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Quem escreve

CRÔNCA DE SEGUNDA

Dribla, Cebolinha, e salva o futebol

Everton, o ponta esquerda da seleção

Falta maluco, algum outro jogador feito esse Cebolinha. Um sujeito que faça uma molecagem qualquer, um drible da vaca que humilhe - a bola indo para um lado e o brasileiro dando a volta pelo outro - e deixe o argentino sem saber em que direção correr para, quando chegar em Buenos Aires, não ser chamado de "boludo".

Falta alegria. Amanhã, quando a seleção entrar em campo para a semifinal com a Argentina é preciso lembrar que foi assim, o Garrincha fingindo que ia-não-ia, e mais ainda o Clodoaldo anarquizando geral com os italianos no meio do campo - foi assim, debochando dos gringos, que o Brasil  deixou de lado o complexo de vira-lata. Sem drible é outro país, apenas uns falsos bacanas tirando onda de atualizados com os técnicos europeus. Falta um maluco, um entortador de zagueiros que redesenhe a pedalada, o elástico, a foca e invente uma nova coleção de dribles para a galeria de orgulhos nacionais.

O futebol anda chato e não é só por causa das insuportáveis paralisações do VAR, dos juízes que batem boca com jogadores, dos chutões e outras mumunhas. Basta ver o Tite falando "treinabilidade" para saber que assim não se estufa gostoso o véu da noiva. O gol não sai, ninguém corre para o abraço e não se ouve no rádio de pilha da memória aquele locutor ainda sem papas na língua, ainda sem medo de processos, que gritava a inocência comemorativa de um gol com o orgástico "a nega tá lá dentro".

É sintomático que os maiores nomes do esporte no momento sejam os dos técnicos Klopp e Guardiola, autores de best-sellers complicados sobre suas estratégias ainda mais. No campo, eles são traduzidos por Modric, o melhor do mundo em 2018. O croata é elogiado pela "saída de bola competente", pela capacidade de, ao mesmo tempo, ser bom marcador e armador, "com giros e inversões rápidas para os flancos".

Modric faz um gol por ano. Seu drible também é de periodicidade anual. Alguém vai ao estádio para ver como grande atração a arte previsível de Modric?

Está em moda o culto à posse de bola, essa bizarrice que não vai ao que interessa - meter a bola na rede. Gerson, o tri-campeão, seria proibido de fazer passes de 40 metros na medalhinha do Pelé. Teria que sair do meio de campo e ir até lá na grande área para, com segurança, sem perder a posse de bola, botar a mesma aos serviços do Rei. O moderno, dizem, é que fiquem todos trocando passes curtinhos, sonolentos, geralmente na horizontal do campo ou para trás. Há quem prefira Rivotril.

Só o drible, que o politicamente correto acha ser um desrespeito ao adversário, salvará o futebol brasileiro do pecado de querer ser uma cópia mal feita dos técnicos garantistas, da bola sempre presa ao pé.

Nessa seleção brasileira de jogadores tediosamente eficientes, nessa chatice internacional dos volantes de contenção, falta maluco como o Everton Cebolinha, e nele vão as esperanças contra os argentinos. Esquisito do cabelo aos pés, ele é desses sujeitos, como o Garrincha com as pernas tortas diante do futebol científico dos russos, capazes de, com uma caneta entre as pernas adversárias, desmoralizar as pranchetas do professor - e novamente encher os estádios de espanto, gol e gargalhada.

 

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