RIO - “Acham que os moradores de rua são todos iguais, mas cada um tem a sua história”, sentencia Luís Feitoza, que acabou na Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, após ser expulso de casa por uma milícia. As razões que levam milhares de pessoas a criar um lar sob marquises passam por desemprego, dependência química, transtornos psiquiátricos, déficit habitacional, violência e transporte caro. Esses retratos, muitas vezes, se sobrepõem e se agravam pela falta de pesquisas e de políticas públicas.
— O poder público insiste em pender apenas para o lado da assistência social ou da segurança. O perfil dessa população, que nem é abrangida pelo Censo do IBGE, é diverso — diz a socióloga Natália Melo, que fez doutorado na Universidade Federal de São Carlos sobre o tema. — Não dá para fazer política pública sem ter conhecimento mínimo sobre o tema. A única pesquisa nacional foi em 2009, quando se realizou o decreto de Política Nacional para População de Rua. Foram, então, previstas políticas intersetoriais, mas a tendência maior é invisibilizar essa população, reprimir e colocar em abrigos. Precisamos investir mais em política de habitação.
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Após um morador de rua em surto matar a facadas duas pessoas na Lagoa, em julho, a prefeitura criou regras para internações compulsórias, que ainda não aconteceram. Mas as operações se intensificaram, e município e estado iniciaram o programa Marcha da Cidadania e Ordem na semana passada. Nos primeiros cinco dias, abordaram 144 sem-teto, 60% deles dependentes químicos segundo a Secretaria de Estado.
Enquanto cresce o cerco sobre os moradores de rua, especialistas reagem destacando a falta de soluções concretas. Segundo a Defensoria Pública, há 15 mil moradores de rua no Rio para apenas 2,3 mil vagas em abrigos. Nos quatro institutos de saúde mental, são 439 leitos, mas um levantamento do GLOBO há três semanas mostrou que apenas 6% estavam livres . O município também tem 34 Centros de Atenção Psicossocial, e muitos com falta de medicamentos e salários. Ademais, nos últimos anos, houve reduções significativas nos orçamentos das secretarias municipais de Saúde e Assistência Social.
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E os moradores de rua, cujas vozes não conseguem se impor, lamentam as operações.
— Estamos pagando o preço por aquele assassinato — afirma Luiz Feitoza.
Violência
Nas ruas, não são poucos os casos de pessoas perseguidas por milicianos ou pelo tráfico. Hoje, a milícia está em pelo menos 26 bairros do Rio, e 14 cidades do interior, afetando uma população de cerca de 2,2 milhões. Uma das vítimas desse universo é Luis Araujo Feitoza, que trocou sua casa, em Ramos, por bancos da Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, após a ação de milicianos.
— Eu trabalhava numa veterinária no Méier e falaram para a milícia que eu cuidava de bicho de traficantes do Lins. Além disso, inventaram que eu estava roubando dinheiro da minha mãe, com Alzheimer — explica Feitoza, sobre sua “condenação pelo tribunal da milícia”, em 2013. — Meus pais faleceram, e não tenho contato com parentes próximos. Hoje não tenho condições de voltar para Ramos.
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Com cabelo e cavanhaque bem cuidados, Feitoza não se assemelha à maioria dos moradores de rua. Ele ressalta que a rua não é para ele, e que acredita estar num momento passageiro. Nos últimos anos, se converteu à igreja evangélica, e sobreviveu de bicos, desde panfletagem a peão de obra, mas sofre com a falta de oportunidades.
— Já passei por trabalhos análogos à escravidão. Meu último emprego foi numa fábrica de fertilizantes em Uberaba, onde sofri com contaminação de enxofre.
Numa mala, guarda todos seus pertences, o que inclui roupas de suas bandas favoritas, como Metallica e Guns’n Roses. O estilo metaleiro também se reflete nas tatuagens de caveira espalhadas pelo corpo e no talento para tocar guitarra. Atualmente, a oportunidade de tocar o instrumento acontece na igreja evangélica Up House, que ele frequenta.
— Minha vida foi de cabeça para baixo, mas creio que vai voltar ao normal. Leio a bíblia, converso com a natureza... São formas de higiene mental — afirma Feitoza, que pensa em escrever uma autobiografia. — Vivo no meu mundo, escrevendo, desenhando e criando músicas. Às vezes, nem me dão comida na fila de doação porque acham que não sou um morador de rua de verdade.
Passagem cara
Há mais de 20 anos no Rio, o artista plástico Antônio Carlos da Silva, de 56 anos, conta nos dedos as vezes que conseguiu ir à sua casa em Magé, onde vivem dois dos seus três filhos. A gota d'água que o fez abandonar Magé foi a morte precoce da mulher. O casal vivia junto há dez anos, e Antônio Carlos jogou tudo para o alto. Entrou em depressão, deixou as crianças com parentes e veio para no Rio. Em tratamento psiquiátrico, sonha em rever sua casa e sua família. Mas o valor das passagens é alto para ele. Só para ir, usando dois ônibus, é preciso desembolsar R$ 15,15. Para se beneficiar do bilhete único (R$ 8,55), teria que se cadastrar na Fetranspor.
— Sinto saudade da minha casa. Mas como posso gastar tanto dinheiro com passagem? Ainda mais agora que a fiscalização levou minhas coisas, inclusive o que eu vendo em feiras de arte para arrumar dinheiro para comer. Roupas, tento conseguir com instituições. Não é porque a gente é morador de rua que tem que ser fedorento — sentencia.
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Antônio Carlos conta que chegou a cursar os primeiros períodos de sociologia na Uerj, antes de casar, cedo, aos 22 anos.
Há dois anos, começou a se tratar num hospital público, passando a tratar da depressão. E se envolve em atividades e cursos de ONGs e igrejas para tentar se reerguer:
— Quanto mais conhecimento, melhor.
Dependência química
Quando acorda, o mineiro de Belo Horizonte Leandro Luiz de Amorim não bebe água nem café. Goles de cachaça são sua primeira refeição do dia. Aos 9 anos, começou a beber, e aos 14 passou a usar cocaína. Por causa do vício, no início de janeiro, sua mulher o expulsou de casa, na Vila Cruzeiro, na Penha. E ele passou a viver numa passagem conhecida como Boca do Lobo, que liga as ruas Edmundo Bittencourt e Santa Clara, no Bairro Peixoto. Leandro já conhecia marquises de Copacabana, onde, abatido pela droga, tinha dormido algumas noites nos últimos anos. Com o basta da esposa, no entanto, o que era eventual passou a ser definitivo.
— Sinto tanta saudade dos meus filhos. O mais velho, de 18 anos, está fazendo Direito na UniRio. Às vezes, vou lá para tentar encontrar meu menino e choro. Que bom que conseguiu entrar para a faculdade — conta ele, com lágrimas nos olhos.
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Ao falar do menor, de 16 anos, ele se enche de tristeza:
— Não quer estudar, trabalha para traficante. Quando dou um tapa nele, ele me dá dois.
Leandro completa 46 anos no próximo dia 3. Com o segundo ano do Ensino Médio e técnico em operação de máquinas, ele chegou ao Rio há 25 anos, com a mulher, mãe de seus dois filhos. Chegou a ser empregado como segurança. Há alguns anos, porém, perdeu o emprego e vive de bico, montando e desmontando barracas de ambulantes de praia. O dinheiro usa para comer e sustentar seus vícios.
— Tem dia que ganho só R$ 30. Quase não vou na minha casa ver meus filhos. Não tenho o que levar — lamenta.
Desemprego
Jorge Roberto Machado, de 34 anos, teve uma infância pobre, em Pelotas, mas conseguiu se manter por muitos anos através da confeitaria. Hoje, porém, é parte da estatística recorde de desemprego no Rio. No primeiro trimestre do ano, segundo o IBGE, o problema atingiu 1.358 milhão de pessoas, ou 15% da população.
Machado passou grande parte da vida em Florianópolis, onde diz ter trabalhado em importantes redes de supermercados. Mas lá sofreu com o racismo (“minha figura assustava na cozinha, um negro cheio de dreads”) e, por causa do estresse e brigas com a esposa, chegou a ter depressão. Resolveu trocar de emprego, e, enquanto era garçom num bar de Jurerê Internacional, recebeu o convite para vir ao Rio trabalhar num hostel em Santa Teresa, há cerca de três anos.
O estabelecimento, porém, sofria com a crise econômica, e os salários atrasavam. Machado decidiu, como solução, voltar a fazer doces e vendê-los na praia. Uma ex-esposa (ele casou duas vezes, e tem dois filhos) lhe reencontrou no Rio e alugavam um apartamento na Rua Riachuelo. Mas as vendas diminuíram, o dinheiro cessou, a mulher e o filho retornaram ao Sul, e ele não conseguia mais pagar aluguel. Há quase dois anos vive na Avenida Marechal Câmara, em frente à Defensoria Pública.
Por ser bastante articulado tornou-se espécie de síndico daquela comunidade, onde dormem de 30 a 40 pessoas por noite.
— Protejo os mais novos, ajudo na divisão das doações de comida e as pessoas me pedem conselhos. As mulheres são quem mais sofrem, pois já são objetificadas na sociedade, imagina aqui. Me tornei um tipo de porta-voz da comunidade — explicou Machado, que participa de ações sociais, como o Yoga da Rua e a Roda de Capoeira do Mestre Ferradura. — Essas atividades ajudam até quem precisa tratar o vício. As ações da prefeitura não adiantam nada, nos tratam como bichos.
Machado diz que, no início da fase na rua, tentou montar um projeto de confeitaria com outras duas pessoas. Depois de doações, conseguiram alugar um imóvel em Sepetiba, mas sofreram com a retaliação da milícia, pois um dos amigos havia sido integrante de uma facção do tráfico.
Atualmente se comunica com os filhos pelo Facebook, mas diz que eles não sabem de suas condições, apenas as ex-mulheres. Os pais são falecidos, mas tem um irmão mais velho, que há muito vive em Londres, e que já lhe deu dinheiro. Hoje, seu sonho é dar a volta por cima através de trabalhos artísticos, mas aceitaria qualquer oferta digna de emprego.
— Eu escrevo muito rap, com letras sobre nosso cotidiano. Também tenho um projeto de youtube, para entrevistar moradores de rua. Nessa bolha que estou as portas se fecham, é sufocante, assusta as pessoas quando você diz que parou na rua, mesmo os amigos. Se parar para pensar, não era para eu estar aqui, mas sei que algo de bom ainda vai acontecer.
Preconceito de gênero
Muitas vezes, a rua acaba sendo a única saída para mulheres trans e travestis. Num contexto de forte preconceito, os grupos marginalizados são um dos fatores que explicam a alta da população de rua. Na nova situação, porém, a vulnerabilidade se agrava, com potencialização da violência e doenças transmissíveis.
Com apenas 17 anos, a trans Milena Silva saiu de casa, em Austin (Nova Iguaçu). Hoje, aos 35 anos, ela já passou por muitos becos principalmente na região central da cidade, e nos últimos cinco anos viveu numa ocupação em Niterói, ao lado do hospital Santa Cruz. Mas, os então moradores foram expulsos pelo tráfico, que tomou o local. Atualmente, vive numa casa improvisada de papelão e compensado no Largo da Glória.
Milena tem um companheiro, e faz programas para se sustentar. Mas, essa atividade, que lhe rendia cerca de R$50 por programa, estão sendo cada vez mais evitados. Um dos motivos é que ela possui o vírus HIV. Por isso, se trata na Fiocruz (de onde só guarda elogios).
— Tenho quatro irmãs e dois irmãos. A mais velha, que botava dinheiro na casa após a morte dos meus pais, falou que minha mãe não havia parido um homem para virar viado — explica ela, sobre a ruptura familiar que lhe levou às ruas. — Às vezes eu ainda volto para Nova Iguaçu, mas minhas irmãs não sabem da minha real condição. Apenas uma de fato tenta cuidar de mim, e é por ela que me preocupo. Quero que ela ache que estou bem.
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Por medida de segurança, as trans e travestis costumam andar juntas. O grupo de Milena, que usa maconha e cocaína, tem 12 pessoas atualmente, mas já foi maior. Algumas foram presas, internadas, ou morreram.
— Os abrigos são horríveis, tem muita droga. Depois do assassinato na Lagoa, a repressão aumentou. Os agentes pegaram as facas que a gente usava para cortar legumes e falaram que era culpa do “nosso amigo”. Meu maior problema é falta de trabalho, não dão oportunidade para as trans — explica Milena, que busca vagas como faxineira e trabalhos domésticos.
Depressão
A vida de Marlon da Cunha Nascimento, de 33 anos, deu muitas voltas. Órfão de pai e mãe, aos 5 anos saiu de Curitiba. O destino era a casa de uma tia, em Cabo Frio. Como precisava trabalhar, a mulher o colocou em um orfanato. Lá Marlon ficou até os 10 anos, quando voltou para Paraná, dessa vez para morar com a avó paterna. Lá foi aprendiz de hotelaria, e chegou e a concluir o Ensino Médio. Ainda menor, decidiu tentar a vida no Rio. Alugou um quarto no Jacarezinho e conseguiu emprego num hotel. Aos 18, conheceu uma moça na comunidade e passaram a morar juntos. Por não falar inglês, perdeu o emprego no hotel e virou camelô de comida e bebida. E a família foi crescendo. Com a morte do quarto filho, há 8 anos, veio a depressão profunda. A criança nasceu prematura, com sopro no coração, e precisou ser levada para outro hospital, enquanto a mãe, necessitando de cuidados por causa de pressão alta, permaneceu na unidade onde o bebê nasceu.
- O meu caçula morreu, e minha mulher me culpou. Dizia que não cuidei dele. Entrei em depressão e ceguei. Fui para a rua, não conseguia fazer nada, não queria falar com ninguém. E a rua é um círculo vicioso. Você acaba bebendo, usando cocaína, pedra. A gente experimenta de tudo. Mas não me viciei.
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Esmola Marlon diz que nunca pediu:
- Não sou mangueador (pedinte), não mangueio. Faço dinheiro rápido para comprar o que preciso. Empurro carrocinha de pipoca, entrego panfleto.
Há cerca de três anos e meio, começou a se tratar com uma psicóloga e diz que se sente melhor. Mais recentemente, começou a frequentar o Instituto Lar, uma ONG no Centro que oferece cursos, atividades e atendimentos a moradores de rua. As idas ao Jacarezinho para ver seus filhos de 14, 10 e 9 anos, no entanto, são raras. O motivo: o preço das passagens.
Déficit habitacional
Ainda menina, a paraense Lilian Aparecida Araújo de Lima, hoje com 42 anos, migrou de Belém para o Rio. A família veio em busca de uma vida melhor e se instalou numa casa alugada dentro de uma comunidade em Santa Cruz. Lilian teve uma filha, perdeu a mãe, mas seguia tocando o barco, apesar das dificuldades. Tinha trabalho. Até que, há dois anos, depois de uma década como auxiliar de serviços gerais numa mesma empresa, perdeu o emprego.
A filha, que se envolveu com drogas, já tinha saído de casa, se jogou no mundo e deixou para trás uma criança. Sem ter como pagar o aluguel e com o neto para sustentar, seguiu um grupo que invadiu um terreno em São Cristóvão, onde construiu um barraco. A trégua foi por pouco tempo. Logo, os invasores foram retirados da área e levados para um abrigo.
— Abrigo não é vida para ninguém. Só isso não basta. Às vezes, nem água para tomar banho a gente tem. Não oferecem um curso. Quero fazer um curso e ter oportunidade de trabalho — diz.
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Lilian ficou dois meses no abrigo e o aluguel social, segundo ela prometido pela prefeitura, não saiu. Sem casa, vive há oito meses com o neto Andrew, de 10 anos, sob uma marquise ao lado da Igreja Universal do Reino de Deus, na Cinelândia. Para arrumar os trocados para a comida, ela e Andrew revendem balas e chicletes que compram perto da Central.
Operações de choque de ordem já levaram quase todas as roupas que tinha, e sua carteira de trabalho desapareceu. Mas a sua identidade e a certidão de nascimento do garoto, garante, estão preservadas na casa de uma amiga.
— Como sonho com uma casa... Não queria criar meu neto na rua. Quem quer morar na rua? — indaga.
Migração
Quem se depara com o sergipano Antônio Fernando dos Santos, de 25 anos, não imagina que se trata de um morador de rua. Ele procura se manter bem arrumado. A mochila — com roupas, cobertas e sapatos — é colocada estrategicamente num saco preto, que ele acomoda entre os galhos de uma árvore na Rua Marechal Câmara, no Centro. Quando deixou Aracaju, há sete anos e pouco estudo — parou na quinta série — veio cheio de esperança:
— O meu sonho era trabalhar e formar uma família no Rio. Mas a vida aqui tem sido muito sofrida. Chega. Agora, estou juntando dinheiro para voltar para minha terra. Lá, tenho meus parentes e posso trabalhar na roça.
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O jovem chegou ao Rio já com trabalho na Ceasa e quitinete no Irajá acertados. Tudo caminhava bem até perder o emprego há dois anos. Encontrou outro, como atendente numa barraca na Praia de Copacabana. Só que os R$ 50 por dia que recebe passaram a não ser suficientes para seu sustento. Tampouco para formar uma família.
— Ou pagava o aluguel, de R$ 350, ou comia. Então, há oito meses, decidi morar na rua. Queria um emprego que desse para eu viver. Só que não existe. E não é por falta de procurar.
Os R$ 50 por dia são distribuídos estrategicamente. Parte é gasto com comida e passagens — ele optou por dormir numa marquise afastada de seu local de trabalho para não correr o risco de ser reconhecido por um freguês. O restante guarda para poder voltar para Sergipe um dia.
Drogas e amor na rua
Lúcio José da Silva, de 32 anos, saiu de sua casa, em Japeri, há 15. Usuário de cocaína, diz não ser viciado, mas admite que não queria consumir na frente da sua avó, de 102 anos. Ele explica que sua família já sofreu com problemas de drogas e alcóol, como na morte do tio, por causa do vício na cachaça. Costuma catar papel nas ruas ou vender balas, e a Praça do Russel é um dos seus principais destinos. Mas, há três meses mora num quarto, na comunidade do Santo Amaro, pois se juntou a Marelene Aparecida, conhecida como Penélope. Ela, ex-viciada em crack, conseguiu se limpar — apesar das pequenas recaídas — há sete anos, e, agora com emprego de faxineira, foi capaz de trocar a rua por uma cama.
Os dois se conheceram há cerca de três anos, no presépio natalino montado anualmente na Glória, região que ambos frequentam há tempos. Eles ainda participam de algumas ações para moradores de rua, como a distribuição de café da manhã no Largo da Glória. Apesar de estarem relativiamente estabilizados neste momento, não negam que a droga é um temor constante.
— Eu queria ter um tratamento direto, com acompanhamento. Tenho medo de uma recaída e parar na rua de novo — afirma Marlene.
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Lúcio começou a usar drogas depois que foi rejeitado no quartel, com 17 anos.
— Eu nunca procurei tratamento, mas gostaria de ter. Eu queria melhorar e ter oportunidade de emprego — afirma Lúcio José, que reclama das condições dos abrigos. — Não é lugar para ser-humano. Se você quer melhorar, não é bom ir para lá não.
Marlene, de 40 anos, ganhou o apelido de Penélope por usar um cachimbo rosa na época de cracolândia. Ela nasceu no Rio Grande do Sul, mas foi criada em Iguapé (SP). Tentou a vida no Rio há 22 anos, mas se perdeu nas drogas. Morou em cracolândias, como o do Cajueiro, mas explicou que curou o vício no posto de saúde da Praça Cruz Vermelha, no Centro.
— Eu procurei o SUS, foi o que me salvou. Me fizeram diminuir as doses aos poucos, e misturar com água. Às vezes, na loucura, ainda uso, mas não estou viciada há sete anos — explica ela, que trouxe a filha, de 13 anos, para morar com ela recentemente. — Hoje consigo trabalhar com faxina e alugar um quarto.