• André Bernardo | Edição Giuliana de Toledo e Nathan Fernandes | Design Feu
Atualizado em
 (Foto:  )

Uma câmera [de celular] na mão e uma ideia [louca] na cabeça. para esta reportagem, misturamos o humor de charles chaplin no filme O grande ditador, de 1940, com os filtros dos apps atuais de fotos

O professor de história de um colégio particular resolveu “decorar” a sala de aula com símbolos nazistas. Atento aos detalhes, chegou a se paramentar como oficial do Terceiro Reich, com direito à cruz suástica no braço esquerdo. A “aula temática” sobre regimes totalitários logo suscitou protesto nas redes sociais, inclusive de pais de alunos e da comunidade judaica.

Na mesma semana, outro caso veio à tona: o da estagiária de Filosofia que exigiu da turma de uma escola pública a saudação “Heil, Hitler!”. Uma aluna que teria se recusado a obedecê-la levou um puxão de orelha e um tapa na perna. Na mesma hora, a aspirante a professora foi denunciada à direção e afastada de suas atividades.

Dois meses depois, uma suástica foi pichada no meio da Estrela de Davi no muro de um clube israelita. Coincidência ou não, uma praça com o nome de Shimon Peres, símbolo da luta pela paz no Oriente Médio, tinha sido inaugurada um dia antes a poucos metros dali.

Passados três meses, mais uma pichação de suástica virou notícia: desta vez, na estátua de um artista negro.

Os episódios relatados aconteceram bem longe de Charlottesville, cidade dos Estados Unidos em que manifestações de grupos racistas, em agosto, despertaram o debate sobre extremistas no mundo inteiro — durante os conflitos, uma pessoa morreu e dezenas ficaram feridas. Esses casos que abrem a reportagem foram registrados aqui mesmo no Brasil, entre abril e setembro deste ano, em quatro cidades: respectivamente, Recife (PE), Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ) e Pará de Minas (MG).

Mas, afinal, quantos simpatizantes de Hitler existem hoje no país? Responder a essa questão é uma missão quase impossível, já que não há dados oficiais sobre o tema, somente os reunidos em estudos. A estimativa de Adriana Abreu Magalhães Dias, doutoranda em Antropologia Social pela Unicamp, é que esse número já bateu a casa dos 200 mil. Segundo levantamento de 2013, o Brasil tinha cerca de 148 mil simpatizantes do regime nazista, espalhados por seis estados: Santa Catarina (45 mil), Rio Grande do Sul (42 mil), São Paulo (29 mil), Paraná (18 mil), Distrito Federal (8 mil) e Minas Gerais (6 mil).

Em São Paulo, esses simpatizantes se dividem em 25 grupos, de acordo com dados da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), órgão da Polícia Civil do Estado de São Paulo. Os mais representativos são Front 88, Impacto Hooligan (IH) e White Power (WPSP).

“Neonazismo é um movimento de extrema-direita pautado pelo ódio às minorias. Segundo a ótica neonazista, o outro, seja ele judeu, negro, gay, nordestino ou deficiente físico, é sempre o culpado por tudo”, define a antropóloga que, por segurança, não mostra o rosto à imprensa nem posta fotos na internet.

Pelos critérios da pesquisadora, simpatizante é todo internauta que, ao longo de um ano, fez download de mais de cem arquivos, acima de 100 megabytes cada, relativos a temas como eugenia, xenofobia e antissemitismo. “O simpatizante de hoje pode se tornar o militante de amanhã”, alerta ela. “Desses 200 mil, pelo menos 10% fazem parte de células neonazistas e 1% já virou foragido da Justiça.”

Para se juntar a um desses grupos, o candidato tem que ter apenas um pré-requisito: ser branco. Dependendo da facção, praticar algum tipo de arte marcial e saber manejar armas brancas, como estilete e soco inglês, é recomendável. Os integrantes, em sua maioria, são homens e jovens. “Sabe aquele jovem que não consegue ingressar na universidade, não arranja um bom emprego e não tem uma motivação na vida? Então, é a presa mais fácil para esses grupos extremistas”, diz a pesquisadora.

Os líderes, geralmente, têm entre 25 e 30 anos, nível superior completo e bons empregos. Já os prosélitos, de 16 a 25 anos, com Ensino Médio e Fundamental e das classes C e D, cuidam do “trabalho sujo”, como sair às ruas para afixar cartazes e fazer pichações de cunho racista. Quanto às poucas mulheres, elas existem para dar “apoio emocional” aos integrantes ou para justificar as agressões deles. Nesses casos, os agressores alegam que as namoradas foram assediadas. “São vistas, na maioria das vezes, como aparelho reprodutor e nada mais”, diz a antropóloga.

O interesse de Dias pelo tema começou em 2002, quando cursava Ciências Sociais na Unicamp. Em uma disciplina sobre identidade judaica, ficou abismada ao saber da existência de extremistas que negam o extermínio de 6 milhões de judeus na Segunda Guerra. De acordo com os “ativistas da negação”, o Holocausto não teria acontecido da maneira como os historiadores descrevem: os campos de extermínio não teriam sido nada além de campos de prisioneiros e o número de judeus mortos — a maioria por doença ou bombardeio dos aliados — não teria passado de 1 milhão.

Foi então que Dias lançou mão de suas habilidades em informática para desenvolver um programa que rastreia sites, blogs e fóruns de conteúdo neonazista. Na ocasião, chegou a impressionantes 7,6 mil fontes em português, espanhol e inglês. Cinco anos depois, quando concluiu o mestrado em Antropologia Social e defendeu a dissertação Os Anacronautas do Teutonismo Virtual: Uma Etnografia do Neonazismo na Internet, esse número havia subido para 12,6 mil.

Mais recentemente, em 2009, o total de sites já tinha passado de 20,5 mil — a maior parte deles hospedada em provedores fora do Brasil, como de ilhas da Polinésia, que garantem anonimato aos criadores. Na ponta do lápis, o aumento foi de 170% em sete anos.

ODIÔMETRO
Estudo da antropóloga Adriana Dias encontrou 148 mil brasileiros que baixam conteúdo extremista pela internet

 (Foto: Galileu)

(Foto: Galileu)

CAÇA ONLINE
Muitos dos sites, blogs e fóruns pesquisados por Dias já foram retirados do ar. O Valhalla88, um dos maiores da América Latina, com média de 200 mil visitas diárias, foi desativado em agosto de 2007. O nome do site, que tinha sede em Santa Catarina, faz referência a um castelo da mitologia nórdica, local onde eram sepultados os guerreiros mortos em combate. Já o White Power São Paulo chegou a ter loja virtual, com camisetas, filmes, livros, adesivos — tudo com temática nazista.

Rastrear essas páginas é difícil. Elas vivem trocando de endereço e migrando para a deep web, o território obscuro da internet, já que fazer apologia ao nazismo é crime no Brasil desde 1989. O artigo 20 da Lei nº 7.716 prevê pena de um a três anos de reclusão para quem “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” e de dois a cinco anos para quem “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propagandas que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”.

Mas a lei que vale para o mundo físico também se aplica ao mundo digital? Renato Opice Blum, coordenador do curso de Direito Digital do Insper, garante que sim. O problema, ressalva, é a execução da lei. Em alguns casos, é difícil identificar quem praticou o ato ilícito por estar protegido pelo anonimato. Em outros, o responsável não está em território brasileiro. “Por essas razões, defendo leis que agilizem o fornecimento de informações para identificar e responsabilizar quem pratica tais atos e, ainda, tratados e convenções internacionais que minimizem a dificuldade de executar uma lei contra ações praticadas em outros países”, afirma.

Para melhorar o combate online a extremistas, Opice Blum sugere ainda o endurecimento de sanções. Atualmente, as punições previstas na lei vão da prestação de serviços comunitários a pena restritiva de direitos ou privativa de liberdade. “Lá fora, algumas decisões já obrigam o sujeito que pregou discurso de ódio na internet a replicar diariamente postagens relatando sua sentença e publicando informações educativas contrárias à ação que ele praticou”, exemplifica.

Mesmo em redes sociais em que há moderação e possibilidade de denúncia, controlar conteúdos que pregam ódio ainda é um problema — tanto que as frases destacadas espalhadas pelas páginas desta reportagem foram encontradas abertamente. “O Marco Civil da Internet não responsabiliza provedores de hospedagem. Mesmo assim, a partir do momento em que são intimados por ordem judicial, são obrigados a remover o conteúdo ofensivo”, explica a advogada Cristina Moraes Sleiman, vice-presidente da Comissão de Direito Digital e Compliance da OAB-SP. “É por essas e outras que sou a favor da educação digital. À medida que educamos, orientamos e esclarecemos, os internautas deixam de praticar certos ilícitos”, arremata.

Nos EUA, diversas páginas funcionavam livremente até as manifestações de Charlottesville, que alertaram as empresas de tecnologia para terem cuidado maior. É o caso de The Daily Stormer, apontada como uma das responsáveis por organizar a marcha na cidade da Virgínia. Criado em 2013, o site teve sua hospedagem de domínio cancelada pela GoDaddy, a maior administradora de domínios na internet do mundo, após publicar um artigo em que chamava Heather Heyer, ativista morta no confronto, de “vadia gorda e sem filhos”.

Depois disso, o The Daily Stormer ainda tentou se abrigar em outras plataformas de hospedagem, como Google, Zoho e Sendgrid, mas foi recusado por todas. Sua última cartada foi procurar abrigo na Rússia, sob o domínio “.ru”. Nada feito: foi bloqueado por autoridades russas.

Outro site de conteúdo neonazista defenestrado foi o Stormfront, criado em 1995 por Don Black, líder reformado da Ku Klux Klan. Sob o lema White Pride, World Wide (“orgulho branco, em todo o mundo”), é considerado o primeiro grande site de ódio racial do mundo, com aproximadamente 300 mil usuários. Muitos deles desumanizam grupos minoritários, referindo-se a seus integrantes como “criaturas”.

PORTAS FECHADAS
Impedir grupos de extrema-direita de manterem sites com discurso de ódio, porém, não é a única estratégia adotada pelas empresas de tecnologia. Desde que a violência tomou conta das ruas de Charlottesville, companhias como Facebook e Twitter, entre outras tantas, passaram a vigiar melhor também os perfis individuais. De lá para cá, a caçada levou à eliminação de diversos usuários de caráter duvidoso.

Um deles foi Christopher Cantwell, de 36 anos. Em entrevista a um documentário da Vice, ele descreveu as pessoas atingidas pelo carro em Charlottesville como “animais estúpidos” e declarou que a morte de Heather Heyer “foi mais do que justificada”. Antes de se entregar à polícia, foi expulso do Facebook, Twitter, Instagram e até dos serviços de paquera Match, Tinder e OKCupid. “Não toleramos ninguém que promova ódio ou racismo. Simples assim”, justificou Elie Seidman, presidente-executivo do OKCupid, em entrevista ao The New York Times.

Outra empresa que apagou Cantwell foi a PayPal, uma das primeiras a se posicionar contra ativistas alt-right (ou “direita alternativa”, nome dado a grupos que defendem causas como supremacia branca e políticas anti-imigração, entre outras). Desde abril, a maior ferramenta de pagamento online do mundo impede extremistas de usarem seus serviços para vender produtos ou arrecadar fundos. Ao todo, já baniu 38 grupos de seu sistema, incluindo o site Altright.com, de propriedade do supremacista branco Richard Spencer.

Também no ramo financeiro, empresas de financiamento coletivo, como Patreon, YouCaring e GoFundMe, seguiram a diretriz e tiraram do ar campanhas relacionadas a grupos radicais — por algumas horas, o GoFundMe, inclusive, chegou a ser usado para angariar recursos para apoiar James Alex Fields Jr., o motorista acusado de matar Heather Heyes no atropelamento.

Outra plataforma que foi utilizada involuntariamente por supremacistas brancos foi o site de hospedagem compartilhada Airbnb. Depois de ser alertado por usuários, cancelou reservas de extremistas em Charlottesville. “A violência, o racismo e o ódio demonstrados pelos neonazistas, supremacistas da alt-right e supremacistas brancos não devem ter lugar neste mundo”, declarou Brian Chesky, presidente-executivo do grupo.

Já no Twitter, a iniciativa que mais chamou a atenção partiu de um usuário até então pouco conhecido. O perfil @YesYoureRacist ajudou a identificar em fotos e vídeos alguns dos militantes de extrema-direita que participaram das manifestações em Charlottesville. Em três dias, o número de seguidores da conta pulou de 60 mil para 372 mil — agora já são mais de 400 mil. Ainda que simples, a ação deu resultado para além do mundo digital: pressionado, Cole White, um dos primeiros a ser exposto, pediu demissão da lanchonete onde trabalhava em Berkeley, na Califórnia.

CHRISTOPHER CANTWELL DURANTE ENTREVISTA À VICE NEWS; NO VÍDEO, ELE DIZ CARREGAR UMA PISTOLA E ESTAR PREPARADO PARA VIOLÊNCIA (Foto: Reprodução)

CHRISTOPHER CANTWELL DURANTE ENTREVISTA À VICE NEWS; NO VÍDEO, ELE DIZ CARREGAR UMA PISTOLA E ESTAR PREPARADO PARA VIOLÊNCIA (Foto: Reprodução)

“COLE WHITE, A PRIMEIRA PESSOA QUE EU EXPUS, NÃO TEM MAIS UM EMPREGO”, PUBLICOU A CONTA @YESYOURERACIST NO TWITTER (Foto: Reprodução)

“COLE WHITE, A PRIMEIRA PESSOA QUE EU EXPUS, NÃO TEM MAIS UM EMPREGO”, PUBLICOU A CONTA @YESYOURERACIST NO TWITTER (Foto: Reprodução)

O LÍDER DA CHAMADA DIREITA ALTERNATIVA RICHARD SPENCER LEVOU SOCO DURANTE ENTREVISTA NO DIA DA POSSE DE DONALD TRUMP (Foto: Reprodução)

O LÍDER DA CHAMADA DIREITA ALTERNATIVA RICHARD SPENCER LEVOU SOCO DURANTE ENTREVISTA NO DIA DA POSSE DE DONALD TRUMP (Foto: Reprodução)

POUCO OU MUITO?
Mas como enxergar essas atividades no mundo real e virtual: casos isolados de intolerância racial ou fortes indícios de neonazismo? Pensando no Brasil, especialistas divergem. O escritor Miguel Sanches Neto afirma que esses episódios refletem uma ideologia de extrema-direita que sempre fez parte da identidade do país e que apenas vem perdendo o pudor de se manifestar.

“Vivemos um momento de um falso nacionalismo nos discursos sobre o Brasil que traduz o desejo de destruir os outros que compõem a diversidade social brasileira”, analisa o doutor em Teoria Literária pela Unicamp e professor de Letras da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

Há cinco anos, Sanches Neto se desafiou a imaginar o que teria acontecido ao Brasil se, ao longo da década de 1930, Getúlio Vargas tivesse declarado apoio a Hitler. O resultado de suas elucubrações está no romance histórico A Segunda Pátria (Intrínseca). Como parte da hipotética aliança entre Estado Novo e Terceiro Reich, negros, judeus e índios, entre outras minorias étnicas, foram duramente perseguidos e confinados numa fazenda do Sul do país usada como campo de concentração por colonos alemães.

“Muitas atitudes tidas hoje como inocentes são, em sua essência, nazistas. Querer se separar do Norte e do Nordeste, dizer que a homossexualidade é uma doença e falar que pobre e bandido têm que morrer são algumas delas”, denuncia o escritor.

O pesadelo distópico imaginado por Sanches Neto chegou a ter um embrião na realidade. Em 1928, na cidade catarinense de Timbó, a 170 quilômetros de Florianópolis, foi fundado o maior Partido Nazista fora da Alemanha. Ao longo de dez anos, espalhou-se por 17 estados e arregimentou 2.903 filiados. Dos 83 países que tiveram uma “célula” do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP, na sigla em alemão), o Brasil foi o que alcançou o maior número de correligionários — à frente de Holanda (1.925), Áustria (1.678) e Polônia (1.379).

Hans Henning von Cossel, chefe do partido no Brasil, editou um jornal semanal, o Deutscher Morgen (“Aurora Alemã”), que circulou livremente no país de 1932 a 1940. “Somente ‘alemães puros’ eram aceitos no partido. Nem os teuto-brasileiros, a geração nascida nos trópicos, eram bem-vindos”, explica Ana Maria Dietrich, professora de História da Universidade Federal do ABC e autora dos livros Caça às Suásticas — O Partido Nazista em São Paulo (editora Humanitas) e Nazismo Tropical? O Partido Nazista no Brasil (editora Todas as Musas). Quem ingressava no grupo era proibido de casar com brasileiras, falar a língua local ou trabalhar com negros e judeus.

Já atualmente, o historiador Marcos Guterman entende que os episódios recentes são manifestações pontuais no Brasil. É pouco provável, afirma, que quem se diz neonazista ou se comporta como tal conheça de fato a ideologia nazista.

“A ignorância sobre o que foi efetivamente o nazismo pode ser muito perigosa na medida em que torna banal o que deveria ser objeto de repúdio”, alerta o doutor em História e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação da USP. “Por outro lado, não podemos ceder a uma certa histeria, que enxerga nazistas em todos os lugares. Isso também é uma forma de banalização”, reflete o neto de sobreviventes do Holocausto.

Guterman é autor de Nazistas Entre Nós — A Trajetória dos Oficiais de Hitler Depois da Guerra (editora Contexto). Publicado em 2016, o livro reconstitui os passos de seis autênticos “monstros nazistas”: Adolf Eichmann, Albert Speer, Franz Stangl, Gustav Wagner, Josef Mengele e Klaus Barbie.

Pelo menos três deles — Stangl, o “carrasco de Treblinka”; Wagner, a “besta de Sobibor”; e Mengele, o “anjo da morte de Auschwitz” — encontraram refúgio no Brasil e passaram a viver, tranquilos e impunes, como se o maior genocídio da história da humanidade nunca tivesse acontecido. “A presença de ex-oficiais nazistas no Brasil depois da guerra não me parece ter ligação com a formação de grupos extremistas. O Brasil não era o destino preferencial deles — a maioria preferia a Argentina ou os EUA. E aqui eles não tiveram proteção oficial”, analisa.

NAS URNAS
Se depender de Harryson Almeida Marson, o Brasil já tem data para voltar a ter seu próprio Partido Nacional--Socialista: 2020. Daqui a três anos, esse paulista de 29 anos, que trabalha como técnico em eletrônica em Monte Santo (MG), a 495 quilômetros de Belo Horizonte, pretende inscrever no Tribunal Superior Eleitoral o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Brasileiros (PNSTB), que ele fundou e do qual é presidente.

Harry, como prefere ser chamado, já escolheu até o número para sua sigla: 88. Ele jura que não é uma referência à saudação “Heil, Hitler!” — a letra H é a oitava do alfabeto —, mas a um dos lemas de seu partido, Honra Habita. Se tudo sair como planeja, em oito ou dez anos pretende se lançar candidato à Presidência da República. Sua principal referência para governar? Adolf Hitler. “Esse homem pegou uma nação completamente destruída, recuperou sua economia e deu orgulho ao seu povo. Ou seja, foi um verdadeiro herói para os alemães. O Brasil precisa de líderes assim”, diz ele, que tem 1,8 mil seguidores no Facebook.

Harry se apressa, porém, em dizer que não é neonazista (“É uma deturpação do que pregamos!”), e sim nacional-socialista (“A política mais perfeita que já existiu!”). E mais: afirma não integrar grupos extremistas, não fazer uso de símbolos nazistas nem incitar preconceito e ódio. “Cada brasileiro precisa reconhecer que pode ser superior ao que é. Foi isso o que Hitler passou para os alemães e é isso o que pretendo ensinar aos brasileiros.”

No futuro, diz, qualquer brasileiro poderá se filiar ao PNSTB, desde que respeite a “unidade familiar tradicional” e os “valores éticos e morais”. Por essa razão, Harry não vê problema na filiação de negros e nordestinos, mas descarta a de judeus e homossexuais.

CRIME E CASTIGO
Porto Alegre, 8 de maio de 2005. Naquele sábado, três amigos saíram às ruas da capital gaúcha para comemorar os 60 anos do fim do Holocausto. No coração da Cidade Baixa, bairro boêmio, foram cercados, hostilizados e atacados com socos, pontapés e facadas por um grupo de 14 neonazistas, com idades entre 15 e 30 anos.

O que fizeram para provocar tanto ódio? Dois deles usavam quipás, modelo de chapéu típico da religião judaica. Um das vítimas perdeu um rim e 80% do pulmão esquerdo. Outra sofreu traumatismo craniano. Marcado para o dia 13 de junho de 2013, o julgamento, que viria a ser o primeiro de um ataque neonazista no Brasil, precisou ser adiado — e até hoje não tem data para acontecer. Motivo: dois dos quatro réus não foram localizados.

Outro caso de grande repercussão nacional que também corre na Justiça aconteceu no município paranaense de Campina Grande do Sul. Na madrugada do dia 21 de abril de 2009, Bernardo Pedroso, de 24 anos, e sua namorada, Renata Ferreira, de 21, foram executados com tiros na cabeça. Eles haviam participado de uma festa em comemoração ao aniversário de Hitler e, segundo o Centro de Operações Policiais Especiais (Cope), o crime teria sido motivado por disputa de poder entre facções rivais. Seis acusados estão à espera de julgamento.

“Quando são detidos, eles não se autointitulam neonazistas. Dizem que são guerrilheiros urbanos ou presos políticos”, destaca o delegado Paulo César Jardim, titular da 1ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre e chefe da equipe que, há 15 anos, investiga crimes praticados por supremacistas brancos no Rio Grande do Sul.

Nesse período, Jardim e sua equipe frustraram inúmeros ataques a sinagogas e a passeatas de grupos LGBT, apreenderam armas, bombas e munição e indiciaram mais de 50 indivíduos por denúncias de formação de quadrilha, lesão corporal grave, tentativa de homicídio, corrupção de menores e apologia ao nazismo. Para decifrar a mente criminosa deles, o delegado se obrigou a estudar a Segunda Guerra, fez curso de teosofia e, principalmente, leu e releu Mein Kampf (“Minha Luta”), o manifesto escrito por Hitler em 1925.

Depois de uma década e meia de caçada, ele já sabe identificar um possível neonazista pela roupa: geralmente, camisetas pretas com suspensórios brancos ou coturnos pretos com biqueiras de aço e cadarços brancos. As tatuagens também entregam: são comuns frases como “I hate your face!” (“Odeio seu rosto”!) e números como 14 (quantidade de palavras da frase “We must secure the existence of our people and a future for white children”, em português, “Precisamos assegurar a existência do novo povo e de um futuro para crianças brancas”) ou 28 (de “Blood and Honour”, já que as iniciais são a segunda e a oitava letras do alfabeto).

Já entre as siglas, as preferidas são Max H8 (“Maximum Hate”), W.A.R. (“White Aryan Resistence”) e A.C.A.B. (“All Cops Are Bastards!”). Outros ainda, para despistar a polícia, optaram por trocar a cruz suástica pelo sol negro — a imagem, toda na cor preta, estampa um sol que emite 12 raios.

De tudo o que viu, ouviu ou testemunhou, o que mais chama a atenção do delegado é o ódio que os seguidores do Führer sentem (e do qual tanto se orgulham) contra judeus, negros e homossexuais. “Certa vez, quando interrogava um neonazista, perguntei a ele se, quando batia em alguém, não sentia pena ou compaixão. Ele quis saber se eu sentia pena ou compaixão quando matava uma barata”, lembra. “Não entendo como alguém pode sentir tanto prazer em odiar.”

Em 5 de novembro de 2010, em uma das muitas operações que liderou, Jardim encontrou um vídeo com ameaças ao senador Paulo Paim (PT-RS). Na ocasião, foram apreendidos, entre outros itens, cartazes com os dizeres: “Mistura racial? Não, obrigado!”, “Tenha um dia feliz: mate um homossexual” e “Por nossa terra e por nossa raça, nacionalismo branco já!”. “Volta e meia, recebo ofensas do tipo: ‘Lugar de negro é na África!’. Não vou me intimidar. Vou continuar defendendo direitos iguais para todos. A raça humana é uma só”, afirma o senador.

MEMÓRIA VIVA
Aos 87 anos, Nanette Blitz Konig não consegue disfarçar a tristeza ao ouvir falar de gente que, 72 anos depois do fim da Segunda Guerra, ainda celebra o aniversário de Hitler ou prega que a matança de 6 milhões de judeus não passa de uma teoria da conspiração.

Desde 1999, a autora de Eu Sobrevivi ao Holocausto — O Comovente Relato de uma das Últimas Amigas Vivas de Anne Frank (editora Universo dos Livros), lançado em 2015, se dedica a visitar escolas, bibliotecas e universidades para contar sua história: ela e Anne estudaram juntas no Liceu Judaico, em Amsterdã, e se reencontraram, dois anos depois, no campo de concentração de Bergen-Belsen, a 65 quilômetros de Hannover, na Alemanha.

“Cerca de 90% das pessoas com quem converso nunca ouviram falar do Holocausto. É por isso que faço o que faço. Se os sobreviventes se calarem, é possível que aconteça tudo de novo. Se depender de mim, o mundo jamais vai se esquecer das horrendas atrocidades do Holocausto”, garante Konig.

FERIDA ABERTA
Mais de 22 mil pessoas são de extrema-direita na Alemanha

 (Foto:  )

11,8 mil desses são considerados extremistas de orientação violenta

TROLLAGEM É ARMA CONTRA ÓDIO
Vai um brinde aí, senhor neonazista?

A Organização Exit não aborda diretamente o público-alvo dos seus serviços. Seria arriscado e pouco efetivo. Em vez disso, o marketing da instituição é focado em criar formas inusitadas de ir contra o discurso dos neonazistas — de preferência, sem que eles se deem conta, ou seja, fazendo uma bela trollagem.

Em certa ocasião, usando nome falso, a ONG entrou em contato com os organizadores de um show de direita nacionalista para enviar camisetas em apoio ao evento. Distribuídas de graça, as peças tinham a estampa “Rebeldes hardcore. Nacionais e livres”. O que os ganhadores do brinde não sabiam é que a estampa saía na primeira lavagem e dava lugar à frase “O que a sua camiseta fez, você também pode fazer. Nós ajudamos você a se libertar da extrema-direita. Exit Deutschland”. “A ideia era fazer com que a pessoa se lembrasse da nossa organização e soubesse que poderia nos ligar caso pensasse em deixar o movimento”, diz o conselheiro Fabian Wichmann.

Outra ação, a mais famosa dentro dessa estratégia de levar o nome da organização a eventos extremistas, é a Rechts gegen Rechts (direita contra direita), que acontece já há quase quatro anos. Tudo começou em 15 de novembro de 2014, quando grupos neonazistas marcaram uma marcha na cidade de Wunsiedel, na Baviera, sul da Alemanha. Mas eles não imaginavam que, a cada metro marchado, 10 euros seriam doados por moradores para a Exit. Ou seja, no final, eles acabaram atuando contra a própria causa. Só nesse dia, 10 mil euros foram arrecadados, e a fama do protesto inusitado se espalhou. A partir daí, outras cidades escolhidas para marchas fizeram a mesma coisa. Assim, desde 2014, mais de 48 mil euros já foram angariados por meio dos passos dos próprios neonazistas.

Outra campanha semelhante é a Hass hilft (“o ódio ajuda”), em que, a cada comentário no Facebook contra imigrantes, refugiados, negros e judeus, um euro é doado — o placar está em 55 mil euros. “A ideia é exatamente retomar a narrativa e achar alternativas para ela, criando um novo discurso que seja positivo”, diz Wichmann.

 (Foto:  )

Antes e depois das camisetas de Troia — como são chamadas as peças que revelavam mensagem antifascista após serem lavadas (Foto: Reprodução)

 (Foto:  )

Cena da ação Rechts gegen Rechts, em que, a cada metro percorrido por neonazistas, 10 euros são doados à ONG (Foto: Reprodução)

AMOSTRAS DE ÓDIO
Reunimos algumas manifestações de ódio em comentários públicos sobre notícias recentes

“Não são grupos de ódios, são seres humanos que também estão sendo provocados e se não reagirem, em um futuro bem próximo serão caçados para serem mortos” Comentário no Facebook em matéria de O Globo

“Se vcs acham que sendo brasileiro ser cahamado de ‘branco azedo’, ‘galego’ e afins não é bulying então concluo que há sim discriminação e vitimização das demais pessoas em relação aos ‘branquelos’ como eu”
Comentário no facebook sobre matéria da GALILEU

“Esses lixos não respeitam soldados confederados, tem q cobrir de pancada esses merdas”
Comentário no Facebook em vídeo de O Globo sobre Charlottesville

HORA DE AGIR
Conheça caminhos para denunciar casos de ódio que encontrar por aí, no mundo digital e físico

Ministério Público Federal  e Ministérios Públicos Estaduais
É possível registrar manifestações online e de forma anônima
www.mpf.mp.br

Humaniza Redes
A página dessa iniciativa do governo federal tem espaço para contar violações dentro e fora da rede
http://www.humanizaredes.gov.br

Safernet
A ONG recebe denúncias e trabalha em cooperação com a Polícia Federal e com os ministérios públicos
new.safernet.org.br

Delegacias de Polícia
Para além dos canais online, você pode procurar as autoridades da forma tradicional

Espaços de denúncia nas redes sociais
Os principais serviços têm centrais próprias para pedir ajuda. É o caso do Facebook, do Twitter e do Instagram, entre outros