Jardins históricos do Rio: Jardim Botânico Foto: Custódio Coimbra/Agência O Globo

Jardins históricos

No mês em que o Jardim Botânico completa 210 anos, um passeio por áreas verdes da cidade que contam um pouco da história da capital fluminense

por Ligia Dias Andrade / Sérgio Luz

Você sabia que a primeira muda de palmeira-imperial do Jardim Botânico (árvore que hoje tem como símbolo) chegou ao Brasil na bagagem de um comerciante português que veio para cá fugindo da prisão nas Ilhas Maurício? Esta é uma das saborosas curiosidades por trás dos jardins históricos do Rio de Janeiro, uma lista que inclui, além do Jardim Botânico — que no último dia 13 completou 210 anos —, o Passeio Público, o Campo de Santana, a Quinta da Boa Vista e as áreas externas do Museu da República e da Casa de Rui Barbosa.

Jardim Botânico

Lago no Jardim Botanico - Custódio Coimbra/Agência O Globo

Uma das primeiras decisões do então príncipe regente Dom João ao chegar em terras tupiniquins com a corte portuguesa fugindo do exército de Napoleão, em 1808, foi criar uma fábrica de pólvora e um jardim de aclimação no Rio (já havia um no Pará e outro na Bahia). Para tanto, ele desapropria o Engenho Nossa Senhora Conceição da Lagoa, que pertencia à família de Rodrigo de Freitas.

— A propriedade é descrita como uma área que vai da encosta do Cristo até o Morro Dois Irmãos, pegando toda a franja da Lagoa. Era uma imensidão — conta Lidia Vale, diretora de Conhecimento, Ambiente e Tecnologia do Jardim Botânico. — Essa iniciativa serve para restaurar a imagem de Dom João. Ele era um estadista. Era uma estratégia de Portugal que todas as colônias fizessem jardins de aclimação para circular as espécies entre as colônias e saber onde elas se aclimatariam melhor. Tudo para fins comerciais, é claro.

Um dos símbolos do jardim, a palmeira-imperial chegou à cidade de uma forma curiosa.

— Luís de Abreu Vieira e Silva, um comerciante rico português que fazia uma trajetória da Índia para a costa africana, é interceptado pelos franceses e levado às Ilhas Maurício. Lá, ele fica preso, mas, como era tinha status, consegue negociar sua liberdade. Às custas da coroa, um navio vai para buscá-lo e libertar outros 200 prisioneiros de Portugal. E ele vem para o Brasil escondido com 20 caixas de cânfora, cravo, canela, noz-moscada, caju etc. E uma muda de Roystonea oleracea , da América Central. É a chamada palmeira-imperial que foi plantada por Dom João em 1809 — afirma Lidia.

Com a chegada de 82 caixas de especiarias, em 1810, o jardim passa a plantar chá. Mas, num país onde o café é rei, a empreitada não dá certo.

— Era tão séria essa preocupação, de buscar outra forte de renda como o café, que mandaram trazer 300 chineses para o cultivo do chá no Brasil — diz Marcus Nadruz, pesquisador e curador das Coleções Vivas do Jardim Botânico.

A iniciativa, no entanto, bate de frente com a grande potência do século XIX, o Império Britânico.

— Chegaram a plantar um chá excelente aqui, mas os ingleses proibiram a sua exportação e disseram: “Esse monopólio é nosso!” — diz a diretora.

Na década de 1820, o jardim passa por seu primeiro processo de institucionalização sob os cuidados de Frei Leandro. Mas a beleza do espaço também lembra um capítulo trágico de nossa história, com as obras realizadas por mão de obra escrava.

— A centenária mangueira que lhe dava sombra para supervisionar o trabalho dos escravos segue no jardim. Precisamos ter esse senso crítico para lembrar — menciona Nadruz.

Depois de 30 anos como sede do Imperial Instituto Agrícola de Agricultura, entre 1860 e 1890, o jardim passa pela transformação que o tornaria o que é hoje, com a chegada do botânico Barbosa Rodrigues, que tem um busto no local e dá nome à biblioteca.

— Ele foi o responsável pela chegada de novas espécies e pela organização em canteiros de famílias botânicas, como é hoje em dia — conta Lidia.

Com milhares de visitantes a a cada mês, o Jardim Botânico não é um mero jardim, mas um instituto que atua em áreas pedagógicas, museográficas, paisagísticas, técnico-científicas, históricas e de ensino.

— O jardim é uma área de pesquisa aberta à visitação. Nosso trabalho é de conservação, preservação da flora brasileira e, principalmente, de educação — ressalta Lidia.

Como contam os profissionais, esse último quesito é um dos maiores problemas do jardim:

— Tem gente que rabisca o nome da amada do pau mulato, que raspa o tronco da canela para levar para casa... Sem contar quem vem para jogar as cinzas de entes queridos no gramado. Entendemos o carinho do gesto, mas as cinzas são ácidas e podem desequilibrar o ambiente, que é bastante delicado — explica.

Além de áreas como as aleas, o bromeliário, do orquidário, o herbário, o jardim japonês e o lago, o Jardim Botânico ainda administra instituições como o Museu do Meio Ambiente e a Escola Nacional de Botânica Tropical. O espaço ainda tem café, parque infantil (na área do portal da antiga Casa de Pólvora), único local do jardim onde é permitido lanchar, e o restaurante Jarbô, na parte externa.

— Já fomos fábrica de pólvora, jardim de aclimação, Horto Real, Real Jardim Botânico, Jardim Botânico da Lagoa e Jardim Botânico. O nome atual veio apenas em 1998. O jardim começou no período colonial, passou pelas décadas do Império e viu nascer a República, sofrendo mutações de acordo com esses modelos. O Jardim Botânico do Rio de Janeiro conta a história das institucionalizações do Brasil — resume Lidia.

Quem quiser navegar virtualmente pelo JBRJ, uma opção é o aplicativo “Jardim digital”.

Jardim Botânico: Rua Jardim Botânico 1.008, Jardim Botânico (3874-1808). Seg, do meio-dia às 18h. Ter a dom, das 8h às 18h. R$ 15. Livre.

Museu da República

Museu da República no Catete: Chafariz representa nascimento de Vênus - Divulgação/Marco Antônio Cavalcanti

Sede do poder executivo do Brasil de 1897 a 1960, o Palácio do Catete abriga hoje o Museu da República. Uma das estrelas do local é seu jardim, que cobre um quarteirão que vai da Rua do Catete à Praia do Flamengo. O espaço é um refúgio para crianças, estudantes e moradores da região que querem um lugar tranquilo para caminhar.

O projeto do jardim é do paisagista francês Auguste François Marie Glaziou, que teve um discípulo seu, Paul Villon, como responsável pela remodelação do espaço no final do século XIX.

Até a década de 1960, quando o Aterro do Flamengo foi construído, a área voltada para a praia abrigava um pequeno cais que era de uso exclusivo da presidência da república (anteriormente, o pequeno porto servia como ponto de ancoragem do barco do Conselheiro Mayrink).

Tombado pelo Sphan, órgão que antecedeu o Iphan, em 1938, o jardim recebeu novo projeto paisagístico em meados dos anos 1990, quando teve reestruturada a rede elétrica, e o sistema de escoamento de água e recebeu a implantação de irrigação automática.

No fim da mesma década, os muros da praia e da Rua Silveira Martins foram derrubados, substituídos por grades para permitir um ambiente mais agradável aos visitantes.

Entre as obras artísticas espalhadas pelo jardim — restauradas em 2014 —, que também tem um lago artificial, destaca-se a escultura do chafariz, da Fundição Val d’Osne, da França, que representa o nascimento de Vênus.

Museu da República: Rua do Catete 153, Catete (2127-0324). Jardins: diariamente, das 8h às 17h. Grátis. Livre.

Casa de Rui Barbosa

Jardim da Casa de Rui Barbosa, em Botafogo: reforma de 2016 usou foto de 1930 para reconstruir área verde - Custódio Coimbra/Agência O Globo

Situada no coração de Botafogo, a propriedade onde morou o jurista, diplomata, filólogo, político e escritor Rui Barbosa foi construída na virada dos anos 1840 para 1850. Quarto dono do imóvel, ele passou a morar lá em 1895, dois anos após a compra da casa, depois de dois anos exilado em Londres devido a questões políticas.

— Há uma escritura de compra que descreve o jardim. É o documento mais antigo que temos. Sabemos que o segundo morador foi quem fez as maiores intervenções, seguindo o parâmetro romântico de Glaziou, com lago, pontes e pedras — explica Márcia Furriel, arquiteta da Fundação Casa de Rui Barbosa.

Uma visita à instituição é uma pequena viagem no tempo. Além da casa imperial onde a família vivia — hoje um museu que abriga a biblioteca original de Rui Barbosa —, há uma garagem com carros antigos, mobiliário do período e, é claro, o jardim, que passou por uma grande obra terminada em 2016.

— O projeto considera os elementos móveis e integrados do jardim, tudo que não é planta, como o quiosque, as rocalhas, o parreiral, as esculturas, as luminárias antigas. Focamos em tudo que tinha valor histórico e artístico — conta Márcia. — Utilizamos um registro fotográfico da última reforma profunda que havia sido feita, em 1930, assim como de documentos do próprio Rui, que adorava plantar rosas, falando sobre o jardim. Mas não dá para ter exatamente as mesmas espécies. O jardim é um elemento vivo, não é possível reconstruí-lo da mesma maneira.

Entre mangueiras (que dão frutos pequenos e doces), parreiras (funcionários dizem que suas uvas são azedas), pitangueiras e roseirais, entre outras espécies, quem vai ao jardim também pode avistar visitantes simpáticos como micos, maritacas e tucanos.

— Aqui é um refúgio, um lugar onde as pessoas vêm para relaxar, passear, cochilar, namorar, ler, fazer uma siesta. Eu tenho a experiência pessoal com esse jardim. Moro em Botafogo desde os 5 anos, tenho foto aqui quando criança. É uma relação longa com esse espaço. Não tem muita pracinha pelo bairro. Aqui era um lugar em que a gente vinha pra passar o tempo. É um ambiente público, gratuito e seguro, um oásis no Rio de Janeiro — resume a arquiteta.

Casa de Rui Barbosa (jardim): Rua São Clemente 134, Botafogo (3289-4600). Diariamente, das 8h às 18h. Grátis. Livre.

Campo de Santana

Campo de Santana: palco de aocntecimentos históricos no Centro - Marcos Ramos/Agência O Globo

Idealizado pelo paisagista francês Auguste François Marie Glaziou, o Campo do Santana é a maior área verde do Centro, com 155 mil metros quadrados. O espaço foi inaugurado em 1880, reunindo elementos típicos de jardins ingleses e franceses. Em seu entorno estão a Saara, a Central do Brasil, o Palácio Duque de Caxias, entre outros locais históricos.

— É o parque mais movimentado do município, virou um lugar de passagem, por estar numa área comercial — explica Cristina Monteiro, diretora de planejamento e projetos da Fundação Parques e Jardins.

Durante o passeio, o visitante pode desfrutar das sombras de árvores centenárias (são mais de 900 espécies de plantas), caminhar pela ponte e por alamedas sinuosas, observar o lago, onde se encontra a escultura “Pescador napolitano”, réplica da obra do Museu do Louvre, em Paris. A atração principal é o monumento Benjamin Constant, mas também vale ver de perto a Fonte Stella e a gruta. Uma dica: pode-se entrar na caverna, que é artificial, feita de rocaille . Os animais que vivem ali, como cutias, cisnes e pavões, são uma atração à parte.

Olhando hoje, difícil acreditar que o local já foi um pântano.

Só em 1735 começou a ser aterrado, quando foi erguida uma capela para Santa Anna. Mas, antes de virar Campo de Santana, já foi chamado Campo da Cidade e Campo de Aclamação — este último após Dom Pedro I ter sido aclamado, ali, como imperador, em 1822. O local foi palco de outros acontecimentos históricos importantes, como a Proclamação da República (1889) e a Revolta da Vacina (1904).

Campo de Santana: Praça da República s/nº, Centro — 2224-8088. Diariamente, das 7h às 17h. Grátis. Livre.

Passeio Público

Um refúgio em plena efervescência do Centro. Assim é o Passeio Público, o mais antigo jardim carioca, criado em 1783.

Com 33.600 metros quadrados, o espaço entre a Cinelândia e a Lapa — que teve projeto paisagístico feito por Mestre Valentim — atrai trabalhadores principalmente na hora do almoço. O que muitos não devem imaginar é que esse parque era a lagoa Boqueirão da Ajuda, usada para descarte de dejetos. O local foi aterrado e nasceu um espaço barroco, inspirado nos jardins franceses. Do projeto original, restam as pirâmides de granito com pedras de lioz, os portões de ferro em estilo rococó e a Fonte dos Amores, onde está o Chafariz dos Jacarés, sua atração principal.

— Uma característica importante de um parque histórico é o piso de saibro. É uma relação natural que se perdeu com o asfaltamento. Além disso, ainda ajuda na temperatura — analisa a arquiteta da Fundação Parques e Jardins Vera Dias.

Dom Pedro II decidiu reformar o espaço em 1860, entregando o projeto nas mãos do francês Auguste François Marie Glaziou. A mudança foi significativa: o traçado geométrico saiu, entrando o estilo inglês, romântico.

Porém, não parou por aí. Com as obras de urbanização da Avenida Beira-Mar, em 1905, o Passeio se distanciou da orla e perdeu seu terraço, devido aos aterros na Baía de Guanabara. Ao caminhar pelo parque, o visitante confere ainda espécies nativas de árvores e estátuas do escultor Mathurin Moreau, além de bustos de personalidades brasileiras.

Passeio Público: Rua do Passeio s/nº, Centro — 2224-8088. Diariamente, das 7h às 17h. Grátis. Livre.

Quinta da Boa Vista

RS Rio Show (RJ) 19/06/2018. Jardins da cidade. Na foto Quinta da boa vista. Foto Marcos Ramos / Agencia O Globo - Marcos Ramos / Agência O Globo

Com ampla área verde de 560 mil metros quadrados, a Quinta da Boa Vista é um oásis em São Cristóvão. A área de lazer tem várias atrações para reunir toda a família: quadras poliesportivas, pedalinhos, passeios por lagos, cascatas, pontes e grutas em rocaille , além do zoológico. O parque público também é procurado para a prática de exercícios e caminhadas — o horário de maior fluxo é das 5h às 11h —, piqueniques, aniversários e diversos tipos de eventos.

— É um dos lugares mais conhecido dos cariocas, existe um sentimento de pertencimento. Com uma história rica, sede do Império, sempre atraiu as crianças. Um outro grande destaque é o zoológico. Os campos de futebol também são disputados — destaca a arquiteta da Fundação Parques e Jardins Vera Dias.

O local onde está localizada a Quinta já foi fazenda dos jesuítas e chácara de um rico comerciante, que doou o casarão em 1808 a D. João VI. Depois de muitas reformas, o Palácio Imperial ganhou estilo neoclássico, virando residência, chácara e jardins da família real até a Proclamação da República, em 1889. Atualmente, o lugar recebe cerca de oito mil pessoas aos sábados e domingos, e o palácio abriga o Museu Nacional, com diversas exposições. Entre elas, “Museu dá samba — A Imperatriz é o relicário no bicentenário". A escola de samba carioca homenageou a instituição na Marquês de Sapucaí. E o público tem a oportunidade de conferir as 30 fantasias do desfile.

Durante o passeio, o visitante pode apreciar também o traçado romântico da paisagem, ao estilo inglês, criado por Glaziou, a Alameda das Sapucaias, com suas árvores frondosas, o Templo de Apolo e as estátuas em bronze de D. Pedro II e da Imperatriz Leopoldina. Uma dica: não deixe de conhecer o mirante em estilo de pagode chinês. De lá, tem-se uma bela visão do parque, tombado pelo Iphan, em 1938.

— O mirante foi construído estrategicamente para as pessoas terem um outro ângulo do espaço — diz Vera.

A arquiteta conta ainda sobre origem do nome Quinta da Boa Vista:

— Imagine alguém em uma colina olhando a Baía de Guanabara. O mar vinha próximo ao campo de São Cristóvão. Além de ser um espaço privilegiado, tinha o visual.

Quinta da Boa Vista: Av. Pedro II s/nº, São Cristóvão — 2224-8088. Diariamente, das 5h às 19h. Grátis. RioZoo: sex a dom, das 10h às 17h. R$ 20. Museu Nacional/UFRJ: seg, do meio-dia às 16h. Ter a dom, das 10h às 17h. R$ 8. Entrada gratuita para todos no segundo domingo de cada mês.