Economia

Vamos falar de propostas? Bolsonaro e Haddad querem mudar IR e tributos sobre bens

Candidatos não deixam claro como compensar perda de receita. Ricos poderão pagar mais ou menos, dependendo do modelo
Site da Receita Federal para envio do Imposto de Renda Foto: Alexandre Cassiano
Site da Receita Federal para envio do Imposto de Renda Foto: Alexandre Cassiano

RIO - A proposta de isentar de Imposto de Renda quem ganha até cinco salários mínimos — defendida pelos dois candidatos à Presidência — deixaria 16 milhões de contribuintes livres da cobrança e traria alívio até para quem ganha mais. No plano de Jair Bolsonaro (PSL), que prevê alíquota única, quem ganha R$ 20 mil, por exemplo, teria desconto mensal de R$ 3 mil, 35% menor que o cobrado hoje. Já no desenho de Fernando Haddad (PT), que quer uma tabela progressiva, em que quem ganha mais paga mais, a economia para a mesma faixa salarial seria de 13,1%. Para especialistas, no entanto, faltam dados para mostrar como financiar as mudanças considerando o desequilíbrio das contas públicas.

As simulações foram feitas a pedido do GLOBO pelo tributarista Paulo Henrique Pêgas, professor do Ibmec-RJ, com base nas ideias apresentadas até agora pelas duas campanhas. Assessor econômico de Bolsonaro, Paulo Guedes defende uma alíquota de até 20% sobre a renda acima do limite de isenção. Já Guilherme Mello, um dos economistas à frente do programa petista, explica que uma das possibilidades é adotar uma tabela com três faixas de tributação: 22,5% para quem recebe de R$ 5 mil a R$ 7 mil; 27,5% para quem ganha de R$ 7 mil a R$ 40 mil; e 35% sobre renda acima de 40 salários mínimos. Os valores foram arredondados, levando em consideração o salário mínimo previsto para 2019 na proposta de Orçamento enviada ao Congresso.

Quanto se paga de imposto de renda?
Modelo atual
Faixa Salarial
(base líquida)*
5.000
10.000
15.000
40.000
Alíquota
efetiva (em %)
10,1
18,8
21,7
25,3
Valor
pago (em R$)
505,64
1.880,64
3.255,64
10.130,64
Considera a tributação de alíquota única em 20%. O candidato também considera adotar uma alíquota única de 15%
Proposta
Bolsonaro
Faixa Salarial
(base líquida)*
5.000
10.000
15.000
40.000
Alíquota
efetiva (em %)
0
10
13,3
17,5
Valor
pago (em R$)
0
1.000,00
2.000,00
7.000,00
A campanha não detalhou a tabela progressiva que seria adotada. Para a simulação, foi estimada uma tabela com três faixas, uma das possibilidades estudadas pela campanha
Proposta
Haddad
Faixa Salarial
(base líquida)*
5.000
10.000
15.000
40.000
Alíquota
efetiva (em %)
0
12,8
17,7
23,8
Valor
pago (em R$)
0
1.275,00
2.650,00
9.525,00
*Considerando deduções, como contribuição previdenciária, dependentes etc.
Simulações do tributarista Paulo Henrique Pêgas, do Ibmec-RJ,
com base nas informações das campanhas
Quanto se paga de
imposto de renda?
Modelo atual
Faixa
Salarial
(base
líquida)*
Alíquota
efetiva
(em %)
Valor
pago
(em R$)
5.000
10,1
505,64
10.000
18,8
1.880,64
15.000
21,7
3.255,64
40.000
25,3
10.130,64
Proposta
Bolsonaro
Considera a tributação de alíquota única em 20%. O candidato também considera adotar uma alíquota única de 15%
Faixa
Salarial
(base
líquida)*
Alíquota
efetiva
(em %)
Valor
pago
(em R$)
5.000
0
0
10.000
10
1.000,00
15.000
13,3
2.000,00
40.000
17,5
7.000,00
A campanha não detalhou a tabela progressiva que seria adotada. Para a simulação, foi estimada uma tabela com três faixas, uma das possibilidades estudadas pela campanha
Proposta
Haddad
Faixa
Salarial
(base
líquida)*
Alíquota
efetiva
(em %)
Valor
pago
(em R$)
5.000
0
0
10.000
12,8
1.275,00
15.000
17,7
2.650,00
40.000
23,8
9.525,00
*Considerando deduções, como contribuição
previdenciária, dependentes etc.
Simulações do tributarista Paulo Henrique Pêgas,
do Ibmec-RJ, com base nas informações
das campanhas

As mudanças no IR são acompanhadas por uma mudança na estrutura dos tributos que incidem sobre bens e serviços no país. A adoção de um imposto sobre valor agregado (IVA) está nos planos dos dois candidatos. E, no caso de Bolsonaro, há também a hipótese de se fazer essa simplificação por meio de um imposto sobre movimentação financeira. Juntas, as medidas devem mudar a forma de cobrar imposto no país: do acerto de contas com o Leão ao preço do pãozinho.

Hoje, não paga o imposto quem recebe até R$ 1.903,98. As duas campanhas admitem que a mudança terá um impacto sobre a arrecadação. E têm ideias diferentes para fazer frente ao rombo — e com impactos distintos para os contribuintes. Pêgas, do Ibmec-RJ, estima que só o aumento do limite de isenção causaria perda de R$ 2,7 bilhões em arrecadação.

A mudança beneficiaria mais gente, no entanto, por causa da tabela progressiva do IR. Hoje quem ganha R$ 10 mil, por exemplo, não paga imposto sobre a parcela de sua renda que fica dentro do atual limite de isenção — ou seja, sobre R$ 1.903,98. Mas este limite seria ampliado e, com isso, a arrecadação com o IR pelo governo seria bem menor. A atual equipe econômica estima que a mudança custaria R$ 60 bilhões aos cofres públicos.

A ideia do time de Bolsonaro é compensar isso com medidas de ajuste fiscal, explica o economista Marcos Cintra, responsável por assessorar Guedes na área tributária. O programa prevê, por exemplo, a tributação de dividendos (hoje isentos), privatizações e mudanças nas regras de outros impostos que poderiam compensar a perda. Ele não estima qual seria o impacto da mudança no IR.

— Toda e qualquer simulação em torno de variáveis tributárias têm que ser sempre de acordo com o ajuste fiscal — afirma Cintra.

Já no modelo de Haddad, a compensação viria do aumento da cobrança sobre mais ricos. Segundo Guilherme Mello, economista da Unicamp que integra a equipe do petista, o impacto da mudança de regras, com ampliação do limite de isenção, é de cerca de R$ 38 bilhões — em uma das 11 simulações com as quais o grupo trabalha. Para fechar a conta, ele prevê uma tabela progressiva, como a atual, mas com uma faixa adicional para quem ganha mais de 40 salários mínimos (R$ 38.160), com alíquota de 35%. Há ainda a ideia de criar uma faixa adicional, acima de 60 salários (R$ 57.240), com alíquota de 40%. Hoje, a maior faixa de tributação é de 27,5%, sobre rendas acima de R$ 4.664,68.

— Queremos garantir que a proposta é viável do ponto de vista fiscal — destaca Mello.

Com alíquota única, rico pagaria menos

Pêgas, do Ibmec-RJ, tem críticas aos dois lados. Ele critica a diminuição de cobrança para rendas mais elevadas. No modelo de Guedes, por exemplo, considerando uma tributação linear de 20% para rendimentos acima de R$ 5 mil, quem ganha R$ 40 mil por mês economizaria, por mês, R$ 3.130,64 em relação ao modelo atual.

— Isentar valores até R$ 5 mil, no momento atual brasileiro, é irresponsabilidade fiscal. O problema é que você diminui muito o IR para rendas mais elevadas e isso destrói a arrecadação. As duas propostas são eleitoreiras, sem qualquer fundamento técnico— afirma.

Já o advogado Luiz Gustavo Bichara, especialista em tributação, afirma que faz sentido aumentar a faixa de isenção, considerando a defasagem da tabela atual do IR, que não corresponde ao comportamento da inflação nos últimos anos.

— A faixa de isenção é muito baixa. Isso tem que ser feito. Se fosse atualizar só pela inflação, daria uma faixa de mais de R$ 8 mil — afirma.

O professor da FGV Direito Rio Linneu de Albuquerque Mello afirma que seja qual for o modelo adotado, o importante é manter a progressividade — um princípio para o IR previsto na Constituição. Ele defende principalmente faixas mais amplas.

— Temos cinco faixas de zero a R$ 4 mil, e depois de R$ 4 mil ao céu. Que progressividade é essa? Tem que espaçar mais — afirma.

Os dois candidatos defendem regras semelhantes às adotadas do IR para a tributação de dividendos (parcela do lucro distribuída por empresas a seus acionistas), mas ainda não apresentaram detalhes. Especialistas alegam que alíquotas elevadas de IR nas faixas de renda mais alta poderiam incentivar que pessoas físicas optassem por trabalhar como pessoas jurídicas (ou seja, abrir empresas) para fugir da tributação, já que os dividendos hoje são isentos de IR. Tributar os dividendos evitaria esta manobra.

Imposto único sobre bens e CPMF

Em outra frente, os candidatos também propõem mudar a estrutura dos tributos que incidem sobre bens e serviços no país. A adoção de um imposto sobre valor agregado (IVA) está nos planos dos dois candidatos. A ideia, defendida mais fortemente pelo economista Bernand Appy, é substituir cinco tributos — PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS — por apenas um, o IBS. Em artigo no jornal “O Estado de S. Paulo”, Appy, que já integrou o governo Lula, declarou apoio a Haddad, mas disse que o Centro de Cidadania Fiscal, que dirige, contribuirá para qualquer governo eleito.

No plano de Appy, a ideia é fazer uma transição ao longo de dez anos. A repartição da arrecadação com estados e municípios (que hoje tributam ICMS e ISS, respectivamente) seria feita ao longo de 50 anos. A ideia do economista é aumentar o dinamismo da economia com a simplificação. Nas contas de Appy, o PIB potencial cresceria 0,05% ao ano ao longo dos primeiros 20 anos de implantação.

Na avaliação do advogado Hermano Notaroberto Barbosa, sócio da área tributária do BMA, esse é o ponto mais importante da reforma tributária.

— É fundamental para a sanidade do nosso sistema tributário. Esse modelo foi adotado de forma peculiar no Brasil. O equivalente ao IVA teve sua competência dividida entre União (IPI), Estados (ICMS) e municípios (ISS). Isso é um dos maiores gargalos, um modelo caótico — destaca o especialista.

Já Mello, da FGV, argumenta que essa é uma ideia que corre o risco de não funcionar na prática.

— Hoje temos um número de impostos que alimentam um número de “bocas”, que vão reclamar. Na prática, isso não aconteceu antes porque não dá, porque os estados não querem perder arrecadação — argumenta.

Em paralelo ao modelo do IVA, corre a ideia na campanha de Bolsonaro de criar um imposto único sobre movimentações financeiras, nos moldes da CPMF. A diferença seria que o novo tributo substituiria outros existentes — o que não ocorreu com a CPMF. Embora seja o idealizador do modelo e o defenda há 30 anos, Cintra, que trabalha na equipe de Bolsonaro, afirma que a definição sobre qual proposta seria adotada ainda está em aberto.

Se a proposta de tributo sobre movimentação financeira for à frente, a alíquota seria mais alta que a antiga CPMF. Seriam necessários dois impostos que incidiriam sobre a mesma base de movimentação financeira. O primeiro seria exclusivamente para substituir a contribuição previdenciária patronal, que tributa em 20% a folha salarial. Esse tributo teria alíquota de cerca de 0,4%. Um segundo substituiria outros impostos, como IPI, Cide e IOF, com alíquota de 0,9%. O total seria 1,3%, que incidiria sobre o débito e crédito. Na prática, 2,6%. A CPMF incidia apenas sobre o débito, mas não substituiu outros tributos, por isso aumentou a carga.

Com essa equação, estima Cintra, seria possível fazer frente à arrecadação de R$ 240 bilhões de contribuição previdenciária patronal (4% do PIB) e de R$ 400 bilhões dos impostos federais. (cerca de 6% do PIB).