árabes sunitas que apoia na Síria como mercenários a serviço das forças do premier Serraj.

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A lei aprovada pelo Parlamento da Turquia afirma que as forças de Haftar ameaçaram empresas turcas na Líbia e navios turcos no Mediterrâneo. “Os interesses da Turquia sofrerão impacto negativo se os ataques do chamado Exército Nacional Líbio não forem detidos”, diz o texto.

A Turquia exportou US$ 1,5 bilhão em joias, móveis, carnes e outros produtos para a Líbia em 2018, mais do que quatro vezes suas importações de metais do país do Norte da África. Firmas de construção como Ustay Yapi, Tekfen and Guris Insaat, que prosperaram sob os 17 anos de governos do AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento) de Erdogan, controlam a Câmara de Comércio Turquia-Líbia, mostrando o interesse do setor no país africano.