Por Luiz Felipe Barbiéri e Fabiano Costa, G1 — TV Globo


O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Tofolli, durante balanço do primeiro semestre no início de julho — Foto: Carlos Moura/SCO/STF

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, acolheu pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) – um dos cinco filhos do presidente Jair Bolsonaro – e suspendeu temporariamente todas as investigações em curso no país que tenham como base dados sigilosos compartilhados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e pela Receita Federal sem autorização prévia da Justiça.

Ministro responsável pelo plantão no recesso do Judiciário, o presidente da Suprema Corte assinou a decisão nesta segunda-feira (15), mas o conteúdo foi divulgado nesta terça (16).

Presidente do Supremo suspende investigações com dados do Coaf sem autorização judicial

Presidente do Supremo suspende investigações com dados do Coaf sem autorização judicial

Ele determinou que, a contar da data da decisão, todos os processos que discutem provas obtidas pelo Fisco e pelo Coaf sem autorização judicial devem esperar decisão definitiva da Corte. O julgamento que irá analisar o tema do compartilhamento de dados por órgãos de fiscalização e controle está marcado para 21 de novembro.

No fim de 2018, relatório do Coaf apontou operações bancárias suspeitas de 74 servidores e ex-servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O documento revelou movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz, que havia atuado como motorista e assessor de Flávio Bolsonaro à época em que o parlamentar do PSL era deputado estadual.

A investigação que envolve o filho de Jair Bolsonaro faz parte da Operação Furna da Onça, desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro que prendeu dez deputados estaduais.

"Considerando que o Ministério Público vem promovendo procedimentos de investigação criminal (PIC), sem supervisão judicial, o que é de todo temerário do ponto de vista das garantias constitucionais que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, revela-se prudente ainda suspender esses procedimentos que tramitam no território nacional e versem sobre o mesmo tema, de modo a evitar eventual usurpação de competência do Poder Judiciário", escreveu Toffoli em trecho da decisão.

"Deve ficar consignado, contudo, que essa decisão não atinge as ações penais e/ou procedimentos investigativos (Inquéritos ou PIC’s), nos quais os dados compartilhados pelos órgãos administrativos de fiscalização e controle, que foram além da identificação dos titulares das operações bancárias e dos montantes globais, ocorreram com a devida supervisão do Poder Judiciário e com a sua prévia autorização", complementou o presidente do STF no despacho.

Toffoli decidiu estender a decisão a todos os casos semelhantes porque entendeu que era possível aplicar nesta decisão a "repercussão geral" – instrumento jurídico que estabelece a mesma decisão a todos os processos em andamento no país.

"Não convém, por conseguinte, manter a atuação cíclica da máquina judiciária no tocante a tais demandas que veiculam matéria semelhante, até que a Corte se pronuncie em definitivo sobre a questão, que, registro, já tem data definida para o seu julgamento pelo plenário no calendário da Corte, a dizer, 21/11/19."

Críticas

Para o coordenador da Lava Jato no Rio Eduardo El Hage, a decisão Toffoli "suspenderá praticamente todas as investigações" de lavagem de dinheiro no Brasil. "O que é pior: ao exigir decisão judicial para utilização dos relatórios do Coaf, ignora o macrossistema mundial de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo e aumenta o já combalido grau de congestionamento do Judiciário brasileiro. Um retrocesso sem tamanho que o MPF espera ver revertido pelo plenário o mais breve possível", afirmou o procurador.

Ouvida pelo jornal "Folha de S.Paulo", a coordenadora da Câmara Criminal do Ministério Público Federal, Luiza Frischeisen, afirmou que a cúpula do órgão está preocupada com a extensão da liminar porque iria de encontro a uma questão de ordem já analisada pelo STF.

A procuradora Janice Ascari, da Operação Lava Jato em São Paulo, lamentou em uma rede social que esteja em segredo de justiça a decisão em que o ministro Toffolli suspendeu todas as investigações criminais no país inteiro.

Na mesma rede, a procuradora Monique Cheker, do Rio de Janeiro, lamentou que as investigações tenham sido suspensas com base na alegada segurança jurídica.

O procurador Hélio Telho, do Ministério Público Federal em Goiás, afirmou que a decisão coloca em xeque a própria existência do Coaf, além de fragilizar a posição do Brasil no cenário internacional, transformando o país, segundo ele, em um paraíso para o dinheiro sujo.

Defesa

O advogado do senador, Frederick Wassef, disse nesta terça-feira (16), em Brasília, que houve uma “quebra ilegal do sigilo bancário e fiscal” do parlamentar e que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender as investigações sobre o parlamentar “nada mais é do que o cumprimento da lei”.

Para o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), a suspensão determinada por Toffoli foi uma “decisão do bom direito”. Segundo ele, não se pode chafurdar a vida alheia sem autorização judicial. “Ninguém pode estar chafurdando a vida alheia sem ter autorização judicial. Acho que é uma baliza importante que é dada pelo STF, que vale para o caso específico do Flávio, e vale para todas as outras investigações”, opinou Bezerra.

O filho de Jair Bolsonaro tem dito estar à disposição da Justiça para prestar esclarecimentos, mas não atendeu aos convites do Ministério Público para apresentar as explicações.

Primeira suspensão

Fux suspende temporariamente investigação sobre ex-assessor de Flávio Bolsonaro

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Em janeiro, o ministro Luiz Fux – vice-presidente do Supremo – mandou suspender provisoriamente, durante o período em que estava à frente do recesso judiciário, o procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro para apurar movimentações financeiras de Fabricio Queiroz consideradas "atípicas" pelo Coaf. Na ocasião, Fux também havia atendido a um pedido da defesa de Flávio Bolsonaro.

À época, Fux enviou imediatamente o caso ao relator do processo no STF, ministro Marco Aurélio Mello. Ao retornar das férias de janeiro, Marco Aurélio negou o pedido do senador do PSL para suspender a investigação.

Entenda o caso

Flávio Bolsonaro é investigado pelo núcleo de combate à corrupção do MP

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Flávio Bolsonaro e seu ex-motorista Fabrício Queiroz são alvo de procedimento investigatório do Ministério Público do Rio de Janeiro iniciado a partir de relatórios do Coaf.

O conselho identificou uma movimentação suspeita de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz e também na conta de Flávio Bolsonaro – em um mês, foram 48 depósitos em dinheiro, no total de R$ 96 mil, de acordo com o Coaf.

Os depósitos, concentrados no autoatendimento da agência bancária que fica dentro da Assembleia Legislativa do Rio, foram feitos sempre no mesmo valor: R$ 2 mil.

De acordo com o Coaf, nove funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj transferiam dinheiro para a conta de Fabrício Queiroz em datas que coincidem com as datas de pagamento de salário.

Em maio, a TV Globo teve acesso ao pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal de Flávio e de outras 94 pessoas e empresas ligadas ao senador do PSL.

No documento, o Ministério Público do Rio afirma que encontrou indícios de organização criminosa, lavagem de dinheiro e peculato no gabinete do filho de Bolsonaro na época em que ele era deputado estadual. O senador foi deputado estadual no Rio por quatro mandatos consecutivos.

MP-RJ diz ver indícios de crimes no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro

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