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Em Bangalore, na Índia: do caos moderno ao palácio da realeza

O Palácio de Mysore é o segundo monumento mais visitado do país, depois do Taj Mahal
O templo de Mysore na cidade de Bangalore, na Índia Foto: Fernando Quevedo / O Globo
O templo de Mysore na cidade de Bangalore, na Índia Foto: Fernando Quevedo / O Globo

BANGALORE - Estamos em Bangalore, capital do estado de Karnataka e que foi nosso ponto de partida no roteiro pela região. A cidade de mais de cinco milhões de habitantes, hoje um importante centro de tecnologia, surge inicialmente muito mais moderna do que imaginava. Prédios de arquitetura atual se mesclam a suntuosos templos construídos há séculos. Não faltam carros nas ruas e pedestres, incluindo vendedores ambulantes, nas calçadas - tudo na mais agradável confusão. A trama se desenrola a nossa frente tendo como pano de fundo o barulho insistente das buzinas dos veículos que teimam em soar alto o tempo todo.

Na rua do mercado de flores de Bangalore existe uma infinidade de lojas vendendo roupas indianas, flores, produtos made in China etc. Saris, vestidos, echarpes de seda: tudo pode ser comprado por um preço irrisório. A renda per capita é baixa no país, mas tudo também é incrivelmente barato. Quando passamos por áreas mais carentes, casebres surgem aqui e ali, revelando as condições precárias em que vivem os menos favorecidos na Índia.

De Bangalore partimos de carro para Mysore, a segunda maior cidade de Karnataka. A 140 quilômetros de Bangalore, Mysore é a antiga capital do reino de mesmo nome. Esse é o estado da rica realeza, os Wodeyars. No caminho, pequenos vilarejos surgem do nada e carros, ônibus e até tratores aparecem fartamente decorados com flores caindo sobre os para-brisas e capôs, como se fossem cachoeiras coloridas. As ruas e os mercados a céu aberto fervilham, com um movimento constante de pessoas indo e vindo aos borbotões.

Ali quase tudo é comercializado, pode-se ver uma grande quantidade das mais variadas quinquilharias, mas um produto bem comum são tinas redondas de plástico colorido, usadas para colher água. Vez por outra vacas perambulam livremente em meio ao caos urbano e às vezes ficam deitadas nas ruas de forma indolente, sem que ninguém se atreva a perturbá-las, já que são sagradas na Índia. Grandes áreas de cultivo estão por toda parte. Primitivas carroças puxadas por bois com chifres pintados de azul são comuns e a aparência dos bois difere da que estamos habituados.

O Palácio Mysore é um dos monumentos mais visitados da Índia, depois do Taj Mahal, com 2,7 milhões de visitantes ao ano - quase o mesmo número de turistas que vão ao museu Madame Tussauds, em Londres. Um passeio para conhecer o palácio é uma experiência inesquecível devido a sua grandiosidade - e às filas que se formam com o grande número de indianos que o visita diariamente. Do lado de fora do palácio, enquanto a fila avança lentamente, um incontável número de vendedores ambulantes insistentemente oferecem os mais variados artigos, de belos leques a flautas feitas artesanalmente de bambu. Aromas deliciosos pairam no ar. São perfumes florais, cheiros de especiarias e alguns de essências misteriosas, difíceis de desvendar. Uma combinação extasiante. À noite, totalmente iluminado, o palácio ganha um ar ainda mais imponente.

Andando pelas ruas de Mysore, voltam a aguçar os sentidos o cheiro almiscarado das especiarias e dos incensos e a música indiana pairando no ar. É um convite à meditação. O passeio pelo mercado de vegetais de Mysore é imperdível. Um arco-íris de cores chamativas envolve as mulheres indianas com seus belos saris esvoaçantes. O colorido está presente também nas flores vendidas a céu aberto e nos montes de pó para tingimento cuidadosamente arrumados em forma de cones no mercado.

A Índia é uma explosão de ruídos, odores, cores, tudo para dar boas-vindas ao turista ávido por novas experiências na "Terra dos Marajás".

Buzina é consenso e contramão é hábito

O estado de Karnataka é bem conectado por malhas ferroviária e rodoviária que dão acesso a todo o país. Algumas das melhores estradas da Índia passam por Karnataka. As mais pitorescas ligam Bangalore e Mangalore, pela belíssima região das montanhas Ghat, passando por densas florestas e plantações de café e ervas para chá.

Evite dirigir na Índia. Em avenidas e estradas de pista dupla carros e caminhões na contramão são comuns. Não há regras, e o único consenso é buzinar. Na traseira de caminhões e ônibus lê-se em letras garrafais que se deve buzinar na ultrapassagem. Todos dirigem com pressa e sem paciência. Os pequenos táxis tuc-tuc dividem o exíguo espaço das estradas com caminhões e ônibus, de forma tão audaciosa como eles.

Em Hampi e Hassan, cartão de visitas da História de Karnataka

Chega-se facilmente a Hassan, distrito a 120 quilômetros de Mysore, por rodovias. A região abriga uma expressiva quantidade de sítios históricos de Karnataka, com exemplos da arquitetura em pedra talhados de forma incomparável. O local, dominado pela dinastia Hoysala, deixa o visitante perplexo e é chamado de berço da arquitetura de templos hindus. Os mais famosos daqui são o Templo Chennakesava, em Belur, a 38 quilômetros de Mysore, e o Templo Hoysaleswara em Halebidu, que fica a 31 quilômetros de Hassan. Nesse último, os artesãos passavam dez anos aprendendo a fina arte da escultura antes de começarem a trabalhar nos entalhes do templo propriamente dito. Quando se examina de perto as esculturas, percebe-se a grandiosidade da obra e a perfeição de cada detalhe. Ali perto está a maior estátua monolítica da Ásia, com quase 13 metros: Lord Gomateshwara, um centro de peregrinação jainista.

Mais ao norte, a cidade de Hampi é o cartão de visitas das propriedades históricas de Karnataka. Foi parte do poderoso reino de Vijayanagara, do sul da Índia, estabelecido no século XIV e desenvolvido até sua ruína no século XVII. Espalhada por uma área de 36 km, a cidade é frequentemente citada como o maior museu a céu aberto do mundo.

Seu complexo de monumentos é um dos mais respeitados Patrimônios Históricos da Unesco localizados na Índia. Ao lado de templos, prédios civis e até estábulos para elefantes integram o complexo. Passeando pela rua principal, bem cedo pela manhã, assiste-se a um desfile pitoresco. Belas jovens indianas recolhem água em potes de plástico colorido. Idosas dormem na rua, em camas de aparência pré-histórica, ao lado de seu rebanho de cabras. Sadhus, os homens santos da Índia, permanecem estáticos em concentração absoluta, fazendo suas orações voltados para o sol nascente. Mulheres ordenham cabras em frente a suas modestas casas. Ali parece que o tempo parou e os ecos de um passado distante regem a vida. Muitos moradores permanecem sentados em frente às suas casas, vendo a movimentação.

No Rio Tungabhadra acontece a agitação do povoado. Assim que o sol esquenta, centenas de indianos se refrescam tomando banho em suas águas escuras. As mulheres entram na água vestidas, pois são proibidas de expor o corpo em público. Muitas lavam suas roupas às margens do rio, escovando-as e batendo continuamente nas pedras. Um elefante domesticado que vive no vilarejo vem ali se refrescar conduzido por seu tratador. Ele é muito popular entre os frequentadores do rio e, ao sinal do seu tratador, banha as pessoas com fortes esguichos de água com sua tromba. Esse é o ponto alto do show e os banhistas parecem realmente apreciar um banho tão original. O rio fica sempre bastante concorrido e para nós, que não estamos acostumados com visões desse tipo, é um elixir para os olhos.

Sentinelas do passado

Os templos e as ruínas das antigas civilizações indianas sobrevivem ao tempo como testemunha de uma época de veneração. O esmero e a riqueza de detalhes das construções impressiona. A maioria dos visitantes das atrações turísticas de Karnataka é de indianos. É um claro sinal de que o povo valoriza suas riquezas antropológicas. Eles dedicam total reverência e respeito a esses locais sagrados. Há sempre gente orando em seus interiores. Em muitos templos só é permitida a entrada de pessoas descalças. Do lado de fora há sempre um guarda-calçados.