Longevidade: modo de usar

Por Mariza Tavares — Rio de Janeiro


No elevador, numa conversa amena com a vizinha simpática e ativa na faixa entre 65 e 70 anos, me surpreendi com a frase dela a respeito do marido, aposentado há cerca de uma década: “dou o café da manhã e mando ele para a rua”. Passei a prestar atenção nos homens idosos das redondezas e descobri que muitos faziam uma espécie de circuito na parte da manhã que incluía caminhada, conversa com o jornaleiro, passadinhas no banco e pausa para café, suco ou chope – já por volta das 11h – num boteco. Na hora do almoço, eles sumiam. Mesmo que esse panorama esteja mudando, o ambiente doméstico é, culturalmente, o espaço feminino. Para as gerações mais velhas, que ainda se identificam com papéis rígidos, ao homem cabia ser provedor da casa; à esposa, zelar pelo perfeito funcionamento do lar. Ou seja, cada um no seu quadrado. O problema é que, quando ele se aposenta, os dois passam a dividir o mesmo território, o que pode estressar a convivência. “Quero arrumar a casa e preparar o almoço, com ele sentado na poltrona da sala não é possível”, era a explicação da minha vizinha. Se o marido passa a se encarregar das compras do mercado, tanto melhor, porque a mulher fica menos sobrecarregada e ele ganha uma ocupação, mas o que está por trás desse quadro é uma realidade que com frequência abate o homem: quando sai de cena e se vê sem o seu “sobrenome corporativo”, a perda é muito maior para ele, que viveu apenas em função da profissão.

Homens aposentados: maridos e mulheres têm que aprender a conviver num espaço que sempre foi predominantemente feminino — Foto: By muffinn from Worcester, UK [CC BY 2.0 (http://creativecommons.org/licenses/by/2.0)], via Wikimedia Commons

Não se pode ignorar o papel que o trabalho tem de ordenador da vida humana: para a maioria, define sua própria existência. Fantasiar a aposentadoria como um período mágico de dolce far niente acaba frustrando expectativas e pode até levar à depressão. Como qualquer fase nova, é indispensável preparar-se, e não apenas financeiramente. Como estamos vivendo mais, o planejamento de um projeto pós-carreira vai ser a chave para também viver bem, com satisfação e um propósito. Se o antigo emprego era sinônimo de sacrifícios e baixa realização pessoal, outro motivo para aproveita o tempo que agora é seu para fazer algo que lhe dê prazer. Tive um tio muito querido que se dedicava à carpintaria como hobby. Aliás, a dedicação era tanta que fez todos os móveis da sala. Ao se aposentar, “dava expediente” no quartinho dos fundos do apartamento, produzindo belas peças de madeira. No fim da tarde, tomava um drinque com minha tia.

Infelizmente são raras as empresas que dispõem de serviços de orientação para a aposentadoria e, pelo andar da carruagem, com o progressivo esgarçamento dos laços corporativos a que assistimos, esse terá que ser um aprendizado que caberá a cada um de nós. Se você conseguiu juntar patrimônio e fazer um pé-de-meia suficiente para não precisar continuar no batente, considere outras opções para se manter engajado. De acordo com pesquisa recente do The Center on Aging & Work do Boston College, uma em cada três pessoas acima dos 65 anos trabalhava como voluntário algumas horas por semana. A experiência de se doar aos outros talvez seja ainda mais benéfica para quem ajuda do que para quem foi ajudado. E voltando ao casal dividindo o mesmo território: essa pode ser a oportunidade de os dois se reaproximarem, depois de décadas pensando apenas nos filhos. No entanto, ambos têm que abrir mão de anos de rotina para enxergar novas possiblidades para a vida em comum – essa vai ser uma construção a quatro mãos.

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