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Política Lava-Jato

Criticados por atrasos na Lava-Jato, ministros do Supremo apontam lentidão do MPF e PF

Cármen Lúcia pediu à Raquel Dodge celeridade na devolução dos processos
Cármen Lúcia, Alexandre Moraes e Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal Foto: Fotos de Arquivo
Cármen Lúcia, Alexandre Moraes e Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal Foto: Fotos de Arquivo

BRASÍLIA —Contrariados com as críticas de que o Supremo Tribunal Federal ( STF ) demora para julgar processos criminais, em especial os da Lava-Jato , ministros da Corte acusam a Procuradoria-Geral da República ( PGR ) e a Polícia Federal ( PF ) de levarem muito tempo para elaborar pareceres e concluir diligências – como, por exemplo, o interrogatório de testemunhas. Com os processos fora da Corte, não teria como tomar decisões. Para sete dos onze ministros do tribunal, muitas vezes os investigadores procrastinam na instrução de inquéritos e ações penais.

—Ao Supremo Tribunal tem sido imputado manter, com demora excessiva, processos de sua responsabilidade. Entretanto, há um conjunto de processos com diligências a serem cumpridas ou dependente de pareceres de órgãos de investigação ou do Ministério Público. O afastamento dos processos dos gabinetes dos ministros impede, absolutamente, a atuação do Supremo Tribunal Federal — disse a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia.

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A ministra lembrou que, em dezembro de 2016, um mês antes de morrer, o ministro Teori Zavascki, que era relator da Lava-Jato, disse que “estava em dia” com os processos da Lava-Jato, aguardando apenas a atuação da PGR. O órgão é responsável por elaborar pareceres, pedir mais diligências e apresentar denúncia nos processos. Cármen Lúcia também recordou que, em dezembro de 2017, detectou que havia casos aguardando o posicionamento da PGR por “alguns meses”. A ministra pediu à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, celeridade na devolução dos processos ao STF.

— Esses deslocamentos têm demorado e, não poucas vezes, atribui-se ao órgão judicial demora que não lhe cabe e em cujo prazo ele sequer poderia atuar, porque nem mesmo está em sua sede. A tentativa é, pois, de fazer com que todos os órgão que atuem o façam com a celeridade necessária, para que se cumpra o princípio constitucional da duração razoável do processo — concluiu a presidente.

Atualmente, boa parte dos ministros do STF mudou a conduta diante de pedido de prazo extra da PF para concluir diligências. Muitas vezes, esses prazos eram renovados automaticamente, dando longevidade às apurações. Agora, os ministros têm respondido com a derradeira extensão do prazo por mais 60 dias. Eles acrescentam que, se ao fim do período, as apurações não forem concluídas, a conduta deve ser o arquivamento do inquérito.

SEM RAZÃO PARA DEMORA, DIZ MORAES

O ministro Alexandre de Moraes é um dos que adotam essa postura.

— Eu vi tudo o que estava sendo feito, quanto tempo que estava parado e, paulatinamente, dei um último prazo. Em 60 dias tem que resolver. Porque às vezes fica oito, nove meses, um ano sem uma diligência, só pedindo prazo. Vai e volta, vai e volta. Não sei se é por falta de mão de obra, porque se sobrecarregou a PF e a PGR, mas tem processos que estão meio de lado. Falam que vão ouvir duas testemunhas e, em 60 dias, não ouvem. Daí vem mais 60 dias e não ouvem. Não tem justificativa para isso. Se não ouvir, tem que arquivar — declarou Moraes.

O ministro ponderou que algumas investigações demandam mais tempo que outras, por dependerem, por exemplo, de cooperação internacional. Em outros casos, ele considera que não há motivo plausível para a demora.

— A tendência agora é o Supremo exercer um controle maior. A justificativa para ter prazo é uma investigação em andamento, não uma investigação parada, só para protelar — explicou.

Moraes argumenta que a tese de que o STF demora para julgar processos da Lava-Jato em comparação à primeira instância é um “erro crasso de avaliação”. Ele lembrou que os casos de desvio na Petrobras chegaram à Corte dois anos e meio depois da abertura dos primeiros inquéritos na primeira instância. E que, no caso do Supremo, os julgamentos são definitivos. As condenações da primeira instância dão margem à apresentação de recursos nos Tribunais Regionais Federais (TRFs), do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e, por fim, no STF.

— O Supremo julgou na semana passada o primeiro processo (da Lava-Jato). Ele vai transitar em julgado antes que qualquer caso da primeira instância. Então, quem é mais rápido? O STF tem que ter um juízo de certeza maior. O juiz de primeira instância, quando condena, sabe que depois vai ter um recurso. No Supremo, condenou acabou. Então, é natural que se analise mais — afirmou Moraes.

O relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, ressalta que, nas investigações, o Judiciário, o Ministério Público e a polícia tem papéis definidos. Ele ressalta que cada um deve fazer sua parte para as investigações fluírem.

— O crime deve ser combatido pelas agências de repressão: polícia e Ministério Público. Aos juízes, incumbe justamente julgar esse combate, coibindo eventuais abusos e equívocos e impondo o irrestrito cumprimento e observância dos direitos e garantias individuais a todos assegurados pela Constituição. Mas o Judiciário jamais deve desobrigar-se de fazer valer a lei penal de forma igualitária para todos — afirmou.

Contumaz crítico do Ministério Público, o ministro Gilmar Mendes costuma dizer que, muitas vezes, a PGR não consegue compilar elementos mínimos para oferecer denúncia. E, em vez de pedir o arquivamento do caso, deixa os inquéritos em aberto por tempo excessivo.

Dias Toffoli concorda com a análise. Há um ano, ele apresentou ao tribunal dados para provar que não é culpa da Corte a demora no julgamento de processos sobre agentes públicos. Segundo o ministro, dos 178 inquéritos e ações penais que ele tinha recebido para relatar desde que se tornou ministro, em 2009, apenas 50 estavam em tramitação. Desses processos, somente cinco pendentes de análise pelo ministro. Os outros casos estavam com a PGR ou em fase de diligências. Na mesma ocasião, Gilmar Mendes também defendeu o STF das acusações de demora para julgar processos penais.

— Tem vezes que inquéritos se alongam indevidamente porque não se fez investigação, papel da Polícia Federal e do Ministério Público. Mas, depois, fica na conta do STF, e isso precisa ser devidamente avaliado — disse Gilmar há um ano.

Outros dois ministros ouvidos pelo GLOBO em caráter reservado concordam com a opinião dos colegas.

— Se não tem mais diligências a serem feitas, ou o Ministério Público arquiva, ou apresenta denúncia. Não pode deixar o sujeito ficar com a espada sobre a cabeça. Tenho uma visão de que a pessoa não deve ficar exposta a isso — disse um dos ministros.

O ministro Luiz Fux não considera que a demora na tramitação dos processos seja, necessariamente, por culpa dos órgãos de investigação. Para ele, o problema é do sistema como um todo. O ministro avalia que o STF não deveria julgar processos penais, porque não é uma corte especializada para isso. Portanto, é natural que as soluções para os casos levem muito tempo. Fux lembra que, acima de tudo, o tribunal é uma corte constitucional e tem o dever de julgar casos de grande repercussão na sociedade.

— O Supremo não tem vocação para esse tipo de procedimento. A Corte precisa julgar outros processos e acaba não dando prioridade para processos penais. Cheio de casos de repercussão geral, como vamos julgar as ações penais? — questiona Fux.

Procurada pelo GLOBO, a PGR alegou, por meio da assessoria de imprensa, que “é bastante natural que, durante as investigações, os procedimentos fiquem mais tempo na Polícia Federal e no Ministério Público do que no Judiciário – que, nesta fase do processo, como regra, é acionado apenas para analisar pedidos de medidas cautelares ou eventuais recursos”.

A assessoria também explicou que  “o prazo em que um caso fica sob análise do Ministério Público depende de uma série de fatores”. Entre os fatores listados está o total de procedimentos de uma investigação. Na Lava-Jato, por exemplo, há 124 inquéritos ativos, segundo a PGR. Outro motivo de demora lembrado pelo órgão é a negociação de um acordo de colaboração premiada. Já a Polícia Federal, procurada por meio de sua assessoria de imprensa, não quis comentar o assunto.