Economia Previdência

Votação da reforma na Previdência na CCJ, primeiro passo na tramitação, é adiada

Relator vai alterar parecer e tema só será apreciado na próxima semana
A sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) foi marcada por confusão e tumulto Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
A sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) foi marcada por confusão e tumulto Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

BRASÍLIA — Apesar de garantir quórum na Comissão de Constituição e Justiça ( CCJ ), antevéspera do feriado da Páscoa, para votar o relatório do deputado Marcelo Freitas (PSL-MG), favorável à admissibilidade da reforma da Previdência , o governo foi derrotado na sessão desta quarta-feira.

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Diante da pressão dos partidos do centrão, com apoio da oposição,  por mudanças na proposta já na Comissão, o relator decidiu alterar seu parecer, o que jogou a votação para a próxima semana.

O plano do governo era concluir a votação da reforma da CCJ ainda nesta semana para evitar atrasos nas próximas etapas da tramitação. A proposta ainda precisa passar por uma comissão especial, antes de ser encaminhada ao plenário da Câmara dos Deputados. Na CCJ, ela seria analisada apenas quanto aos aspectos constitucionais. O texto apresentado pelo relator na semana passada considerou que o texto não tem cláusulas que ferem a Constituição.

Ao explicar o recuo, o relator disse que conversou melhor com os líderes dos partidos. Segundo ele, será preciso apresentar um texto que seja consenso a fim de viabilizar a sua aprovação na comissão. Freitas destacou que a decisão não vai afetar o mercado, que já teria "precificado", considerado que o relatório não seria aprovado nesta semana.

— Não observo nenhuma derrota. Ao contrário, o que nós estamos procurando trabalhar é exatamente a construção de um consenso que permita fazer um texto final, que atenda os interesses da sociedade brasileira sem que haja uma desidratação no texto proposto pelo governo — diz Freitas.

Ele avalia também que não haverá atraso nas outras etapas da tramitação da reforma:

— Não considero um atraso até mesmo porque o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, tem anunciado que pretende instalar a comissão especial a partir do dia 07 de abril. Estamos perfeitamente dentro de um prazo razoável.

Entre as possíveis mudanças, ele citou a  universalização na Justiça Federal do Distrito Federal como foro nacional para propositura de ações, envolvendo a União. A proposta propõe descentralizar e jogar para os estados.  Freitas disse que avaliará a retirada do fim da multa de 40% do FGTS (demissões sem justa) para aposentados que  continuam no mercado de trabalho  e a restrição ao abono salarial para quem ganha só um salário mínimo. Hoje, o benefício é pago a quem tem renda mensal de até dois mínimos.

Outros pontos da reforma que enfrentam forte resistência no Congresso, como as mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC, pago a idosos e deficientes da baixa renda) e nas aposentadorias dos trabalhadores rurais, deverão ficar para um segundo momento, quando a reforma for discutida na comissão especial.

Segundo o líder da maioria, Agnaldo Ribeiro (PP-PB), em oposição ao relatório, os líderes de partidos do centrão exigiram mudanças em pontos que tratam de temas "não relacionados" à reforma da Previdência, como menções ao "FGTS, abono salarial e dupla tributação".

— Foi levantada a necessidade de se alterar o texto em alguns pontos, foi ponderado ao relator, são vários pontos. E o relator, com boa vontade, disse que ia fazer uma avaliação acerca desses pontos — disse o líder.

Quanto à chamada desconstitucionalização (retirada das regras da aposentadoria da Constituição), o relator admitiu que não deverá mexer porque 61 artigos do texto da reforma tratam dessa questão. Ou seja, para alterar esse ponto seria preciso refazer a proposta. Ele afirmou ainda que não vê problemas de ordem constitucional nessa questão específica. O poderia ser feito, disse, é a supressão de um ou outro ponto.

O líder do PP, deputado Arthur Lira (AL), afirmou que a votação foi adiada porque havia risco de o governo ser derrotado na votação do relatório de Freitas pela admissibilidade integral da reforma encaminhada pelo Executivo. Ele mencionou a existência de 13 relatórios alternativos.

— Havia uma dúzia de votos em separado, não tinha garantia de aprovação do voto do relator — disse Lira, acrescentando que o partido não concorda com os penduricalhos,  itens incluídos pelo governo na reforma e que não são matéria previdenciária.

Iniciada às 10h50, a sessão foi marcada por tumultos e obstrução por parte da oposição. Em quase duas horas, a pauta central , que era o relatório não chegou a ser discutido. A sessão chegou a ser suspensa e depois reaberta com o anúncio do adiamento da votação do parecer.

'Ia ter que ceder'

Logo após a sessão ser encerrada, no corredor das comissões na Câmara, visivelmente contrariado, o secretário especial da Previdência, Rogério Marinho, disse ao telefone, em conversa presenciada pelo GLOBO, que ia "ter que acabar cedendo" em "dois pontos que não valem nada". Um dos pontos citados foi o "Fundo de Garantia". Perguntado sobre o assunto, Marinho disfarçou a insatisfação.

— Vamos conversar. Acho que o ambiente está bom, quem está aqui na comissão está querendo votar. Não é legal esse adiamento, mas faz parte do processo. A gente tem que entender a peculiaridade do parlamento. Vamos ver se a gente consegue ter um acordo para votar. Espero que terça a gente possa votar — disse o secretário.

Com aval do presidente da CCJ, Deputada Maria do Rosário (PT) é escala para ler ata da reunião anterior e gasta 17 minutos. Veja o video
Com aval do presidente da CCJ, Deputada Maria do Rosário (PT) é escala para ler ata da reunião anterior e gasta 17 minutos. Veja o video

Sobre as possíveis mudanças no texto, como o FGTS, abono e desconstitucionalização, Marinho disse que seria preciso dialogar:

— Acho que essa questão é de mérito. Mas vamos ver, vamos conversar.

Líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO) negou que o governo tenha sofrido outra derrota na comissão.

— A gente já tinha anunciado que havia a possibilidade de votar na semana que vem. Se há possibilidade de um consenso maior para que seja mais fácil de aprovar, a gente já tinha falado. A gente conseguiu uma vitória ontem, que foi encerrar a discussão.

Ele disse que o governo vai dialogar sobre possíveis alterações no texto e que "está construindo e captando votos". Perguntado sobre quais pontos poderiam ser alterados, ele não quis comentar.

— Não vou sinalizar nenhum ponto para não dar a impressão de que o governo já está cedendo.

Entenda os temas sensíveis na CCJ

DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO

O projeto de reforma prevê tirar do texto constitucional vários temas previdenciários, como a garantia de reajuste pela inflação das aposentadorias, benefícios e pensões e a idade mínima para se aposentar. A ideia do governo é permitir uma maior flexibilidade, de modo que as regras previdenciárias possam se adaptar mais facilmente, no futuro, a mudanças na demografia e na economia brasileira.

O governo argumenta que poucos países do mundo têm tantos detalhes sobre a Previdência descritos na Constituição. Retirar esses temas do texto constitucional permitiria que, no futuro, novas alterações na Previdência fossem feitas sem necessidade de uma reforma.

Mas deputados da oposição e parte do centrão querem mudar esses pontos no texto da reforma ainda na CCJ e, assim, manter os temas previdenciários como parte da Constituição.

FGTS E ABONOS SALARIAL

O projeto da reforma, se por um lado retira da Constituição temas relativos às regras previdenciárias, por outro aborda assuntos trabalhistas que não dizem respeito à Previdência.

A proposta muda as regras para uso do FGTS por aposentados que voltam a trabalhar e também endurece a concessão do abono salarial. Pelo texto, o abono salarial, hoje pago anual aos trabalhadores que ganham até dois salários-mínimos, seria concedido apenas a quem recebe o piso nacional.

Oposição e parte do centrão também querem retirar esses temas trabalhistas do texto da reforma da Previdência já durante sua apreciação na CCJ.

Outros pontos polêmicos da reforma

BENEFÍCIO PARA IDOSOS DE BAIXA RENDA

A reforma da Previdência prevê mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a deficientes físicos e idosos de baixa renda. Hoje, nos lares onde a renda domiciliar per capita é inferior a um quarto do salário mínimo, os idosos acima de 65 anos têm direito a receber um salário mínimo por mês dentro do BPC.

A reforma prevê que o idoso comece a receber o benefício aos 60 anos. No entanto, teria direito a apenas R$ 400. Somente quando o idoso de baixa renda completasse 70 anos teria direito ao salário mínimo.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já afirmou que dificilmente a mudança no BPC será aprovada pelos congressistas. O secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, sinalizou que o governo poderia aceitar que a mudança no BPC fosse opcional. Ou seja, o idoso poderia optar entre começar a receber aos 60 anos por um valor menor ou ter direito a um salário mínimo quando completasse 65 anos.

APOSENTADORIA RURAL

Atualmente, para ter direito a aposentadoria rural, é preciso comprovar 15 anos de atividade no setor, mesmo sem que o trabalhador tenha feito contribuição ao INSS.

A reforma prevê a exigência de 20 anos de contribuição, que deverá ser no mínimo de R$ 600 por ano.

Hoje, o trabalhador rural pode se aposentar aos 60 anos (homens) e aos 55 (mulheres). A reforma aumenta a idade mínima para as mulheres para 60 anos, gradativamente.

As mudanças na aposentadoria rural sofrem grande resistência, sobretudo de parlamentares do Nordeste.

SERVIDORES

A categoria reclama de que a mudança para os servidores que ingressaram antes de 2003 seria muito abrupta. A proposta prevê que estes trabalhadores terão que de cumprir a idade mínima de 65 anos (para homens) e 62 anos (para mulheres) se quiserem manter o direito à integralidade (receber 100% do salário da ativa) e paridade (obter os mesmos reajustes aplicados a quem ainda não se aposentou).

O lobby do funcionalismo quer que seja criada uma regra de transição, com “pedágio”, para suavizar essas mudanças.

Há pressão também para que seja revisto o aumento nas alíquotas de contribuição à Previdência, que no caso dos servidores poderá chegar a 22% no texto da reforma.