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EUA se posicionam contra resolução da ONU que incentiva amamentação

País ameaçou impor sanções comerciais a países que apresentaram texto pró-aleitamento
Posicionamento americano contra amamentação entra em conflito com estudos que mostram os maiores benefícios do leite materno Foto: Free Images
Posicionamento americano contra amamentação entra em conflito com estudos que mostram os maiores benefícios do leite materno Foto: Free Images

RIO — A delegação dos EUA surpreendeu a comunidade internacional em uma reunião em maio da Assembleia Mundial da Saúde, da Organização Mundial da Saúde (OMS), ao condenar uma resolução de incentivo à amamentação. O posicionamento americano foi contrário ao recomendado por estudos científicos e atendia aos interesses dos fabricantes de fórmulas infantis. Os diplomatas do país ainda ameaçaram impor sanções comerciais às nações que apoiassem a medida.

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O texto apresentado na Assembleia baseou-se em décadas de pesquisa e concluiu que o leite materno é mais saudável para as crianças menores. Por isso, recomendava-se que os governos limitassem o marketing impreciso ou enganoso de métodos substitutivos da amamentação.

As autoridades americanas tentaram tirar a recomendação do texto final da resolução, assim como um trecho que pedia aos governos para "proteger, promover e apoiar a amamentação". O esforço, porém, não foi bem-sucedido.

A estratégia seguinte, então, foi recorrer a ameaças. Washington dissuadiu o Equador, autor da resolução, de apresentá-la, afirmando que, se o fizesse, seria alvo de sanções comerciais e perderia ajuda militar. O mesmo recurso foi aplicado contra outras nações da África e da América Latina. As discussões sobre a resolução acabaram sendo conduzidas por iniciativa da Rússia, que fez os americanos desistirem das intimidações.

— Ficamos espantados, chocados e também tristes — disse Patti Rundall, diretora de política do grupo britânico Baby Milk Action, favorável à amamentação. — O que aconteceu foi o mesmo que chantagem, com os EUA mantendo o mundo como refém e tentando derrubar quase 40 anos de consenso sobre a melhor maneira de proteger a saúde de bebês e crianças pequenas.

Contraste com o governo Obama

O Departamento de Estado dos EUA não quis se pronunciar, dizendo que não poderia discutir conversas diplomáticas privadas. O Departamento de Saúde e Serviços Humanos, a agência que liderou o esforço para modificar a resolução, explicou por que decidiu contestar o documento, mas negou ter envolvimento nas ameaças ao Equador.

“A resolução originalmente elaborada colocou obstáculos desnecessários para as mães que buscam fornecer nutrição para seus filhos”, disse um porta-voz da agência por e-mail, sob condição de anonimato, ao "New York Times". “Nós reconhecemos que nem todas as mulheres são capazes de amamentar por uma série de razões. Elas devem ter a escolha e acesso a alternativas para a saúde de seus bebês, e não devem ser estigmatizadas por isso.”

A indústria de alimentos para bebês movimenta cerca de US$ 70 bilhões e é dominada por empresas americanas e europeias. Seu crescimento estimado para este ano é de 4% e será impulsionado principalmente pelo aumento das vendas nos países em desenvolvimento.

Leia abaixo 5 mitos sobre amamentação, respondidos por profissionais do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz)

A intensidade da oposição da delegação americana à resolução pró-amamentação surpreendeu autoridades de saúde pública e diplomatas estrangeiros, que a descreveram como um contraste marcante com o posicionamento do governo de Barack Obama, que apoiava amplamente a política de longa data da Organização Mundial de Saúde (OMS) de incentivar o aleitamento.

Durante as negociações, alguns delegados americanos teriam sugerido que o país cortaria sua contribuição para a OMS. Washington é o maior contribuinte individual da organização, fornecendo US$ 845 milhões, ou aproximadamente 15% de seu orçamento, no ano passado.

O confronto foi o mais recente exemplo do governo de Donald Trump tomando partido dos interesses corporativos em numerosas questões de saúde pública e ambientais. O país já se posicionou na OMS a favor da indústria farmacêutica, recusou uma proposta para pôr rótulos de advertência em produtos de junk food e incentivou empresas do setor de combustíveis fósseis ao anunciar a saída dos EUA do acordo climático de Paris.