Concursos e Emprego

Por Gabriela Sarmento*, G1


Sabe quando você está ouvindo uma música da Marília Mendonça e automaticamente o YouTube recomenda outras canções de sertanejo? Ou quando está vendo La Casa de Papel e o Netflix recomenda séries de crimes porque você estava assistindo uma parecida? O histórico dos usuários nas plataformas serve como guia nessas recomendações através de inteligência artificial. A novidade é que a ferramenta começa a ser aplicada nos processos seletivos de empresas.

Empresas recrutadoras estão confrontando os dados enviados pelos usuários com o perfil de funcionário que seus clientes, grandes empresas, estão buscando. O objetivo é ser mais assertivo no “match” entre candidato/vaga. Além disso, a ideia é recomendar oportunidades condizentes com o perfil do candidato, com base no que ele informa ao sistema.

“Na prática é traçar melhor as informações que já tínhamos acesso. Tê-las de forma tratada para uma inteligência analisar é a grande mudança”, percebe Ricardo Basaglia, diretor-executivo da Page Personnel, consultoria global de recrutamento.

99 Jobs está incrementando o uso da inteligência artificial na recomendação de vagas para seus 2 milhões de usuários — Foto: Fabio Ura

A 99 Jobs já usa inteligência artificial para sugerir vagas para candidatos que tenham o perfil procurado e aderência cultural com a empresa que vai contratar. “O ponto aqui não é atrair quantidade de candidatos, mas sim qualidade”, afirma Guto Sato, especialista na área de crescimento da empresa. A 99 Jobs registrou mais de 2 milhões de usuários no primeiro trimestre de 2018.

A empresa está fazendo testes para incrementar essa tecnologia em sua plataforma desde julho de 2017. A equipe percebeu que a ferramenta estava funcionando bem, quando os usuários se inscreviam para as vagas sugeridas. "Se por algum motivo ele começar a sugerir oportunidades que você não se engaje, ele vai se ajustando até achar àquilo que faça mais sentido para o usuário. Essa é a beleza da inteligência artificial", afirma Sato.

Como funciona na prática

Quem procurar uma vaga agora precisa entender que todo seu comportamento vai ser analisado dentro da plataforma de recrutamento. Se originalmente o interesse do candidato é em marketing, mas ele busca também vagas em engenharia por curiosidade ou até para outras pessoas, o algoritmo entende que essa também é sua área de interesse. Assim, ele passará a enviar outras sugestões, que podem ser consideradas fora do seu perfil.

Interface do Vagas.com sinaliza que o currículo poderia ter mais informações para um melhor resultado para encontrar vagas condizentes com o perfil do candidato — Foto: Reprodução

Para Luiz Braz, especialista em Ciência de Dados do Vagas.com, a tecnologia deverá aumentar a assertividade da seleção. Hoje 70% das candidaturas já vem das recomendações automáticas na empresa, que atende três mil clientes.

Se todos parassem para pensar em quantos amigos ou familiares estão satisfeitos em seus empregos, as agendas dos psicólogos ficariam lotadas. Basiglia enxerga que “pessoas erradas em trabalhos errados” é a causa de parte da infelicidade no trabalho. Ele acredita que o mapeamento adequado faz com que os profissionais contratados tenham motivações e capacidades atendidas e assim, não só ficarão mais felizes, como entregarão um resultado melhor.

Vantagens

Na visão de Sato, a tecnologia beneficia o candidato e facilita as contratações. "Antes o candidato tinha que ser proativo e procurar as vagas que o interessava sempre. Não havia uma inteligência por trás disso”, aponta.

Com isso, muitos processos seletivos enfrentavam dificuldades para conseguir candidatos suficientes. “Hoje você consegue atrair com menos esforço uma quantidade maior de usuários com aderência à empresa”.

Para o setor de recursos humanos, a tecnologia deverá mudar o perfil do profissional. “A mudança é que o setor de recursos de humanos vai ter um papel mais estratégico e menos operacional”, afirma Braz, do Vagas.com.

No novo sistema da Catho, que também utiliza inteligência artificial, vagas que atendem aos interesses do candidato, mas que ainda não receberam muitos currículos, serão priorizadas. "A tecnologia beneficia tanto recrutadores quanto candidatos, pois melhoram os matches e aumentam as chances de entrevista e da contratação do candidato ideal para a vaga", afirma Cesar S. Cesar, diretor de produtos da Catho.

Em busca de um jovem promissor

Embraer lança maior jato comercial do Brasil, o E195-E2 — Foto: Poliana Casemiro

A Embraer vai aplicar a inteligência artificial pela primeira vez no processo seletivo de estagiários, que receberá inscrições até o dia 09 de maio. Ela vai usar a tecnologia para identificar características de profissionais bem-sucedidos que já trabalham na empresa e buscar esses requisitos nos jovens que tentam estágio.

A ferramenta que fará a mágica foi desenvolvida pela Gupy, startup de software de recrutamento inteligente, parceira da Embraer.

Questionada se esse modelo não é viciado e recrutará pessoas com os mesmos perfis e comprometerá a diversidade na empresa, a Embraer responde que não. “Estamos buscando profissionais de uma geração mais nova com essa pegada mais aberta, mais flexível que é o profissional que buscamos no futuro”, afirma Carlos Alberto Griner, vice-presidente de Pessoas e Sustentabilidade da empresa.

'O que publico nas redes sociais vai ser analisado?'

A dúvida pode atormentar os candidatos, mas a resposta inicial é não. Há dúvidas sobre a relevância das informações desse conteúdo, já que o usuário faz seu cadastro e preenche as informações acadêmicas, profissionais e dados básicos nos sites das recrutadoras.

A Embraer não vai utilizar no processo de estagiários, mas a possibilidade não está descartada no futuro. O cuidado e a responsabilidade com o uso dos dados é um ponto sensível e o debate está quente diante dos vazamentos de dados do Facebook.

A máquina sabe escolher?

Todas as empresas de recrutamento ouvidas pelo G1 parecem estar bem entusiasmadas com a aplicação da ferramenta em seu dia-a-dia e os riscos são tidos como mínimos. Para elas, a vantagem de ter inteligência artificial é tirar qualquer viés ou pré-impressão que um recrutador poderia ter com um candidato. Só que a tecnologia também corre esse risco, admitem.

Se o sistema for programado com algum viés, todas as consequentes análises terão resultado comprometido. “Nesses casos, você perde justamente o poder da ferramenta”, afirma Basiglia.

Henrique Calandra (de vermelho), fundador, ao lado de Alexandre Sandra, CEO do WallJobs desde 2016 — Foto: Divulgação

Para Henrique Calandra, fundador da WallJobs, startup que usa inteligência artificial para encontrar vagas para universitários e recém-formados, a eficácia do uso da tecnologia será vista apenas a longo prazo. “Esta tecnologia não tem dez anos no mercado para conseguimos dizer qual o ‘turnover’ das empresas. A curto prazo está funcionando muito bem, mas a gente sempre está indo atrás de melhorar a tecnologia”, afirma.

O método é usar o cruzamento de dados para chegar ao candidato ideal para as empresas. Já são mais de dez mil pessoas empregadas, a partir das 45 mil vagas selecionadas por meio da empresa, que tem dois milhões de usuários.

Para não receber vagas erradas, os usuários da WallJobs são orientados a preencher todas as informações pedidas pela plataforma, inclusive a área em que o candidato quer trabalhar de fato. “Se você preencher de forma generalista, vai acabar sendo chamado para vagas que não quer”, explica Calandra.

*Sob supervisão de Marina Gazzoni

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