Política Lava-Jato

Lava-Jato manda prender empresários do esquema Cabral que fraudaram Into

Além de Miguel Iskin e seu sócio, outras 20 pessoas têm mandado de prisão no Rio e SP
Polícia Federal cumpre mandado de busca na Lagoa, Zona Sul do Rio Foto: Uanderson Fernandes / Agência O Globo
Polícia Federal cumpre mandado de busca na Lagoa, Zona Sul do Rio Foto: Uanderson Fernandes / Agência O Globo

RIO - Um ano e dois meses depois de desbaratar um esquema de corrupção na saúde pública do Rio na operação Fatura Exposta ,  que levou empresários e ex-secretário de saúde do estado à prisão, a força-tarefa da Lava-Jato prendeu nesta quarta-feira o empresário Miguel Iskin , seu sócio Gustavo Estellita e outras 18 pessoas, além de realizar busca e apreensão em 44 endereços no Rio, São Paulo, Paraíba, Minas Gerais e no Distrito Federal. Também foi decretado o bloqueio de bens dos investigados no valor de R$ 1,2 bilhão na operação denominada Ressonância . Um dos mandados de busca e apreensão foi cumprido no apartamento do ex-secretário de Saúde Sérgio Côrtes , na Lagoa, zona sul do Rio, que deve também depor à Polícia Federal.

ESPECIAL : ESQUEMA DE SÉRGIO CÔRTES DESVIOU ATÉ R$ 300 MILHÕES DA SAÚDE

A operação mira agora empresas envolvidas no esquema de cartelização e desvio de dinheiro no fornecimento de próteses e equipamentos médicos por meio de fraudes em licitações no chamado "clube do pregão internacional" liderado por Iskin. Foi identificado um cartel de fornecedores que atuou entre os anos de 1996 e 2017 no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into).

O sócio de Miguel Iskin, Gustavo Estellita, é levado para a Polícia Federal, no Rio de Janeiro Foto: fabiano rocha / Agência O Globo
O sócio de Miguel Iskin, Gustavo Estellita, é levado para a Polícia Federal, no Rio de Janeiro Foto: fabiano rocha / Agência O Globo

Há mandado de prisão também contra o atual diretor-geral do Into, André Loyelo, e contra dois executivos da Philips do Brasil, uma das 37 empresas envolvidas no esquema, assim como a Maquet do Brasil Equipamentos Médicos Ltda, Dräger Industria e Comercio Ltda, Dixtal e Stryker do Brasil), acusadas dos crimes de formação de cartel, corrupção, fraude em licitações, organização criminosa e lavagem de dinheiro.

LEIA : Sérgio Côrtes diz que sua relação com Cabral ‘acabou’ e conta sobre seus 300 dias no cárcere

As investigações destacam ainda a atuação de Jair Vinnicius Ramos da Veiga, conhecido como Coronel Veiga, responsável por controlar de fato as licitações no Into e na Secretaria Estadual de Saúde. Ele também será preso.

As lições de um CEO da prisão: humildade para vencer cada fase

Depois da etapa de investigação feita no ano passado, que culminou na prisão do ex-secretário de Saúde  Sérgio Côrtes, de Iskin e de seu operador Estellita, o Ministério Público Federal (MPF) precisou da ajuda do Tribunal de Contas da União  (TCU), da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Conselho de Controle de  Atividades Financeirasa (Coaf) para auditar contratos e importações feitas por órgãos federais, entre eles o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into).

Estellita e Iskin foram beneficiados por habeas corpus do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, em dezembro do ano passado. Já Côrtes deixou a prisão em fevereiro deste ano, após decisão de Gilmar. De acordo com o MPF, Côrtes não foi encontra em sua casa pois teria saido para realizar uma cirurgia. Ainda não se sabe a natureza da operação.

Miguel Iskin chega preso à Polícia Federal na Operação Fatura Exposta 11/04/2017 Foto: Gabriel de Paiva / O Globo
Miguel Iskin chega preso à Polícia Federal na Operação Fatura Exposta 11/04/2017 Foto: Gabriel de Paiva / O Globo

O núcleo operacional da organização criminosa era formado por funcionários de confiança da empresa Oscar Iskin. De acordo com o MPF, eles eram responsáveis por fazer a ligação entre o setor público (núcleo administrativo-político) e os empresários cartelizados (núcleo econômico) para direcionar as demandas públicas (insumos médicos a serem adquiridos e cotação de preços fraudadas) e as contratações, mediante a desclassificação ilícita de concorrentes que não faziam parte do cartel.

O esquema de corrupção pagava propinas milionárias, as quais eram custeadas com base na arrecadação de valores com as empresas beneficiárias das licitações, seja por meio de pagamento de 'comissões' no exterior (correspondentes a cerca de 40% dos contratos), seja por meio do recolhimento no Brasil de valores entre 10% e 13% dos contratos firmados pelas empresas do cartel.

Ao longo da investigação, o TCU analisou nove operações feitas pelo cartel, que movimentaram R$180 milhões. Foi constatado, porém, que R$ 85 milhões desse montante teriam sido desviados, em sua maioria por equipamentos não entregues.

As fraudes nas licitações se deram por meio de inserção de cláusulas restritivas  da competitividade para beneficiar as empresas de Miguel Iskin. Quando outras  empresas começaram a também preencher os requisitos arbitrários impostos nas  licitações, no final de 2004, a organização criminosa, de acordo com os  investigadores, passou a se valer de pregões internacionais  com o objetivo de "proteger" as empresas de Iskin no esquema diante da  concorrência.  O ex-secretário de Saúde Sérgio Côrtes e seu braço direito Cesar Romero deram então marcha a um plano de lançar um "pregão internacional" para cotar os  equipamentos que seriam adquiridos pelo Into.

De acordo com o MPF, as empresas que faziam parte da licitação eram todas  trazidas ao Brasil por Iskin, de maneira que elas se arranjavam entre si para dar  "cobertura" a outra, fraudando a licitação e privilegiando a vitória de uma  determinada "concorrente". A investigação, baseada na  colaboração de Romero aos procuradores, sustenta ainda que as participantes desse "clube do  pregão internacional" se revezavam para que cada uma ganhasse na sua vez.

Para o recebimento dos valores, Miguel Iskin montou uma rede complexa de lavagem de dinheiro, utilizando-se de offshores em diversos países e empresas no Brasil. O esquema funcionava de maneira similar na Secretaria de Saúde, onde se identificou fraude em contratos com a empresa Maquet e a adesão a atas de registro de preço do Into nas quais também foram encontradas irregularidades.

Procurada,  a Philips afirmou que ainda não teve acesso ao processo, mas que está cooperando com as autoridades para prestar quaisquer esclarecimentos. Já a GE, empresa em que Daurio ocupava a posição de CEO atualmente, emitiu nota esclarecendo que "não é alvo das investigações" e que as alegações tratam de um "período em que o executivo atuou na liderança de outra empresa".

Por sua vez, a Johnson & Johnson Medical Devices Brasil disse em nota que "segue rigorosamente as leis do país e está colaborando integralmente com as investigações em andamento”. Já as empresas Dräger e Stryker do Brasil ainda não se manifestaram.

Gráfico mostra funcionamento do esquema exposto na Operação Ressonância Foto: Reprodução / MPF
Gráfico mostra funcionamento do esquema exposto na Operação Ressonância Foto: Reprodução / MPF

O XERIFE

Além da delação premiada Romero, a investigação da Fatura Exposta se valeu também de papéis manuscritos e e-mails coletados na casa de Luiz Carlos  Bezerra, apontado como operador financeiro de Cabral junto a empreiteiras e preso com o ex-governador na operação Calicute, em novembro do ano retrasado.

Chamou a atenção dos procuradores do MPF o fato de  Bezerra não seguir, como outros integrantes do esquema, protocolos rígidos de  segurança. Os investigadores não tiveram dificuldade para ter acesso a planilhas  que mostravam inclusive pagamento a Sérgio Cabral.

O MPF sustenta que a organização costumava usar criptografia, mas Bezerra era  quem fazia anotações de toda a contabilidade. E também mandava e-mails para si  mesmo com planilhas. Miguel Iskin era identificado como "xerife". E, a partir  dessas anotações, foram identificados pelo menos R$ 16,4 milhões destinados a Cabral neste esquema.

Fraudes na saúde
Esquema envolvendo a importação de material hospitalar permitiu que empresários e gestores
públicos desviassem, durante pelo menos 11 anos, até R$ 300 milhões
Sérgio Côrtes
Diretor do INTO de 2003 a 2006 e secretário de Saúde de 2007 a 2013
Into
Secretaria
Estadual
de Saúde
do Rio
Instituto
Nacional de
Traumatologia e
Ortopedia
Cesar Vianna
Delator
Ex-assessor da direção do Into ex-subsecretário executivo da Saúde
Importavam
Equipamentos de
fornecedores
DRÄGER
PHILIPS
Miguel
Iskin
Gustavo
Estellita
MAQUET DO BRASIL
Presidente
da Oscar Iskin
Sócio de
Miguel Iskin
STRYKER
O valor era repassado pelo Into e SES para os fornecedores com o imposto embutido, que virava a propina. Por esse ralo, saíram de R$ 200 milhões a R$ 300 milhões que eram repassados pelos fabricantes a Miguel Iskin em forma de taxa de serviços
DIXTAL
Mercadorias + impostos
Para efeito de licitação, o fornecedor estrangeiro era obrigado a embutir no seu preço o valor dos tributos cobrados pelas importações
40% a 60%
de impostos
não recolhidos
Mercadorias
Impostos
No entanto, as importações eram assumidas não pelos fornecedores estrageiros, mas pelo Into e Secretária Estadual de Saúde, que eram isentos
Fraudes na saúde
Esquema envolvendo a importação de material hospitalar permitiu que empresários e gestores públicos desviassem, durante pelo menos 11 anos, até R$ 300 milhões
Sérgio Côrtes
Diretor do INTO de 2003 a 2006 e secretário de Saúde de 2007 a 2013
Secretaria
Estadual
de Saúde
do Rio
Into
Cesar Vianna
Delator
Ex-assessor da direção do Into ex-subsecretário executivo da Saúde
Importavam
Equipamentos de
fornecedores
DRÄGER
PHILIPS
MAQUET DO BRASIL
STRYKER
DIXTAL
Mercadorias + impostos
Para efeito de licitação, o fornecedor estrangeiro era obrigado a embutir no seu preço o valor dos tributos cobrados pelas importações
Mercadorias
Impostos
No entanto, as importações eram assumidas não pelos fornecedores estrageiros, mas pelo Into e Secretária Estadual de Saúde, que eram isentos
40% a 60%
de impostos
não recolhidos
Miguel
Iskin
Gustavo
Estellita
Presidente
da Oscar Iskin
Sócio de
Miguel Iskin
O valor era repassado pelo Into e SES para os fornecedores com o imposto embutido, que virava a propina. Por esse ralo, saíram de R$ 200 milhões a R$ 300 milhões que eram repassados pelos fabricantes a Miguel Iskin em forma de taxa de serviços

DESVIO DE R$ 300 MILHÕES

Como revelou O GLOBO no dia da operação Fatura Exposta , a fraude, aplicada nas  regras de importação, permitiu que uma máfia formada por empresários e gestores  públicos desviasse, por pelo menos 12 anos (2003-2014), de 40% a 60% de um total  de R$ 500 milhões gastos pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio (SES) e pelo  Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into) em compras internacionais  de equipamentos médicos de alta complexidade, como macas elétricas, monitores  transcutâneos, aparelhos cirúrgicos e unidade móveis de saúde.

De acordo com a PF, até o momento 20 dos 22 mandados de prisão foram cumpridos, com dois suspeitos foragidos no exterior, e todos os 43 de busca e apreensão foram realizados. Os suspeitos são Gaetano signorini, da Iskin, e Ermano Marchetti, da Dräger, que estão nos Estados Unidos.

No Rio, foram 12 de prisão e 23 de busca e apreensão. Nas ações de hoje, foram apreendidos documentos, mídias e pequena quantidade de moeda estrangeira, incluindo R$130 mil no apartamento na casa de André Loyelo, diretor do Into.

Lista de prisões temporárias de:

1. Luiz Sérgio Braga Rodrigues

2. Márcia de Andrade Oliveira Cunha Travassos

3. Albert Holzhacker

4. Frederik Knudsen (Vendedor da Philips do Brasil)

5. Daurio Speranzini Júnior ((Ex-CEO da Philips do Brasil)

6. Ermano Marchetti Moraes (Ex-CEO da Dräguer)

7. Julio Cezar Alvarez

8. Daniele Cristine Fazza da Veiga

9. André Luiz Loyelo Barcellos

Também foram decretadas as prisões preventivas de:

1. Miguel Iskin (empresário)

2. Gustavo Estellita (empresário)

3. Marco Antônio Guimarães Duarte de Almeida

4. Marcos Vinicius Guimarães Duarte de Almeida

5. Gaetano Signorini

6. Wlademir Rizzi (Rizzi Comércio e Representações Ltda)

7. Adalberto Rizzi (Rizzi Comércio e Representações Ltda)

8. Antônio Aparecido Georgete (ex-vendedor da Dixtal)

9. Ivan Console Ireno (Ex-vice-presidente da Dixtal/Philips)

10. Jair Vinnicius Ramos da Veiga (Into)

11. Luis Carlos Moreno de Andrade

12. João Batista da Luz Júnior

13. Rafael dos Santos Magalhães