Cultura

Agildo Ribeiro: 'O politicamente correto está matando o humor. Não pode mulher pelada, bordão...'

Comediante é o grande homenageado do Prêmio do Humor criado por Fábio Porchat
O comediante Agildo Ribeiro, que vai ser homenageado por prêmio de humor criado por Fábio Porchat Foto: Ana Branco / Agência O Globo
O comediante Agildo Ribeiro, que vai ser homenageado por prêmio de humor criado por Fábio Porchat Foto: Ana Branco / Agência O Globo

RIO — Agildo Ribeiro está com a garganta inflamada e, por isso, de tempos em tempos masca um pedacinho de gengibre como se fosse um chiclete de bola. Depois, faz um exercício vocal que consiste basicamente em pronunciar as vogais em tom muito alto, A, E, I, O, U, como se arrancasse cada letra lá do fundo do peito. Por fim, numa interpretação muito própria do exercício aprendido com a mestre Glorinha Beuttenmüller, ele grita, “Sai daí, f.d.p!”, num recado direto ao bichinho que machuca suas cordas vocais. Só então, com a voz cristalina, zero bala mesmo, ele declara:

— Sabe o que eu queria? Queria que alguém, algum desses novos humoristas, me imitasse num programa da TV. Pelo menos seria uma chance de me ver na televisão outra vez.

VEJA MAIS : Os momentos marcantes da carreira do artista

Na próxima terça-feira, o público terá a chance de ver o comediante em cena: Agildo, 85 anos, será o grande homenageado no Prêmio do Humor 2018, promovido por Fábio Porchat , no Jockey. É chance rara. O criador de tipos famosos como o professor de mitologia Aquiles Arquelau (o da “múmia paralítica”) tem contrato em curso com a Globo, mas está afastado da TV desde 2016, quando fez “Zorra Total” pela última vez.

— Nas ruas, reclamam que estou sumido, me chamam de rei da comédia, de gênio, andam atrás de mim pedindo que eu conte piada, faça imitações do Maluf, faça caretas, riem de tudo o que eu falo. É sempre assim. Carrego uma claque ambulante comigo.

A sensação de ter uma plateia permanentemente enfiada no bolso vem de longe. No Colégio Militar, Agildo juntava os alunos para assistir a suas imitações dos professores. Acabou aconselhado a sair da escola. Para desespero do pai, o tenente comunista Agildo Barata, foi parar no teatro. Depois que fez as primeiras peças como bailarino de teatro de revista — sim, Agildo era “boy”, como se chamavam os dançarinos na época — enfileirou uma dúzia de bons papéis no cinema, teatro e televisão. Era, como ele mesmo diz, magrinho, arrumadinho, bem bonitinho.

— Minhas lembranças mais antigas são de quando ele fazia o Topo Gigio ( ratinho falante com quem Agildo contracenava na Globo nos anos 1970, mas que ganhou reprises e outras versões depois ). Eu era pequeno, aquilo me marcou — conta Fábio Porchat, que banca com recursos próprios o Prêmio do Humor, criado para valorizar os artistas da comédia. — O Agildo é um contador de histórias à altura dos grandes atores dramáticos. Tem um ritmo incrível. No palco, faz uma espécie de stand-up metralhadora.

A tal metralhadora continua girando e acerta no que aparece na frente:

— Acho incrível que hoje em dia se faça tão pouca graça com o que está acontecendo no Brasil. A situação chegou a tal ponto que quem era nosso alvo acaba pegando nosso lugar. Já viu os ministros do STF na TV, com aquela vaidade toda? É ou não é uma piada?

Ou:

— Sei que a renovação é natural, a vida é assim mesmo, mas esse negócio do politicamente correto está matando o humor. É muito chato. Não pode ter mulher pelada, não pode ter bordão. Pra mim, isso é uma espécie de censura. Fico imaginando a vida dos redatores de humor. Tá difícil pra eles.

Agildo fez carreira dando vida a personagens escritos por gente como Max Nunes, Jô Soares, Gugu Olimecha. Depois de ganhar muito dinheiro com o Topo Gigio (“O Walter Clark pegou meu antigo contrato na Globo, rasgou na minha frente e mandou a secretária bater um outro com o salário duas vezes maior”), pegou o auge dos programas humorísticos da TV. Os comediantes davam as cartas. “Planeta dos Homens”, “Chico City”, “A Escolinha do Professor Raimundo”. Passou por Manchete, Band e zanzou por Portugal. A vida era muito boa.

“TÔ VENDENDO. QUER OLHAR?”

Casou três vezes. Com Consuelo Leandro (“Era ótimo, mas dois humoristas casados não dá muito certo. Tem hora que pede seriedade”), Marília Pera (“A Marília era foda, né?”) e Didi Ribeiro (“Foi o amor da minha vida”). Farreou. Trabalhou duro. Fez parte de uma geração que marcou época. Costinha, Golias, Dercy Gonçalves, José Vasconcelos, Chacrinha, Paulo Silvino, Chico Anysio, Lúcio Mauro, Jô Soares. A maioria está morta. Quem ficou está longe da TV.

— Acho que ainda tem espaço para o humor mais tradicional, o humor de bordão, o público brasileiro gosta disso. Na verdade, o funk, com seus bordões, acabou roubando o espaço que os programas de humor tinham no dia a dia do brasileiro — avalia Cláudio Torres Gonzaga, que escreveu alguns quadros para o humorista no “Zorra Total”.

Enquanto espera a volta ao trabalho, Agildo sai pouco de casa. Diz que nasceu na “Cidade Maravilhosa”, mas que já não a reconhece quando está nas ruas. Diz também que liberar a maconha pode ser o primeiro passo para resolver a questão da segurança.

De segunda a sábado, pode ser encontrado no Esch Café, no Leblon, onde uma turma fuma charutos, bebe uísque, discute política e troca receitas de remedinhos para manter a potência sexual. Viúvo há nove anos, vive sozinho no bairro — mas amanhã pode estar em outro lugar:

— É um vício, vivo me mudando, tenho motorista, posso morar até no Alto da Boa Vista, tanto faz. Compro, reformo, decoro, passo um tempo, enjoo e boto pra vender. Sou a festa dos corretores. Só neste prédio já é o terceiro apartamento. Mas já tô vendendo. Quer dar uma olhada?