Política

Análise: O 'novo' ainda não tem coragem de enfrentar a velha política

Apesar do apelo por renovação, candidatos à Presidência devem ser políticos tradicionais
Joaquim Barbosa em reunião no PSB, em abril Foto: Ailton de Freitas / Agência O Globo
Joaquim Barbosa em reunião no PSB, em abril Foto: Ailton de Freitas / Agência O Globo

SÃO PAULO — Desde a aniquilação provocada pela Operação Lava-Jato , o mito do "novo" na política tornou-se um desejo e uma torcida para muitos no Brasil. Movimentos sociais surgidos nos últimos três anos cresceram e formaram mais de 300 pretendentes, que serão candidatos em todo o país em outubro. A maior expressão do novo seria o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa . Discreto, meio mal humorado, imagem de austero e honesto graças ao duro julgamento do escândalo do mensalão, Barbosa personificava esse mito que partidos gostariam de explorar como um enorme ativo eleitoral este. Seria. Desistiu porque colocou a cabeça para dentro desse mundo e não gostou do que viu. Preferiu passar.

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Joaquim Barbosa não teve o que o matemático e ensaísta libanês Nassim Nicholas Taleb chama de “skin in the game”: coragem de arriscar o próprio pescoço em uma empreitada. O “novo” demonstrou baixa tolerância ao risco de entrar para a política, de enfrentar o “velho” em seu campo. E a verdade é que a maioria das pessoas em situação igual à sua faria o mesmo.

Antes de Barbosa, o apresentador Luciano Huck fez a mesma coisa. Flertou com a candidatura duas vezes, gostou de ser cortejado por políticos, expressou seus sonhos de um Brasil melhor... mas desistiu quando viu na mesa as perdas e danos que poderia ter. A política não é para qualquer um.

Os riscos para Barbosa eram claros. Ele foi procurador da República e ministro do Supremo. Tem carreira ilibada. Entrar na política seria um salto no desconhecido em companhia não muito confiável. Exigiria representar o PSB, um partido que tem alguns integrantes pilhados por corrupção na Operação Lava Jato, dividir palanques com figuras nem tão ilibadas, aceitar complicadas alianças políticas de ocasião, enfrentar o jogo partidário por recursos e ser alvo de (ainda que inconsistentes) acusações. Políticos vivem isso diariamente e, salvo quando são pilhados em algum escândalo, toleram numa boa.

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Sem Joaquim Barbosa, o eleitor não terá à disposição um candidato competitivo que personifique o “novo” na disputa presidencial mais confusa desde a redemocratização. À exceção de candidatos de partidos pequenos, os maiores concorrentes que restam são todos políticos profissionais, experientes em eleições.

O que é chamado de “velho” na política foi bastante abalado pela Lava Jato, mas ainda é extremamente forte. A desistência de Barbosa pode ser uma decepção para muitos, mas injeta maturidade no público: mudanças no jogo político são difíceis, exigem muito mais do que investigações, punições e voluntarismo e levarão mais tempo do que gostamos de imaginar. E nenhum fator à vista indica que este jogo será alterado por um outsider.