Brasil

Marielle Franco e "fake news" caem em questão do Enade 2018

Exame que avalia ensino superior pediu para estudantes escreverem sobre relação entre disseminação de informações falsas e manutenção da democracia
Grafite em homenagem a vereadora do PSOL na rua João Paulo I, no Rio Comprido. Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo
Grafite em homenagem a vereadora do PSOL na rua João Paulo I, no Rio Comprido. Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo

RIO - Os mais de 460 mil estudantes de ensino superior que realizaram o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) no último domingo, dia 25, tiveram que responder a uma questão sobre a morte da vereadora Marielle Franco e sobre as informações falsas que circularam sobre ela após seu assassinato.

A primeira questão discursiva da prova de formação geral trazia três textos para o aluno interpretar e escrever sobre. O texto 1 era um parágrafo sobre o Brasil ser o país onde mais morrem defensores dos direitos humanos no mundo. O texto 2 continha dois parágrafos sobre a vida de Marielle e as causas nas quais ela focava seu trabalho. O texto 3 era um parágrafo sobre a repercussão nas redes em torno do assassinato da vereadora e as mentiras que foram disseminadas “associando a vereadora a atos ilícitos”. A partir destes três textos, o estudante deveria elaborar um texto relacionando a defesa dos direitos humanos feita por Marielle e as mentiras que foram disseminadas sobre ela, explicando “os prejuízos da produção de notícias falsas para a sociedade democrática”.

O professor Ocimar Alavarse, coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação Educacional (Gepave), elogiou a questão por tratar de dois assuntos de ampla repercussão. Ele explica que a universidade é um espaço para desenvolvimento de raciocínio crítico e conhecimento de diferentes pontos de vista.

- Ainda que haja uma componente mais explícita de formação profissional, a universidade é um espaço onde se tem acesso a muito mais do que a própria profissão. É o espaço onde se pode exercer o direito de debater. Espera-se que o estudante tenha adquirido a capacidade argumentativa, entre outras, ao fim do curso. - afirma o especialista, completando - O caso Marielle é emblemático, ainda que extremamente polêmico. Não se pede, na questão, que o candidato diga se concorda ou discorda com as posições da vereadora. O que se pedia era que, diante de um conjunto de valores universais, os direitos humanos, o universitário discuta a possibilidade de as biografias serem alteradas, por exemplo. Quem está na universidade deve desenvolver esse tipo de produção escrita com maior propriedade do que quem está no ensino médio.

Por email, a assessoria de imprensa do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela prova, explicou que a elaboração do Enade tem um modelo de construção que visa garantir a ampla participação da comunidade acadêmica e, consequentemente, a pluralidade de ideias e abordagens teóricas em cada uma das áreas avaliadas.

Também explicou que as questões da prova de “Formação Geral”, particularmente, costumam estar inseridas “em contextos socialmente relevantes, que permitam um posicionamento crítico dos egressos em relação à temas complexos e que vão além de suas áreas de graduação”, conforme determina a Lei nº 10861/2004.

O instituto explica que a prova de Formação Geral mostra que a formação em nível superior deve estar intimamente relacionada com a formação de cidadãos capazes de interagir – de forma crítica, qualificada e democrática – com o mundo de que são parte.

Especificamente em relação à questão, o instituto afirma que o homicídio da vereadora Marielle Franco integra o “contexto brasileiro de assassinatos” e que a disseminação de informações falsas vem ganhando espaço nos debates internacionais “sobre a relação entre a manipulação da opinião pública e a democracia”.

“Em função dos impactos sociais que geram, tais temas se apresentam relevantes no cenário da educação superior e, portanto, adequados à prova de Formação Geral.
A reflexão e a problematização propostas por essa questão, assim como por todas as outras que compõem o componente de Formação Geral, estão em consonância com os princípios da prova publicados na Portaria Inep nº 444 de 30, de maio de 2018.”, conclui a nota da instituição.