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ABL critica censura do governo de Rondônia a livros de Machado, Nelson Rodrigues e outros

Medida foi revista pelo governo do estado após investigação; presidente da Academia diz que ato foi 'macartismo de quinta categoria'
Nelson Rodrigues, Mário de Andrade e Machado de Assis estavam na lista Foto: Reprodução
Nelson Rodrigues, Mário de Andrade e Machado de Assis estavam na lista Foto: Reprodução

RIO — Com quatro de seus mais renomados membros incluídos na lista de autores com obras que a Secretaria de Educação de Rondônia cogitou vetar, a Academia Brasileira de Letras (ABL) emitiu nesta sexta-feira (7) uma nota pública em que repudia a "censura que atinge, uma vez mais, a literatura e as artes".

— É absolutamente inadmissível. Parece que estamos vivendo o surrealismo, sem a qualidade do surrealismo de outrora, que foi um movimento artístico importante —disse o presidente da ABL, Marco Lucchesi. — Ainda que não tivesse atingido imortais, atinge a sociedade brasileira.

Um ofício interno assinado pelo secretário estadual de Educação de Rondônia, Suamy Lacerda de Abreu, determinou que fossem recolhidos 43 livros das escolas da rede pública estadual por conterem "conteúdo inadequado às crianças e adolescentes".

A lista tinha títulos como "Memórias póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis; "A vida como ela é" e "Beijo no asfalto", de Nelson Rodrigues; "Contos de terror, de mistério e de morte", de Edgar Allan Poe; "O castelo", de Franz Kafka; "Macunaíma", de Mario de Andrade, "Os Sertões", de Euclides da Cunha.

Entre os autores com obras vetadas, quatro são imortais da ABL: Machado de Assis, Euclides da Cunha, Ferreira Gullar e Carlos Heitor Cony.

"É um despautério imaginar, em pleno século XXI, a retomada de um índice de livros proibidos", afirmou a Academia, em nota. "A ABL não admite o ódio à cultura, o preconceito, o autoritarismo e a autossuficiência que embasam a censura."

— A situação da leitura no Brasil hoje mereceria a declaração de um estado de emergência, com grande intensidade —disse Lucchesi. — Além de não se tomar medidas importantes nessa área, ainda se começa a fazer um macartismo de quinta categoria, um anacronismo deplorável.

O governo de Rondônia, cujo titular é o Coronel Marcos Rocha (PSL), aliado do presidente Jair Bolsonaro, afirmou ter recebido uma denúncia a respeito dos livros, que foi investigada e descartada por se tratarem de "clássicos da literatura". A ordem para o recolhimento não chegou a ser executada, segundo a secretaria.

"A Secretaria de Estado da Educação de Rondônia (Seduc) esclarece que recebeu uma denúncia que nas bibliotecas das escolas estaduais haviam livros paradidáticos com conteúdos inapropriados para o público-alvo, alunos do ensino médio", afirmou a pasta, em nota.

"Diante disso, a equipe técnica da secretaria analisou as informações e constatou que os livros citados eram clássicos da Literatura Brasileira, muitos deles usados em processos seletivos e vestibulares. Sendo assim, o processo eletrônico que contém a análise técnica foi encerrado imediatamente sem ordem de tramitação para quaisquer órgãos externos, secretarias ou escolas públicas."

CONFIRA A NOTA DA ABL:

"A Academia Brasileira de Letras vem manifestar publicamente seu repúdio à censura que atinge, uma vez mais, a literatura e as artes. Trata-se de gesto deplorável, que desrespeita a Constituição de 1988, ignora a autonomia da obra de arte e a liberdade de expressão. A ABL não admite o ódio à cultura, o preconceito, o autoritarismo e a autossuficiência que embasam a censura.

É um despautério imaginar, em pleno século XXI, a retomada de um índice de livros proibidos. Esse descenso cultural traduz não apenas um  anacronismo primário, mas um sintoma de não pequena gravidade, diante da qual não faltará a ação consciente da cidadania e das autoridades constituídas."

Autores que teriam livros recolhidos:

Caio Fernando Abreu

Mário de Andrade

Ferreira Gullar

Carlos Heitor Cony

Carlos Nascimento Silva

Rubem Fonseca

Ivan Rubino Fernandes

Euclides da Cunha

Nelson Rodrigues

Ana Lee

Sonia Rodrigues

Rosa Amanda Strausz

Machado de Assis

Franz Kafka

Euclides da Cunha

Edgar Allan Poe

Rubem Alves