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Novo premier da Itália promete mudança radical em busca de apoio no Parlamento

Conte promete renda universal, redistribuição migratória e controle da dívida com crescimento
Primeir-ministro italiano, Giuseppe Conte, discursa ao Senado em busca de aprovação do novo governo. Ao lado, os líderes e atuais ministros, Luigi Di Maio (esq.), do Movimento Cinco Estrelas, e Matteo Salvini, da Liga Foto: ANDREAS SOLARO / AFP
Primeir-ministro italiano, Giuseppe Conte, discursa ao Senado em busca de aprovação do novo governo. Ao lado, os líderes e atuais ministros, Luigi Di Maio (esq.), do Movimento Cinco Estrelas, e Matteo Salvini, da Liga Foto: ANDREAS SOLARO / AFP

ROMA - O novo primeiro-ministro da Itália , Giuseppe Conte, prometeu nesta terça-feira implementar uma mudança radical no país, em seu primeiro discurso ao Parlamento antes da votação que deverá endossar o recém-empossado governo que pode desafiar regras da União Europeia em questões orçamentárias e migratórias.

Em discurso ao Senado, Conte estava acompanhado dos líderes Luigi Di Maio e Matteo Salvini, respectivamente do antissistema Movimento 5 Estrelas (M5S) e da Liga, de extrema-direita, dois partidos que deixaram as divergências de lado para formar uma coalizão de governo após a vitória nas eleições legislativas de 4 de março.

— A verdade é que criamos uma mudança radical, e estamos orgulhosos disso — disse ele aos senadores, que votarão a aprovação do novo governo ainda nesta terça-feira. — As forças políticas que compõem esse governo foram acusadas de serem populistas e antissistema. Se populismo significa que a classe governante escuta as necessidades do povo, e se antissistema significa buscar a introdução de um novo sistema que remova antigos privilégios inscrustados no poder, então essas forças políticas merecem esses dois epítetos.

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A coalizão tem uma maioria de dez votos no Senado e uma margem ainda mais ampla na Câmara, que deve votar o apoio ao novo governo na quarta-feira.

Conte, de 53 anos, discursou enquanto Di Maio e Salvini estavam sentados a seu lado, acenando positivamente com a cabeça em demonstração de apoio enquanto o professor de Direito apresenta os principais elementos da agenda política que os dois líderes finalizaram dias antes.

Di Maio assume o cargo de ministro do Trabalho e Indústria no novo governo, enquanto Salvini será responsável pela pasta do Interior, o que pode gerar dúvidas sobre a capacidade de Conte, que não tem experiência política, de deixar sua marca própria na pauta do governo.

Salvini se reuniu com o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, na segunda-feira, após a formação do governo — um contato que, como apontado por vários jornais italianos, deveria ter sido feito pelo novo premier, não por um dos integrantes do Gabinete. Como Orbán, Salvini se ancora em um discurso ultranacionalista, de rejeição à imigração.

RENDA UNIVERSAL E REDISTRIBUIÇÃO MIGRATÓRIA

Conte disse que as prioridades do governo serão lidar com as dificuldades sociais através da introdução de uma "renda universal" — projeto do M5S — e da contenção do fluxo de imigrantes irregulares — elemento-chave da política da Liga.

— O objetivo do governo é fornecer apoio de renda às famílias mais afetadas pelas dificuldades sócio-econômicas. O apoio será condicional a treinamento vocacional e reintegração profissional. Propomos, numa primeira fase, fortalecer os centros de emprego — prometeu Conte.

Ele também disse que pretende agir para ajudar aposentados que não têm renda suficiente para "viver de forma digna", propondo corte em benefícios de funcionários do Estado.

— Precisamos cortar as pensões e anuidades de parlamentares, conselheiros regionais e funcionários de órgãos constitucionais. As chamadas "pensões de ouro" são outro exemplo de privilégio injustificado ao qual devemos nos opor. Vamos intervir nas pensões que ultrapassarem € 5 mil por mês quando a soma não tiver sido coberta pelas contribuições pagas.

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Sobre uma das principais questões da eleição, diante da forte entrada de solicitantes de refúgio vindos da África, Conte disse que o governo vai acabar com o "negócio da imigração" — referência clara às ONGs que trabalham no resgate de migrantes no Mediterrâneo — que, segundo o premier, cresceu desproporcionalmente.

— Nós não somos e nunca seremos racistas. Queremos procedimentos que determinem o status dos refugiados para sermos assertivos e rápidos, para garantirmos efetivamente seus direitos — disse ele, indicando que vai reivindicar a distribuição igualitária da responsabilidade sobre imigrantes a fim de estabelecer um sistema automático de redistribuição obrigatória de solicitantes de asilo.

REDUÇÃO DA DÍVIDA ITALIANA, COM CRESCIMENTO

Conte também abordou um dos assuntos mais sensíveis para os mercados financeiros, dizendo que as regras de governança fiscal da zona do euro deveriam ser "destinadas a ajudar os cidadãos". Os mercados italianos e o euro sofreram uma forte liquidação na semana passada, diante do temor de a Itália poderia acumular mais dívida com a quebra de regras fiscais da zona do euro. O cenário de perda econômica levou, finalmente, à conclusão da nova formação de governo na semana passada.

O país já tem o maior fardo da dívida dos principais países da zona do euro, equivalente a cerca de 130% da produção econômica. Economistas estimam que a agenda política da coalizão acrescentaria dezenas de bilhões de euros ao gasto anual.

— A dívida pública da Itália está totalmente sustentável hoje — disse Conte. — No entanto, sua redução deve ser buscada, mas tendo em vista o crescimento econômico. A política fiscal e de gasto público deve ser voltada para a busca de objetivos estabelecidos para o crescimento estável e sustentável.

Ele ainda defendeu uma reforma tributária diante do efeito negativo da pesada carga tributária combinada com a burocracia italiana, o que gera uma relação difícil entre contribuintes e Estado:

— Nosso objetivo é o "imposto fixo", que é uma reforma com faixas de taxas fixas e um sistema de dedução que garanta a progressividade da arrecadação em plena harmonia com os princípios da Constituição. Essa é a única forma de trazer uma redução drástica à evasão fiscal, que terá benefícios em termos de mais economia fiscal, mais gasto do consumidor e investimentos.

Com base nos comentários de Conte, que confirmaram a agenda de quebra orçamentária da coalizão, títulos do governo italiano foram vendidos

— O discurso mostra que não há sinais de que qualquer uma de suas propostas serão diluídas — disse Antoine Bouvet, estrategista do banco japonês Mizuho. Os custos de empréstimo do governo da Itália para dez anos subiram 0,9 para 2,65%, e os de dois anos avançaram 0,11%, a 0,86%.

APROXIMAÇÃO COM RÚSSIA

Conte destacou que "a Europa é nossa casa" e, apesar da intenção da coalizão de aprimorar laços com a Rússia com o alívio de sanções, ele reafirmou os compromissos com a aliança militar com a Otan e com a parceira com os Estados Unidos.

— Seremos os promotores de uma revisão do sistema de sanções — afirmou. — Seremos partidários de uma abertura em relação à Rússia, que nos últimos anos reforçou seu papel internacional em várias crises geopolíticas — explicou Conte.