• Lemyr Martins
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Fittipaldi (Foto:  )

MR. EMMO Vitórias no circuito de Indianápolis colocaram Emerson no clube dos milionários da Indy. Parecia, enfim, que o piloto havia encontrado o caminho para erguer novamente a carreira de empresário

Fittipaldi (Foto:  )

Embora a carreira esportiva de Emerson Fittipaldi corresse paralela à de empresário, ele sempre soube enfrentar melhor os riscos da pista do que os perigos financeiros.

Aos 22 anos, chegou à primeira etapa do seu plano de atingir a Fórmula 1. Uma carreira que começou sete anos antes no kart, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, quando venceu uma prova de novatos. Animou-se com o triunfo e deu o primeiro passo no ramo dos negócios, fabricando, com o irmão Wilson, um minikart para disputar o campeonato brasileiro – competição que também ganhou, competindo contra pilotos mais experientes.

Satisfeito como piloto e empresário, resolveu produzir carros da Fórmula Vê, sempre em sociedade com Wilsinho, chegando a 42 unidades. Praticamente criou a categoria no Brasil e, lógico, foi o primeiro campeão. Estava pronto para voar mais alto nas pistas. Priorizou o piloto e descansou o empresário, rumando para competir na Fórmula Ford inglesa, em 1969.

Naquela época, um Fórmula Ford custava cerca de US$ 20 mil. Não era barato, mas era o objetivo. Emerson vendeu tudo o que tinha: caminhonete Volkswagen, carro da Fórmula Vê, todo o equipamento de corrida, a parte na sociedade de uma fábrica de volantes e rodas de magnésio. Reuniu o máximo de dinheiro possível e embarcou num DC-10 da British Caledonian para Londres.

Já no dia seguinte foi às compras. Encontrou um Merlyn amarelo, zero quilômetro, por US$ 20 mil. Tinha US$ 22 mil. Fechou o negócio. Ficou duro, mas feliz. O próximo passo era comprar um motor para o Fórmula Ford. Objetivo que conseguiu trabalhando para o preparador de carros Dennis Rowland, de quem virou operário, ajudando a fabricar os cabeçotes especiais e a polir as peças, em troca do motor para o F-Ford. Ainda comprou um automóvel Ford Cortina usado por US$ 600, e foi morar em uma pensão pagando 12 libras por semana (US$ 18,00), com direito ao breakfast.

Com cama, carro, emprego e Fórmula Ford, sentiu-se importante. Tinha tudo que queria e já podia sonhar em ser campeão da categoria na Inglaterra. Realizou a proeza e, em 13 de julho de 1969, já estreava na Fórmula 3 do Lombank Trophy, do campeonato inglês.
Fittipaldi já era um nome conhecido no meio automobilístico europeu. Chegar à Fórmula 1 foi questão de tempo. Fez o primeiro teste na Lotus em 1969 e, em 1970, tornou-se o piloto principal da escuderia.

O piloto estava vivendo o sonho e o empresário estudava o grande circo, para encontrar uma brecha de investimento. Emerson foi campeão em 1972, pela Lotus, e bi em 1974, pela McLaren, acordando o empresário para voos maiores. Seduzido pela ideia de voltar a fabricar carros de corridas, resolveu entrar na aventura brasileira de construir um Fórmula 1 made in Brazil. Abriu mão da chance lógica de ser tricampeão pela McLaren em 1976 e associou-se ao irmão Wilsinho no projeto Fitti-1, batizado de Copersucar por força do patrocínio da cooperativa de usineiros de açúcar. Piloto e empresário voltavam a fazer dupla, mas, desta vez, num empreendimento onde os riscos estavam mais nos cifrões.

Fittipaldi (Foto:  )

PORTAS ABERTAS Vitória em Monza, na Itália, em 1972, deu o primeiro título mundial de Fórmula 1 ao Brasil. Fittipaldi pilotava uma Lotus. Ainda conquistaria o bicampeonato dois anos depois, correndo pela McLaren

Quando Emerson chegou à Fórmula 1, já tinha tido várias experiências em construir carros de competição. Além de karts e Fórmula Vê, ele e Wilsinho construíram o Fitti-Porsche e o Volks bimotor. Na Fórmula 1 a concorrência era mais intensa, internacional. Exigia muito mais estudo, experiência, patrocínio, habilidade de gestão – sobretudo para quem queria ter a própria escuderia, totalmente nacional.

Rompeu com a McLaren e decidiu pilotar o FD-04 (Fittipaldi-Divila), um protótipo bem convencional, diferente dos três primeiros FDs. Fechou o ano com três sextos lugares, nos GPs dos Estados Unidos-Long Beach – onde marcou o primeiro ponto –, em Mônaco e na Inglaterra. No GP da Bélgica, em 5 de junho de 1977, estreou o novo Fitti F-5, um carro que carregava toda a esperança dos irmãos Fittipaldi, mas que não correspondeu e teve de ser redesenhado. O segundo lugar, com o F-5A no GP Brasil de 1978, disputado em 29 de janeiro em Jacarepaguá (RJ), foi um prêmio aos Fittipaldi pelos três anos de dedicação e teimosia. A heroica posição foi saudada pela mídia italiana com um efusivo “O milagre sobe ao pódio” – afinal, só foi batido pela Ferrari. Mas o milagre jamais se repetiu.

Mesmo com pouco apoio financeiro, os Fittipaldi resolveram dar um salto de qualidade que, na prática, se resumia a ter um carro vencedor. Emerson lembra que colocaram todo o dinheiro que possuíam num Fittipaldi F-1 dos seus sonhos. Contrataram Ralph Bellamy, coprojetista do Lotus 79, campeão disparado com Mario Andretti em 1978. Bellamy gastou 20 meses no projeto, mas bastou uma volta em Interlagos para um novo desespero dos Fittipaldi: o carro era malnascido. “Foi o momento mais dramático na existência da nossa equipe”, admitiu Emerson, na ocasião.

Em 1979, os irmãos ficaram num beco sem saída. Tinham dois carros: o F-5A, já obsoleto, e um modelo 1979, novinho em folha, que não funcionava. Uma decepção para o piloto e um desastre total para o empresário. Foi então que o piloto saiu de cena dando lugar ao homem de negócios.

Emerson Fittipaldi deu adeus às pistas da F-1 no GP dos Estados Unidos, em Watkins Glen – o mesmo circuito onde venceu o seu primeiro Grande Prêmio de F-1, em 1970, e onde se consagrou bicampeão, em 1974. Dali em diante, passou a ser o diretor principal da Fittipaldi Empreendimentos. Mesmo navegando em incertezas, a Fittipaldi cresceu: em 1980 comprou a Wolf, passando a ter 86 técnicos, dez a mais do que outras equipes médias da época, o que onerava a folha de pagamento. A razão social mudou de Fittipaldi Empreendimentos para Fittipaldi Automotive e a empresa passou a ocupar um prédio maior, alugado, em Reading, na Inglaterra.

O patrocínio da Copersucar permitiu apostas ousadas dos Fittipaldi durante cinco anos. Mas, em 1979, a nova diretoria da cooperativa tinha outros planos em sua política de divulgação e decidiu não mais participar da Fórmula 1. A Fittipaldi voltava ao zero e à busca de novas parcerias. Fechou um bom acordo com a Skol. Nos primeiros três anos, foram US$ 2 milhões por temporada, com reajuste de 10% a cada ano. Era um bom dinheiro para uma equipe média de Fórmula 1, na época. Nasceu, então, o Skol-Fittipaldi F-7.

Mas o negócio não durou. No fim do primeiro ano, os diretores da Skol comunicaram aos Fittipaldi que tinham vendido a marca à Brahma. Nada mudou nos primeiros seis meses, mas em janeiro de 1981 os diretores da Brahma decidiram romper o patrocínio. Os irmãos foram pegos de surpresa com o rompimento do contrato de dois anos em plena vigência. O piloto ficou a pé e o empresário, sem recursos.

Fittipaldi (Foto:  )

V de vitória ou sinal do segundo triunfo em Indianápolis? Ambos. Para celebrar, suco de laranja. De sua empresa, claro

Nem a mediação oficial prometida pelo general-­presidente João Baptista Figueiredo, em janeiro de 1982, para um patrocínio de US$ 2 milhões (250 milhões de cruzeiros, na época), se concretizou. A única ajuda financeira naqueles tempos bicudos para a Fittipaldi foi um empréstimo de Mansour Ojjeh. Esse árabe, sócio majoritário da McLaren, prorrogou a insolvência da Fittipaldi em alguns meses emprestando-lhe US$ 250 mil, pagos em meados de 1981, quando a escuderia começava a naufragar.

Como já havia planos em andamento, o dinheiro acabou rapidamente e surgiram as dívidas. Sem dinheiro, os irmãos apelaram a vários bancos e entraram no vermelho, numa situação similar à que Emerson vive atualmente.

A Fittipaldi ainda participou de outros seis grandes prêmios da temporada na base da penúria. Conseguiu algum dinheiro com a venda de imóveis, mas no GP de Las Vegas, em 25 de setembro de 1982, a escuderia deu adeus às ilusões, atolada em uma dívida de US$ 7,5 milhões – hoje, R$ 22 milhões.

O empresário entregou os pontos, mas o piloto não. Depois de competir em algumas provas de Sport Protótipos, Emerson Fittipaldi arriscou-se na milionária Fórmula Indy norte-americana e voltou a ser o piloto espetacular de sempre. O dia 28 de julho de 1985 entrava na sua biografia e na história das corridas norte-americanas como a data em que o primeiro brasileiro venceu uma prova da Indycar. O empresário deu um tempo nos negócios, mas o piloto estava no topo do mundo.

Depois de 14 anos do bicampeonato da Fórmula 1 e das decepções no F-1 brasileiro, Emerson Fittipaldi voltava a ganhar um outro título mundial: o de campeão da Indycar de 1989. Uma façanha, com o Penske PC18 e a marca do pioneirismo de Fittipaldi, consagrando-se como o primeiro piloto não americano a chegar a tal conquista. Aos 43 anos, Emerson Fittipaldi, “Emmo” para os norte-americanos (no Brasil, seu apelido era Rato), tornava-se rei das pistas dos Estados Unidos. Trazia para o Brasil outro título inédito, além de desbravar as 500 Milhas de Indianápolis, com duas vitórias memoráveis. A última conquista de Fittipaldi, na sua longa carreira de 26 anos, foi também a 22a na Indycar e aconteceu em Nazareth, Pensilvânia, em 1995.

NA CORTE DOS INDYDÓLARES

O mundo norte-americano da velocidade sempre foi uma mina de ouro para os pilotos. Emerson Fittipaldi foi um dos bem-sucedidos na terra dos malucos circuitos ovais. Saiu de um buraco de US$ 7,5 milhões enterrados no Fórmula 1 brasileiro para, em apenas três anos, integrar o clube dos pilotos de US$ 1 milhão.

Em 1986, fechou a temporada em sétimo, embolsando o seu primeiro milhão de dólares. Em 1987, fechou em décimo, mas em 1988, e com o segundo lugar nas badaladas 500 Milhas de Indianápolis (que não faz parte do campeonato da Indy-Cart), subiu sua premiação para US$ 3 milhões.

Fittipaldi viveu os dois maiores mundos do automobilismo. Foi bicampeão na F-1, mas saiu falido. Aventurou-se no vespeiro da generosa Indy e ganhou todo ouro e fama que o seu talento permitiu. Fechou a carreira de 12 anos (1984 a 1996) de Indy-Cart rico e campeão. Em 1989, conquistou 22 vitórias e marcou outras tantas boas colocações que valeram, de acordo com o boletim oficial da Cart (Associação dos Construtores), a cota de prêmios de US$ 14.293.625. Tudo isso sem computar os prêmios das duas vitórias nas 500 Milhas de Indianápolis, que dá US$ 1 milhão ao vencedor e outros milhões em contratos pré-agendados de publicidade.

Fittipaldi (Foto:  )

EM OUTRAS MÁQUINAS Na fazenda de 800 alqueires em Araraquara, no interior de São Paulo. Eram bons tempos: 30 tratores e produção de 1 milhão de caixas de frutas por ano, exportadas para vários mercados

FITTIPALDI DAY

O sucesso de piloto vitorioso transformou Emerson Fittipaldi em um investidor de peso. Plantava laranjas em Araraquara (SP), fabricou lanchas nos Estados Unidos, volantes na Itália, tornou-se dono, no Brasil, da grife de moda masculina alemã Hugo Boss e chegou a ter uma fração de um autódromo na Califórnia e uma equipe de competição na Fórmula Indy-Mundial. Foram ativos no valor de US$ 30 milhões e vendas anuais que chegaram a US$ 60 milhões.

A fama do piloto inspirou até nome de rua. Miami ganhou a Emerson Fittipaldi Street, localizada no centro da cidade, e um dia em sua homenagem, dado pela prefeitura: o “Fittipaldi Day”, fixado no calendário anualmente em 20 de junho.

Era pelos negócios e pelo american way of life que Fittipaldi figurava nas colunas sociais e de economia. Ele comprou um avião H800 e inaugurou no Shopping Iguatemi, em São Paulo, mais uma loja Hugo Boss, com faturamento mundial de U$$ 930 milhões anuais. O piloto teve 67% do capital da grife no Brasil, que faturava por aqui US$ 7 milhões por ano. Também comprou 30 tratores Maxion no Rio Grande do Sul, no valor de US$ 660 mil, destinados à sua fazenda de 800 alqueires em Araraquara, com produção de 1 milhão de caixas de frutas por ano, exportadas para vários mercados. Considerada um modelo de projeto agrícola, a fazenda tinha cerca de 220 mil pés de laranja e vendas anuais de US$ 3 milhões.

A confortável mansão dos Fittipaldi em Miami Beach era requintada, dotada de quintal, piscina, sauna, quadra de tênis, garagem para quatro carros. Também tinha uma baía particular e um iate, o Joana II, nome da filha caçula.

Fittipaldi (Foto:  )

RELÍQUIA O piloto Richard Barber dirige um Copersucar durante o Masters Historic Racing Festival, no circuito de Brands Hatch. Exibição do carro que consumiu boa parte da fortuna dos irmãos Emerson e Wilsinho

Mas 20 anos depois de deixar as pistas como multicampeão, o empresário voltou a naufragar. Ao multiplicar empresas numa velocidade de F-1, ele acumulou dívidas que os cofres de seu império já não podiam saldar. Emerson Fittipaldi teve pressa no circuito errado, o dos negócios. E novamente faliu. Foi preciso apelar à Justiça para que seu histórico Lotus 72, do primeiro título da F-1, e carro da Indycar não fossem confiscados, juntamente com centenas de troféus.

No Brasil, ele chegou a ter dez empresas, mas também geriu mal os negócios. A situação se agravou ao ponto de nem ser aceita como penhora a fazenda de laranja em Araraquara, por encontrar-se em completo abandono. A usina de etanol e a nova plantação de laranjas – que chegou a ter 500 funcionários – não prosperaram, deixando um prejuízo de R$ 15 milhões com as desativações. Até o investimento que promoveu no automobilismo, “As 6 Horas de São Paulo”, realizado em Interlagos em 2012 e 2014, fecharam no vermelho. As ações de cobranças judiciais se multiplicaram – foram 112 no total. Agora, Emerson amarga uma dívida perto de R$ 27 milhões, cobrados pela Justiça desde 2015, quando foram bloqueados R$ 393 mil de suas contas em vários bancos.

Fittipaldi (Foto:  )

Retirada de um Copersucar da empresa de Emerson. Seus carros históricos ficaram à disposição da Justiça

Das 17 empresas fincadas em Miami, apenas duas estão na ativa. No entanto, Emerson nega estar falido e pede tempo para saldar as dívidas atuais. Acenou com a venda de bens, como a fazenda de laranjas, estimada, nos seus cálculos, em R$ 27 milhões, e um apartamento em Miami (R$ 7 milhões). Emerson não nega o agravamento da atual situação financeira, divulgada na mídia. Numa nota oficial, credita à atual crise econômica do país parte da culpa pelo problema e pede “prazo e compreensão para saldar as dívidas, garantindo que o volume de seus bens é superior aos débitos”. Insiste, no mesmo comunicado, que jamais se negou a dar esclarecimentos sobre o assunto e que busca parcerias e soluções para sair da penhora. Triste situação para quem driblou a morte várias vezes nas pistas e foi derrotado na selva dos investimentos. Lastimável é que, desta vez, o piloto não poderá socorrer o empresário.

Esta reportagem foi publicada na edição de setembro de 2017 de Época NEGÓCIOS

legenda branca fake (Foto: d.)

*LEMYR MARTINS é jornalista e fotógrafo, autor de seis livros sobre automobilismo – entre os quais A Saga dos Fittipaldi. Cobriu 304 GPs de Fórmula 1 e Seis Copas do Mundo

legenda branca fake (Foto: d.)

Fotos: 1 AP Photo/Seth Rossman; 2 Paul Gilham; 3 Miroslav Zajic; 4 George Tiedemann; 5 Claudio Rossi; 6 Darrell Ingham/Getty Images; 7 Reprodução