RIO — A gravidade da crise na saúde do estado pode ser traduzida em números. O governo do Rio começou o ano com dívida de R$ 6,2 bilhões com fornecedores e prestadores de serviço da saúde. É a maior entre todas as áreas, superando até a da segurança pública. Com isso, o total da receita do estado aplicado em saúde só faz cair. No ano passado, foi de apenas R$ 1,9 bilhão, quase a metade dos R$ 3,7 bilhões investidos em 2014, antes do auge da crise fluminense.
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Os valores constam de um relatório do Ministério Público do Rio (MPRJ) e refletem as dificuldades enfrentadas por pacientes nos hospitais da rede estadual — entre eles, o Getulio Vargas, na Penha, onde a paciente Irene de Jesus Bento, de 54 anos, morreu no fim de semana, após de ter o atendimento negado na emergência.
Na quinta-feira de manhã, ao ser questionado sobre os problemas no Hospital Getulio Vargas, o secretário estadual de Saúde, Sérgio D’Abreu Gama, afirmou que “não faltam recursos” para o setor e que “todos os contratos estão em dia”. A Secretaria de Saúde determinou intervenção na unidade para apurar a morte e reavaliar todos os protocolos de classificação de risco dos pacientes. Uma sindicância foi aberta para apurar a responsabilidade da equipe médica no caso.
Nas unidades de saúde, no entanto, o quadro se revela diferente do que afirma o secretário. Ontem, Severina Lima Batista, de 75 anos, deu entrada às 10h no Hospital Estadual Carlos Chagas, em Marechal Hermes, contorcendo-se de dor, devido a uma pedra na vesícula, com a indicação de que deveria ser operada. Colocada numa maca, às 17h ela estava do mesmo jeito que chegou. Segundo uma funcionária, a emergência está dando preferência a pacientes acidentados ou baleados.
— Querem esperar que a pessoa morra para depois dar condolências? É muita desumanidade — protestou a filha dela, Telma Maria Batista, que a acompanhava.
LEI DESCUMPRIDA
Enquanto na ponta os pacientes sofrem, o Ministério Públicos, desde agosto de 2016, apura o descumprimento, por parte do governo, do mínimo legal que o estado deveria investir em Saúde (12% da receita corrente líquida). Segundo os promotores, a situação persiste no Rio pelo menos desde 2014. Os R$ 3,7 bilhões aplicados naquele ano, segundo cálculos do MP, representaram 10,82% da receita. Desde então, essa proporção caiu ano a ano até chegar aos 5,1% de 2017, menos da metade do que deveria investir, afirma o relatório da 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Saúde da Capital.
ACORDO É DESCUMPRIDO
Numa curva contrária, o endividamento do setor só aumenta: o estado fechou 2014 com R$ 800 milhões em restos a pagar, e em 2016 já devia R$ 3,2 bilhões. A dívida quase dobrou ao longo do ano passado. Como das consequência, diz o MPRJ, os fornecedores perderam confiança no estado. E, em 2017, cresceu 31% o número de licitações sem empresas interessadas em comparação com 2016.
— A situação da Saúde no estado já era complicada, mas começou a agonizar no fim de 2015, com atrasos nos pagamentos, desabastecimento e falta de pessoal. O fato de não aplicar os 12% na área já configuraria um crime de responsabilidade — afirma Jorge Darze, presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenan).
Até agora, o MPRJ já ajuizou dez ações civis públicas por descumprimento do gasto mínimo legal em saúde. Duas delas são de improbidade administrativa contra o governador Luiz Fernando Pezão. Na mais recente, de maio, os promotores afirmam que o governo tem recorrido a “pedaladas fiscais” para mascarar os baixos investimentos. Em abril, o MP fechou com o governo acordo para aumento imediato das verbas da pasta. Mas o promotor Daniel Ribeiro, diz que o Rio continua descumprindo o mínimo de 12%.
— Gastos menos prioritários do que a saúde têm sido realizados. Estamos cruzando essas informações com os indicadores de piora epidemiológica e com o tempo médio alto na fila da regulação — diz Ribeiro.
Apesar das queixas de pacientes, a Secretaria estadual de Saúde afirmou que o Getúlio Vargas e outras unidades estão abastecidas e com pagamentos de contratos em dia. “A maior alocação de recursos na Saúde em 2018 possibilitou o pagamento de serviços que estavam em atraso e a regularização de dívidas. À medida que o aporte de recursos na área da Saúde é ampliado, há crescimento no número de atendimentos e oferta de serviços”, disse a secretaria, sem apresentar números.