Desastre Ambiental em Mariana

Por Raquel Freitas, G1 MG — Belo Horizonte


Bento Rodrigues, em Mariana (MG), foi destruído com rompimento de Fundão — Foto: Alexandre Nascimento/G1

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que atua em cidades atingidas pelo desastre de Mariana, vê com reservas o acordo firmado na última segunda-feira (25) entre a Samarco, a Vale, a BHP Billiton, Fundação Renova e órgãos públicos. “Inicialmente, de novo, achamos que o acordo foi feito sem a participação, de fato, dos atingidos. (...) Para o MAB, esse acordo é feito com as empresas e não com os atingidos”, disse o integrante da coordenação estadual da entidade, Thiago Alves, nesta quarta-feira (27).

A barragem de Fundão, da Samarco, rompeu-se em 5 de novembro de 2015. Trinta e nove cidades em Minas Gerais e no Espírito Santo foram atingidas. O mar de lama matou 19 pessoas e devastou o Rio Doce.

Com o acordo, será praticamente extinta a ação no valor de R$ 20 bilhões, que deu origem ao acordo inicial que criou o Comitê Interfederativo (CIF), órgão que orienta e valida ações para reparação dos danos, e a Renova, fundação que atua na gestão dos programas e projetos. Já a ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF), no valor de R$ 155 bilhões, ficará suspensa, pelo menos, por até dois anos. “Agora as garantias são em torno de R$ 2 bilhões. É muito pouco. Então, mais uma vez as empresas saem ganhando neste sentido”, disse Alves. O acordo ainda precisa ser aprovado pela Justiça.

Oficialmente chamado de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) - Governança, ele prevê que os atingidos passem a integrar as estruturas do CIF e da Renova.

Para Alves, entretanto, a participação dos moradores ainda é insuficiente. “Apesar de os atingidos terem alguns espaços a mais, as empresas ainda são majoritárias. Então, para nós não adiantou muito. Existe desigualdade imensa de poder”, avaliou.

No novo acordo, ainda consta a contratação de assessorias técnicas para auxiliar comissões de moradores – também previstas no TAC. O integrante do MAB defende que essas assessorias deveriam ter começado a atuar antes do fechamento do termo, para que os moradores já tivessem melhores condições de opinar sobre ele.

Alves afirmou que, em janeiro e fevereiro, foram feitas algumas consultas aos atingidos, mas considerou o processo insuficiente.

Segundo ele, as assessorias técnicas já atuam em Mariana e Barra Longa e estão em processo de implantação em Rio Doce e Santa Cruz dos Escalvado, mas ainda precisam ser contratadas nos outros municípios afetados pelo rompimento da barragem de Fundão.

O integrante da coordenação do MAB reconheceu o esforço que tem sido feito pelos defensores públicos, promotores e procuradores, que viram como avanço a assinatura do acordo. “A crítica já foi feita ao Ministério Público, que é nosso parceiro. (...) A nossa crítica é às empresas”, afirmou.

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o TAC governança é um acordo intermediário e ainda precisa ser homologado pela 12ª Vara da Justiça Federal em Minas Gerais. A intenção é que, ao final do prazo de dois anos, os programas sejam readequados, visando à construção de um acordo final para reparação integral dos danos.

O promotor André Sperling Prado, do Ministério Público de Minas Gerais, disse que a crítica do movimento é válida. Segundo ele, a falta de participação dos atingidos na construção do documento seria um ponto fraco do acordo. “A gente tem que fazer o que é possível. (...) Neste momento, não tinha como construir um mecanismo de participação antes do acordo”, disse.

Entretanto, ele ponderou que o novo termo cria mecanismos para que os atingidos estejam empoderados e preparados para participar de todo processo de rediscussão dos programas, buscando a construção do acordo final.

O procurador José Adércio Leite Sampaio, coordenador da força-tarefa do MPF, também reconheceu a crítica feita pelo MAB. “No plano ideal, eles têm toda razão. A discussão do acordo deveria ter previamente passado em cada localidade e escutado cada localidade. Mas aí nos deparamos com algumas dificuldades (...) Eles não estão errados, mas era o que era possível”, pontuou.

Entre empecilhos, o procurador citou o fato de algumas comunidades já estarem “relativamente bem organizadas”, como em Mariana e em Barra Longa, e outras ao longo do Rio Doce, não. Assim como Prado, Sampaio disse que o TAC- Governança pretende dar maior poder de negociação ao atingidos. “Agora, estamos criando uma participação mais próxima da ideal”, falou.

A Samarco disse que o documento reafirmou o compromisso da empresa com as comunidades e locais impactados pelo rompimento de Fundão.

A Renova afirmou que “o envolvimento dos atingidos, das organizações civis, da academia, do poder público e dos especialistas é um pilar central na forma de a Fundação Renova encontrar e implementar as soluções que integram os 42 programas de sua plataforma”. Para o presidente da fundação, Roberto Waack, o poder de voto dos atingidos é um “avanço”.

Já a Vale infirmou que o “acordo representa um passo importante para a solução dos desafios resultantes do rompimento da barragem de Fundão, sobretudo por incrementar as bases de participação das pessoas atingidas nas instâncias de governança da Fundação Renova”.

Nesta quarta-feira (27), o G1 também entrou em contato com a BHP e aguarda um posicionamento.

No início da semana, a empresa afirmou que o TAC aprimora a participação das comunidades nas decisões relativas aos programas de reparação.

Rio Gualaxo do Norte, em Gesteira, distrito de Barra Longa, que ainda acumula lama de Fundão — Foto: Raquel Freitas/G1

Veja abaixo os principais pontos propostos pelo acordo

  • Extinção na quase totalidade de ação civil pública de R$ 20 bilhões; manutenção de suspensão de ação no valor de R$ 155 bilhões
  • Implementação de comissões locais de atingidos ou reconhecimento de comissões já existentes (a composição e o funcionamento serão decididos pelos próprios moradores).
  • Contratação de assessorias técnicas para auxiliar as comissões de moradores
  • Formulação de propostas, críticas e sugestões poderão sobre atuação do CIF, câmaras técnicas e da Renova poderão ser feitas pelas comissões locais
  • Adequação das formas de execução das ações a partir de acordo entre as comissões locais e a Renova
  • Criação do Fórum de Observadores, composto por representantes da sociedade civil, de grupos acadêmicos, das pessoas atingidas e dos povos e comunidades tradicionais atingidos
  • Criação de até seis câmaras regionais, que poderão propor mudanças nos programas e projetos de reparação
  • Criação de três assentos para atingidos ou técnicos indicados no Comitê Interfederativo (CIF) e um para técnico indicado pela Defensoria Pública (a escolha dos atingidos se dará por articulação das câmaras regionais)
  • Instituição de câmaras técnicas pelo CIF (essas câmaras são órgãos técnico-consultivos que vão auxiliar o comitê e terão participação de dois atingidos)
  • Criação de duas cadeiras para atingidos no conselho de curadores da Fundação Renova, que ainda conta com um representante indicado pelo CIF e seis pelas empresas
  • Atuação de auditoria externa e independente para fiscalizar a fundação e programas de fiscalização
  • Custeio por parte da Renova das despesas do CIF, das câmaras técnicas, das comissões locais, das câmaras regionais e do fórum de observadores
  • Ratificação por parte das empresas das garantias oferecidas à Justiça para o cumprimento das obrigações de custeio e financiamento dos programas no valor de R$ 2,2 bilhões
  • Estabelecimento de eventual processo de repactuação dos programas, visando à reparação integral dos danos (o processo terá prazo de 2 anos após homologação do acordo, podendo ser prorrogado por igual período)

Bento Rodrigues foi destruído pelo rompimento da barragem de Fundão — Foto: Raquel Freitas/G1

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