Opinião

A aposta equivocada no transporte rodoviário

No Brasil, 66% das mercadorias circulam por caminhão. Um contrassenso quando comparado com outros países. Nos EUA,por exemplo, são 43%

Agreve de caminhoneiros, que durou dez dias e paralisou o país, causando desabastecimento, afetando o funcionamento de escolas e hospitais, prejudicando a operação de termelétricas, deixando trabalhadores a pé, impondo prejuízos bilionários ao setor produtivo e levando o caos a aeroportos, expôs a incrível dependência ao transporte rodoviário, seja de cargas ou de passageiros.

Não se pode dizer que esse equívoco, que vai na contramão do que ocorre em outras grandes economias do mundo — até porque, como se sabe, os combustíveis fósseis são um dos vilões do meio ambiente —, seja problema recente, mas, até por isso mesmo, houve tempo para que fosse ao menos atenuado.

Nos anos 50, o país passou a priorizar o transporte rodoviário, a partir da indústria automobilística, e na abertura de estradas. Parecia um caminho bem pavimentado para o futuro. Mas vieram as crises do petróleo, no início e no fim dos anos 70. O modelo rateou, mas, essencialmente, não mudou. O transporte rodoviário até hoje mantém hegemonia avassaladora sobre o ferroviário, marítimo ou fluvial.

Como mostrou reportagem do GLOBO publicada domingo passado, 66% das mercadorias do país circulam por caminhão. Um contrassenso quando comparado com outros países. Na China, são apenas 32%; na Rússia, 5%; e nos Estados Unidos, 43%. E, é bom lembrar, o setor rodoviário está longe de ser bem resolvido — não é segredo que as estradas brasileiras estão em péssimo estado.

Especialistas dizem que problemas como falta de planejamento de longo prazo e modelos de concessão que despertam pouco interesse da iniciativa privada são alguns dos responsáveis pelo nó da infraestrutura. Outro dado que explica essa distorção é o do investimento público em transporte. Em meados da década de 1970, ele se aproximava de 2% do PIB. No ano passado, foi de apenas 0,16%.

Importante destacar que o transporte ferroviário não apenas deixou de avançar, como andou para trás. A malha de ferrovias em operação hoje é menor do que a que existia antes da privatização da RFFSA, nos anos 90. No Rio, os trens chegaram a transportar, nos anos 80, um milhão de passageiros por dia. Hoje, estão na faixa dos 700 mil.

O cenário poderia ser menos grave se, por exemplo, o trecho de 855 quilômetros da Ferrovia Norte-Sul, inaugurado por Dilma Rousseff em 2014, cumprisse o seu papel. Como mostrou reportagem do “Fantástico”, até hoje apenas sete composições, uma a cada sete meses, passaram pela estrada de ferro de R$ 8 bilhões, que liga Palmas (TO) a Anápolis (GO).

Que a greve dos caminhoneiros sirva de alerta para as autoridades públicas. Se o transporte no Brasil não fosse tão dependente de caminhões, ônibus e carros, talvez os efeitos para a população não fossem tão danosos, como se viu. E quem sabe o país ficasse menos vulnerável diante da intransigência de uma única categoria.