07/11/2012 09h36 - Atualizado em 07/11/2012 13h28

'A vassoura é meu passaporte', diz gari Renato Sorriso, símbolo carioca

Ele vai estrelar campanha da Comlurb no Jacarezinho e em Manguinhos.
Gari já visitou seis países, mas sonha morar em Madureira, no subúrbio.

Alba Valéria MendonçaDo G1 Rio

Gari Renato Sorriso e a vassoura que abre os caminhos para a fama (Foto: Alba Valéria Mendonça/ G1)Gari Renato Sorriso e a vassoura que abriu seus caminhos para a fama (Foto: Alba Valéria Mendonça/ G1)

Quem ouve Renato Luiz Feliciano Lourenço, de 48 anos, dizendo: "A vassoura é o meu passaporte" pode até associá-lo a um bruxo que se utiliza do objeto como meio de transporte. Quase isso. Foi graças a ela, seu instrumento de trabalho diário da companhia de limpeza urbana do Rio, a Comlurb, que ele se transformou em Renato Sorriso, o gari mais famoso do país, considerado um símbolo da carioquice, com sua alegria e descontração.

Com o sorrisão sempre estampado no rosto - sua marca registrada - mesmo de férias já começa a se preparar para brilhar mais uma vez. Vai estrelar nesta quarta-feira (7) uma campanha da Comlurb de conscientização dos moradores das favelas do Jacarezinho e de Manguinhos, na Zona Norte do Rio, sobre a coleta de lixo nessas comunidades. Ele já participou de ações semelhantes em favelas pacificadas como Borel, Morro dos Macacos, Morro do Fallet e Estácio. Toda vez que aparece, diz ele, a coleta de lixo nas regiões aumenta cerca de 3%.

"Quero pedir que as pessoas mantenham suas ruas limpas, que respeitem os locais e horários de coleta, que não joguem lixo no chão ou nos rios. Não cortem árvores sem falar com a Comlurb, não despejem óleo nos bueiros e que respeitem o nosso trabalho, o meio ambiente e o espaço público. Os garis são os anjos da limpeza", clama Renato.

Foi com a vassoura que ele teve a oportunidade de conhecer seis países, ser um dos destaques da comitiva brasileira no encerramento das Olimpíadas de Londres, em agosto passado, e segurar a Tocha Olímpica. Agora, Renato sonha em participar da festa de abertura dos Jogos de 2016, no Rio.

"Mesmo que um dia ganhe muito dinheiro nunca vou deixar a Comlurb. Como Renato Sorriso, de vassoura na mão, conquistei o prestígio que tenho hoje. A companhia me apoia e eu não posso largar ela na mão. Já viajei oito vezes para o exterior. Conheci França, Inglaterra, Espanha, Suíça, Bahrein e Canadá. Já fui três vezes à Paris, estou até enjoado. No Sambódromo não aguento mais beijar a Juliana Paes", brinca Renato.

Vassoura abre caminhos há 17 anos
Há 17 anos ele usa a vassoura para abrir seus caminhos. Ex-faxineiro, ex-camelô, ex-diarista, ex-vendedor de cachorro quente, Renato conta que passou a gari porque, sem instrução, não conseguia emprego melhor. Interrompeu os estudos na 5ª série e sonhava em ser técnico de refrigeração. Ele achava lindo quando o pai conseguia fazer funcionar as geladeiras velhas que a mãe ganhava para conservar a comida da família de oito filhos.

"Minha mãe dizia que quem não estudava virava lixeiro. Ela acertou em parte. Virei gari. Para mim, lixeiro é quem joga lixo nas ruas, vive na sujeira e não dá valor ao nosso trabalho", observou Renato.

Logo de cara, ele foi designado para trabalhar na área da Praça Xavier de Brito, na Tijuca, na Zona Norte, onde está até hoje. Além de conquistar respeito e reconhecimento dos moradores, descobriu que poderia aliar o trabalho a uma grande paixão: o samba. A coordenadoria daquela área é também responsável pela limpeza do Sambódromo durante o carnaval.

"Quando fui escalado para trabalhar no carnaval nem acreditei. Quando a escola acabou de passar pelo Setor 1 e a gente começou a varrer, não resisti e comecei a sambar. O povão gostou, mas levei a maior bronca do chefe. Mas estava agradando e o chefe levou a maior vaia. Ele se desculpou com a arquibancada e estou aí até hoje. O povão do Setor 1 se identifica com os garis", relembrou Renato, que já foi destaque na Grande Rio e na União da Ilha do Governador, e que fez um acordo com a Comlurb de só desfilar em uma escola a cada dia de desfile para não atrapalhar o trabalho.

O gari Renanto Sorriso na festa de entrega da bandeira olímpica em Londres (Foto: Wander Roberto/ Comitê Rio 2016)O gari Renanto Sorriso na festa de entrega da bandeira olímpica em Londres (Foto: Wander Roberto/ Comitê Rio 2016)

Do Sambódromo para o mundo, foi um pulo. Por causa do samba na avenida foi convidado para integrar o grupo que se apresenta num carnaval em Toronto, no Canadá. De convite em convite, vai sambando e abrindo seus horizontes. Conheceu o coreógrafo Carlinhos de Jesus que o aconselhou a retomar os estudos, dizendo: "A dança um dia acaba, mas o conhecimento não". Decidiu voltar aos bancos escolares e em 2013 se forma em turismo pela Faculdade São José, em Realengo, na Zona Oeste.

Agora, quer ver se consegue uma bolsa para estudar inglês e outra para fazer faculdade de gestão ambiental, para conquistar posições na Comlurb. Ele conta que tentou se aventurar no samba. Assinou parcerias duas vezes no Salgueiro e três vezes na São Clemente. Mas não deu sorte.

Graças à fama no carnaval como o gari sambista, virou figurinha fácil em programas de TV. Até  fez uma participação na novela "América", da TV Globo, e é presença constante no programa "Esquenta", de Regina Casé. Além disso, faz palestras motivacionais e tem planos de montar uma peça de teatro e abrir uma empresa de eventos junto com sua quarta mulher, Leila. Ainda esta semana, começa a estudar balé numa academia que lhe ofereceu uma bolsa em Vila Isabel, na Zona Norte.

'O meu lugar...'
Só o que não muda é sua paixão pelo subúrbio carioca. Ele jura diante da vassoura que nem se ganhar a mega-sena deixa a região. É um apaixonado por Madureira, que chama de "seu lugar" e que é o berço de samba. E cantarola o samba de Arlindo Cruz.

"Posso até comprar imóveis na Zona Sul, mas sou apaixonado por Madureira, onde nasci e fui criado. Não sou carioca, sou 'madureirense'. Hoje moro em Tomás Coelho com a minha mulher, mas meu sonho é poder voltar para Madureira e ver o dinheiro dos meus impostos aplicados lá. Dá um orgulho danado ver o bairro melhorando com os investimentos públicos. Sou do povão. Gosto de samba e de coisas simples", concluiu Renato ao abrir o mais brilhante dos sorrisos.

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