RIO — Com quatro de seus mais renomados membros incluídos na lista de autores com obras que a Secretaria de Educação de Rondônia cogitou vetar, a Academia Brasileira de Letras (ABL) emitiu nesta sexta-feira (7) uma nota pública em que repudia a "censura que atinge, uma vez mais, a literatura e as artes".
— É absolutamente inadmissível. Parece que estamos vivendo o surrealismo, sem a qualidade do surrealismo de outrora, que foi um movimento artístico importante —disse o presidente da ABL, Marco Lucchesi. — Ainda que não tivesse atingido imortais, atinge a sociedade brasileira.
Um ofício interno assinado pelo secretário estadual de Educação de Rondônia, Suamy Lacerda de Abreu, determinou que fossem recolhidos 43 livros das escolas da rede pública estadual por conterem "conteúdo inadequado às crianças e adolescentes".
A lista tinha títulos como "Memórias póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis; "A vida como ela é" e "Beijo no asfalto", de Nelson Rodrigues; "Contos de terror, de mistério e de morte", de Edgar Allan Poe; "O castelo", de Franz Kafka; "Macunaíma", de Mario de Andrade, "Os Sertões", de Euclides da Cunha.
Entre os autores com obras vetadas, quatro são imortais da ABL: Machado de Assis, Euclides da Cunha, Ferreira Gullar e Carlos Heitor Cony.
"É um despautério imaginar, em pleno século XXI, a retomada de um índice de livros proibidos", afirmou a Academia, em nota. "A ABL não admite o ódio à cultura, o preconceito, o autoritarismo e a autossuficiência que embasam a censura."
— A situação da leitura no Brasil hoje mereceria a declaração de um estado de emergência, com grande intensidade —disse Lucchesi. — Além de não se tomar medidas importantes nessa área, ainda se começa a fazer um macartismo de quinta categoria, um anacronismo deplorável.
O governo de Rondônia, cujo titular é o Coronel Marcos Rocha (PSL), aliado do presidente Jair Bolsonaro, afirmou ter recebido uma denúncia a respeito dos livros, que foi investigada e descartada por se tratarem de "clássicos da literatura". A ordem para o recolhimento não chegou a ser executada, segundo a secretaria.
"A Secretaria de Estado da Educação de Rondônia (Seduc) esclarece que recebeu uma denúncia que nas bibliotecas das escolas estaduais haviam livros paradidáticos com conteúdos inapropriados para o público-alvo, alunos do ensino médio", afirmou a pasta, em nota.
"Diante disso, a equipe técnica da secretaria analisou as informações e constatou que os livros citados eram clássicos da Literatura Brasileira, muitos deles usados em processos seletivos e vestibulares. Sendo assim, o processo eletrônico que contém a análise técnica foi encerrado imediatamente sem ordem de tramitação para quaisquer órgãos externos, secretarias ou escolas públicas."
CONFIRA A NOTA DA ABL:
"A Academia Brasileira de Letras vem manifestar publicamente seu repúdio à censura que atinge, uma vez mais, a literatura e as artes. Trata-se de gesto deplorável, que desrespeita a Constituição de 1988, ignora a autonomia da obra de arte e a liberdade de expressão. A ABL não admite o ódio à cultura, o preconceito, o autoritarismo e a autossuficiência que embasam a censura.
É um despautério imaginar, em pleno século XXI, a retomada de um índice de livros proibidos. Esse descenso cultural traduz não apenas um anacronismo primário, mas um sintoma de não pequena gravidade, diante da qual não faltará a ação consciente da cidadania e das autoridades constituídas."
Autores que teriam livros recolhidos:
Caio Fernando Abreu
Mário de Andrade
Ferreira Gullar
Carlos Heitor Cony
Carlos Nascimento Silva
Rubem Fonseca
Ivan Rubino Fernandes
Euclides da Cunha
Nelson Rodrigues
Ana Lee
Sonia Rodrigues
Rosa Amanda Strausz
Machado de Assis
Franz Kafka
Euclides da Cunha
Edgar Allan Poe
Rubem Alves