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Josué Gomes da Silva: "Se o barco afundar, vai faltar boia para todo mundo"

Josué Gomes da Silva: "Se o barco afundar, vai faltar boia para todo mundo"

Para o empresário, filho do ex-vice-presidente José Alencar e vinculado ao PMDB, o governo tem de recuperar a confiança para permitir a retomada do diálogo e o país superar a crise

JOSÉ FUCS
01/10/2015 - 08h00 - Atualizado 01/10/2015 08h00

No início do ano passado, o empresário Josué Gomes da Silva, filho do ex-vice-presidente José Alencar, morto em 2011, recusou o posto de ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Preferiu o risco de candidatar-se ao Senado por Minas Gerais. Apesar de derrotado, com 3,6 milhões de votos, Josué ganhou. É hoje um dos principais interlocutores da presidente Dilma Rousseff no setor produtivo. Presidente da Coteminas, uma das maiores empresas do setor têxtil do país, e um dos vice-presidentes da Fiesp, Josué tem atuado para preservar o mandato de Dilma e diminuir o grau de incerteza no país. Aos 51 anos, Josué segue os passos do pai de se dedicar, com afinco cada vez maior, à política. Nesta entrevista a ÉPOCA, concedida no escritório da Coteminas, em São Paulo, ele fala sobre crise política e econômica, o impeachment da presidente Dilma Rousseff, a atuação do PMDB e o ajuste fiscal anunciado pelo governo.

ÉPOCA – Como o senhor avalia o atual quadro de crise política e econômica do país?
Josué Gomes da Silva –
Ninguém pode tapar o sol com a peneira. O quadro é grave. Há uma crise política, que agrava uma crise econômica – e vice-versa. O ponto positivo desta crise é o debate que está sendo feito hoje no Brasil sobre o desajuste das contas públicas. Não só no caso da União, mas também de Estados e municípios, que estão com seus orçamentos extremamente precários. Hoje, isso está sendo discutido à luz do dia, para o país encontrar mecanismos de ajuste. Se deixarmos isso seguir na tendência que está, teremos uma situação insustentável daqui a alguns anos. Já é insustentável hoje, mas vai se agravar.

ÉPOCA – Dá para resolver o problema das contas públicas com essa crise política?
Josué –
Política é diálogo. O diálogo pressupõe a existência de confiança. Hoje, falta um pouco de diálogo e muito de confiança. Sem diálogo e sem confiança é difícil resolver esse imbróglio. Agora, ninguém quer ver o barco afundar. Se o barco afundar, vai faltar boia para todo mundo.

ÉPOCA – O senhor acredita que a presidente Dilma é a pessoa certa para tirar o país da crise?
Josué –
Nosso regime é presidencialista. As eleições ocorrem a cada quatro anos. Então, ela é a mandatária da nação e a pessoa responsável por tirar o país da crise. Só que ela tem de contar com o apoio e a confiança do Congresso Nacional. O Congresso também tem a responsabilidade de tirar o país da crise. Não é só ela. Ela foi eleita com a maioria dos votos. Foi uma eleição acirrada. Talvez, até por isso, o gesto de estender a mão, que foi feito no discurso, poderia ter sido mais enfático.

ÉPOCA – A presidente Dilma pode sofrer um impeachment se as contas de 2014 forem rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em decorrência das “pedaladas” fiscais. Como o senhor se coloca em relação ao impeachment?
Josué –
Ainda não houve uma decisão final do TCU sobre as contas do governo. Quando o TCU tomar a decisão, mesmo que seja contrária à aprovação das contas, é uma recomendação. Depois, ela ainda terá de passar pelo Congresso. Se as contas forem rejeitadas pelo Parlamento, isso poderia justificar legalmente o pedido, pelo que alguns grandes juristas estão dizendo. Mas hoje a gente ainda está longe disso.

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ÉPOCA – Há também um processo correndo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para apurar eventuais irregularidades nas contas de campanha da presidente Dilma, que também pode levar ao impeachment. Nesse caso, qual sua posição?
Josué  –
O TSE tomou a decisão, aprovada pela maioria de seus membros, de investigar mais profundamente as contas de campanha. Agora, não adianta ficar especulando sobre qual será o desfecho disso. Esse tipo de debate tira o foco do principal, que é o Brasil encontrar o equilíbrio orçamentário. Não só em 2015 e em 2016. O problema é gravíssimo, porque as despesas do setor público estão crescendo muito acima do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). Nós temos de criar condições para realizar ajustes estruturais que nos deem uma perspectiva de crescimento futuro sustentável.

ÉPOCA – O vice-presidente Michel Temer disse recentemente que, com a popularidade atual, a presidente Dilma não terminará seu mandato. O senhor concorda com ele?
Josué –
Acredito que ele disse que é difícil governar com baixa popularidade – e é difícil mesmo. Está aí. Está provado que é difícil. As medidas são recebidas pelo Parlamento sempre com recusas e disfunções e colocadas de forma negativa. Acho que ele fez uma constatação. O vice-presidente Michel Temer é uma pessoa muito responsável, muito discreta, que está tentando ajudar a governabilidade do Brasil. 

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"A solução via um band-aidizinho pode até estancar a hemorragia, mas não vai nos curar de forma permanente"

ÉPOCA – O senhor faz parte de um grupo de empresários empenhado em diminuir o grau de incerteza no país e garantir apoio ao governo. Como estão essas articulações?
Josué –
Esse grupo não existe. Isso é lenda. Esse costume de sentar com muitas pessoas para conversar sobre nosso país e ideias de como a gente pode ajudar sempre existiu. Em Belo Horizonte,  os líderes têxteis de Minas Gerais se reuniam todas as sextas-feiras para bater papo, num restaurante chamado Alpino, que era de um alemão. O papai brincava que, naquela mesa, surgiam muitas ideias para consertar o Brasil. Então, você vê que o Brasil já precisa de conserto faz tempo. O que há é um grupo de brasileiros que querem muito bem ao Brasil e se reúnem para consertar o país, dentro da visão de cada um. São amigos que, de vez em quando, se reúnem, principalmente em momentos de maior incerteza, para trazer ideias e tentar contribuir. Só isso.

ÉPOCA – Recentemente, um grupo de empresários participou de um jantar com a presidente Dilma, no Palácio da Alvorada, em Brasília. Como foi a conversa com a presidente?
Josué –
A presidente convidou alguns empresários para jantar com ela. Muito honroso o convite. Aqueles que vão com mais frequência ao Palácio da Alvorada disseram que a comida estava espetacular naquele dia. Elogiaram também o vinho.

ÉPOCA – Hoje, o PMDB está discutindo se deve ou não se afastar do governo. Na Câmara Federal, isso já se tornou praticamente uma realidade e agora em novembro, em seu congresso nacional, o PMDB poderá formalizar essa decisão. O senhor apoia esse afastamento?
Josué –
O PMDB é um partido com 50 anos de história, essencial na redemocratização do país. O PMDB tem uma responsabilidade com a democracia. Qualquer que seja a decisão nesse congresso – que os jornais dizem que acontecerá em meados de novembro, mas eu nem sei se está marcado mesmo –, terá de levar sempre em conta essa responsabilidade, de um partido que tem uma história de lutas democráticas.

ÉPOCA – Qual sua visão do ajuste fiscal anunciado pelo governo para tentar reequilibrar o Orçamento?
Josué –
A solução via um band-aidizinho pode até estancar a hemorragia, mas não vai nos curar de forma permanente. A grande lacuna nas medidas do governo é um ajuste estrutural da economia, que dê à sociedade uma capacidade de vislumbrar que o Estado Nacional vai parar de crescer mais que o PIB. Se nada for feito para consertarmos o Brasil no longo prazo, vamos ter uma crise atrás da outra. Hoje, todo o mundo discute Previdência. Nós temos de discutir isso também. A Previdência é a maior rubrica nas despesas da União. A Alemanha elevou a idade de aposentadoria para 67 anos para homens e mulheres. O Brasil também terá de elevar. Não podemos também ficar aumentando outras despesas, que são vinculadas ao PIB. Quando o PIB cresce, elas crescem. Quando o PIB cai, elas não caem.

ÉPOCA – O governo centrou a maior parte do ajuste no aumento de impostos. Com a carga tributária em torno de 36% do PIB, há espaço para aumentá-la ainda mais?
Josué –
O Estado é menos eficiente que a iniciativa privada. Ninguém contesta isso. Então, quanto mais recursos tirarmos da iniciativa privada para o Estado, menos eficiente a economia será. A ideia de que mais recursos na mão do Estado vai melhorar a vida da população é verdade em termos. Depois de certo ponto, a ação do Estado se torna contraproducente. A sociedade quer mais serviços, mas de melhor qualidade a custos mais baixos. A forma de conseguir isso não é com mais Estado, mas com mais concorrência. É claro que tem de ter Estado, um Estado mais eficiente, mas até para ser mais eficiente tem de ser mais leve. Um Estado balofo não é forte. Ao contrário, ele se enfraquece.

ÉPOCA – Independentemente das medidas estruturais, não dava para o governo ter cortado mais gastos?
Josué –
Sempre dá. Todos estão apertando o cinto. Não há hoje um cidadão, uma família ou uma empresa que não estejam apertando o cinto – e apertando para valer. Então, todos têm de sentir que está havendo esse esforço de parte do governo. O Brasil vai evoluir. Por isso estou otimista. Hoje estou mais otimista do que estava há um ou dois anos, porque os problemas vieram à tona. É muito melhor quando os problemas vêm à tona, porque você começa a cuidar deles.

À MINEIRA Josué Gomes da Silva, na Avenida Paulista, em São Paulo. “Sem diálogo e sem confiança  é difícil resolver esse imbróglio” (Foto: Jonne Roriz/Estadão Conteúdo)







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