Cultura

Roberto Alvim convoca 'artistas conservadores' para criar uma 'máquina de guerra cultural'

Dramaturgo irá assumir cargo na Secretaria Especial da Cultura no governo Bolsonaro
SC Rio de Janeiro/Brasil 03/05/2011 Perfil de Roberto Alvim, diretor de Teatro - Foto Leonardo Aversa / Agencia O Globo Foto: Leo Aversa
SC Rio de Janeiro/Brasil 03/05/2011 Perfil de Roberto Alvim, diretor de Teatro - Foto Leonardo Aversa / Agencia O Globo Foto: Leo Aversa

BRASÍLIA, RIO E SÃO PAULO — O diretor de teatro Roberto Alvim, que irá assumir um cargo na Secretaria Especial da Cultura, publicou um chamado para "artistas conservadores" criarem "uma máquina de guerra cultural". Em mensagem postada numa rede social, ele convoca profissionais alinhados com "os valores conservadores no campo da arte" a enviar seus currículos. Segundo Alvim, o objetivo é formar um banco de dados de artistas que serão aproveitados para projetos. ( ATUALIZAÇÃO : Roberto Alvim será o diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte )

No fim da manhã desta terça-feira, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, afirmou que Alvim teria um "cargo importante" na área de teatro, na Secretaria Especial de Cultura da pasta. Ele afirmou, no entanto, que o posto a ser ocupado pelo diretor ainda não foi definido. O ministro acompanhou Alvim em um encontro na tarde de segunda-feira com o presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto. Seguidor do presidente, Alvim recebeu um telefone de Bolsonaro na semana passada depois que ele ficou sabendo que o artista fora "perseguido" por ter declarado apoio a ele.

Osmar Terra, Ministro da Cidadania Foto: Daniel Marenco
Osmar Terra, Ministro da Cidadania Foto: Daniel Marenco

Procurado pelo GLOBO, Roberto Alvim afirmou que não dará entrevistas no momento. Bianca de Felippes, uma das diretoras da Associação de Produtores do Teatro do Rio (APTR), se mostrou contrária a uma possível iniciativa que discrimine artistas pelo viés ideológico, como descrito na postagem de Alvim. Segundo a produtora, a "arte não tem partido".

— Artistas podem ter suas preferências ou convicções políticas, o que não faz com que uma categoria deva se alinhar a uma visão conservadora para ser contemplada numa política pública — afirmou Bianca. — Um governo não pode governar apenas para quem o apoia ou atender apenas quem é seu aliado. É o mesmo que dizer: quem pensa diferente, não terá direito ao SUS.

Em outro texto publicado em sua página, Alvim fez uma lista diferenciando o que chama de "arte de direita" e "arte de esquerda".

"(...) arte de esquerda é DOUTRINAÇÃO de todos os espectadores; arte de direita é EMANCIPAÇÃO POÉTICA de cada espectador", diz um trecho da postagem do dramaturgo.

Conhecido na cena teatral por suas adaptações de clássicos e obras originais, o dramaturgo ganhou notoriedade para além do meio artístico este mês, quando anunciou nas redes o fechamento do teatro Club Noir, na Rua Augusta, em São Paulo, que inaugurou em 2008 com a mulher, a atriz Juliana Galdino. Prevista para a próxima terça-feira, 25 de junho, a suspensão das atividades, diz Alvim, ocorreu devido ao “linchamento” e “boicote” gerados por seu posicionamento político.

Produtores de teatro se manifestam

Na tarde desta terça, a Associação dos Produtores de Teatro divulgou uma nota oficial. Sem citar o nome de Alvilm, o texto alude às declarações do diretor. "A Constituição Brasileira garante o direito à liberdade política e cultural. O Art. 215 é claro ao estabelecer 'o pleno exercício dos direitos culturais e do acesso às fontes da cultura nacional'. Portanto, qualquer manifestação do governo ou de membros do governo que demonstre ferir os princípios da República Federativa do Brasil, deve ser tratada como demonstração de abuso de poder."

A nota conclui: "Fazer uma convocação oficial de currículos de pessoas que se alinhem com o poder vigente é rasgar todos os compromissos de Estado assumidos com o povo brasileiro. Seria o mesmo que adotar políticas públicas partidárias nas áreas de educação ou de saúde. A APTR defende o direito dos trabalhadores das Artes Cênicas, sem distinção."

o ator Odilon Wagner Foto: VICTOR POLLAK
o ator Odilon Wagner Foto: VICTOR POLLAK

Odilon Wagner, ator, produtor de teatro e diretor executivo da Associação de Produtores Teatrais Independentes (APTI) disse que a ideia do banco dados de artistas conservadores é "uma atitude equivocada e incompreensível" vinda de "um artista" como Roberto Alvim. Para ele, é como uma reedição da Lista Negra do Macarthismo, que vigorou nos anos 1950 nos EUA: a lista reunia artistas e produtores tachados de comunistas pelo senador republicano Joseph McCarthy.

— Vindo de políticos é possivel se esperar, mas não de um artista que tem um obra e um passado respeitável — diz Wagner.

Atílio Bari, diretor da Apetesp (Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo), diz ter "grande admiração" por Roberto Alvim. Mas lamenta suas declarações recentes porque, segundo ele, "isso só divide ainda mais a classe".

— Que me importa se é determinado artista é conservador ou progressista? As nossas dificuldades são as mesmas! — diz Bari. — Como não interessa pro público, também. Para mim, o mais preocupante é que isso pode repercutir no trabalho que serão feitos no futuro, criando ainda mais rótulos. Estamos divididos e acho isso lamentável.

Rudifran Pompeu, presidente da Cooperativa Paulista de Teatro, considera que a atitude de Alvim não é republicana nem democrática.

— Não dá para um cara que é um possível servidor público fazer uma declaração como essa em que ele praticamente propõe uma perseguição a um determinado núcleo de artistas que não pensam como ele — afirma Pompeu. — É muito triste, porque é um artista chamando uma legião de artistas para guerrear. Não é possível. Contra quem ele quer fazer uma guerra cultural? Do que ele está falando?

Às 16h desta terça, 18 de junho, Alvim voltou a tocar no assunto em  seu perfil no Facebook - segundo ele, para "esclarecer um ponto": "quando convidei artistas que se alinham ao conservadorismo em ARTE a mandarem e-mails, não me referi a orientações ideológicas, muito menos partidárias". Mas adiante, ele escreve: "Quanto à ideia de 'máquina de guerra cultural' - o conceito se refere ao combate entre erigir OBRAS DE ATE [sic] contra DESTRUIR o conceito de obra de arte. estou do lado de quem deseja ERIGÍ-LAS, é claro."