Cultura

Madonna faz sua entrada na grande festa do pop global com 'Madame X'

Colômbia, Brasil e Portugal contaminam o novo álbum da cantora, lançado nesta sexta-feira, que levou a revolução cultural de Nova York para o mundo
A cantora Madonna, que lança seu 14° álbum, 'Madame X' Foto: Divulgação
A cantora Madonna, que lança seu 14° álbum, 'Madame X' Foto: Divulgação

RIO - Trinta e seis anos atrás, Madonna apontava o xis da questão: e se alguém conseguisse encarnar todo o rebuliço multirracial da cultura dos porões de Nova York — música, letra, dança, vídeo — em um só trabalho, mas um com alto potencial de visibilidade? O mundo seria o limite, e de fato foi: "Madonna" (1983), o LP, lançou aquela que se tornaria a mais importante figura feminina da história da música pop. A mesma que volta ao ataque, esta sexta-feira, com seu 14° álbum, "Madame X" .

Espelho no qual as grandes estrelas têm obrigatoriamente que se mirar — Beyoncé, Rihanna, Lady Gaga, Katy Perry, Shakira, Anitta, não há quem escape —, Madonna chega aos 60 anos de idade tendo que reconhecer que aquela sua Nova York hoje bem pode ser qualquer lugar.

Do seu novo ponto de observação — a cidade de Lisboa , onde foi morar em 2017 para que um de seus filhos, David Banda, adotado no Malawi, pudesse entrar para a academia de futebol do Benfica —, ela faz em "Madame X" um inventário do pop global que ajudou a semear.

Em tempos de explosão da música latina pós-"Despacito" , a cantora de "La isla bonita" (1986) traz dois duetos com o astro colombiano do reggaeton Maluma : "Medellin" (no qual ela fantasia uma volta à ingenuidade dos seus 17 anos de idade) e "Bitch, I'm loca" , faixas bilingues com muito apelo dançante e boas porções de lascívia. No entanto, depois do inglês, é o português (e não o espanhol), a língua mais ouvida no disco — em quatro faixas, para ser exato.

No Brasil, a mais aguardada delas é "Faz gostoso" . Ex-parceira de Maluma (na canção "Sim ou não", que chegou às paradas do Chile, México e Portugal), Anitta traça vozes — e línguas — com Madonna em uma música de grande sucesso em Portugal, lançada pela cantora brasileira (mas desde criança radicada no país) Blaya . A estrela carioca havia cantado a música de Blaya ano passado em seu show no Rock in Rio em Lisboa .

"Faz gostoso" é a primeira incursão de Madonna no ritmo do funk carioca, música que sofreu grande influência do DJ Afrika Bambaataa , um dos pais do hip hop e uma das figuras centrais da cena cultural de Nova York na qual a cantora se formou.

A língua portuguesa também dá o ar da sua graça — e na voz de Madonna, com um sotaque entre o carioca e o lusitano — na política canção "Killers who are partying" ("o mundo é selvagem, o caminho é solitário", canta ela), na romântica "Crazy" ("você pensa que eu sou louca / você não vai me botar louca") e na mística com toques de música indiana "Extreme occident" ("aquilo que mais me magoa / é que eu não estava perdida").

"Madame X" terá uma turnê de shows intimistas , que Madonna levará ao Coliseu de Lisboa, em janeiro, depois de passar por Nova York (em setembro), Chicago, Las Vegas, Los Angeles, Boston, Filadélfia e Miami. Além de oferecer referências visuais para o material gráfico da cantora, Portugal também deixa vestígios no disco no violão fadístico de "Killers who are partying" e em "Batuka" , faixa que tem a participação da Orquestra de Batukadeiras de Portugal.

Alvos preferenciais

Álbum de Madonna mais sombrio que de costume, "Madame X" ofereceu à cantora oportunidades para voltar atacar os seus alvos preferenciais: intolerância, hipocrisia, desigualdade e opressão.

"Killers who are partying", por exemplo, ela abre anunciando: "eu serei gay se os gays forem incinerados". Não por acaso, a dias do lançamento do álbum, a cantora soltou o clipe da faixa "Dark balllet" , um duro ataque à igreja, estrelado pelo rapper transgênero e soropositivo Mykki Blanco. Cheio de perturbadoras referências (inclusive a Joana D'Arc, heroína francesa que foi queimada viva na Inquisição), o vídeo renovou a capacidade da artista de provocar polêmicas e apresentou uma das suas canções mais intrincadas — e com mais possibilidades teatrais na transposição para o palco.

Com referências ao passado de house music ( "God control" , "I don't search I find" ), uma escapada pelo reggae moderno ( "Future" , com participação do rapper Quavo, do trio Migos, e produção do DJ americano Diplo, especialista em funk carioca ) um pouco mais de romance ( "Crave" , com o rapper Swae Lee) e faixas que miram na redenção religiosa ( "Come alive" e as finais "Mercy" e "I rise" ), "Madame X" é Madonna sem tirar nem pôr: entre Nova York e o mundo, a dança e a reflexão, o Céu e o inferno, o amor e o sexo.