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Rio

Denúncia do MPRJ contra Crivella detalha ações sociais da Igreja Universal em escolas municipais

Justiça aceitou nesta segunda-feira a ação contra o prefeito do Rio e impôs 12 restrições contra ele
Prefeito Marcelo Crivella Foto: Armando Paiva/Raw Image / Agência O Globo
Prefeito Marcelo Crivella Foto: Armando Paiva/Raw Image / Agência O Globo

RIO - O inquérito do Ministério Público do Rio (MPRJ) que baseou a denúncia contra Marcelo Crivella - e que resultou na decisão judicial que impôs 12 restrições ao prefeito do Rio nesta segunda-feira -  mostra que a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), da qual o prefeito é bispo licenciado, realizou ações sociais em pelo menos duas escolas da prefeitura desde o início da gestão de Crivella.

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Em um desses atos, realizado em novembro na Escola Municipal José Abílio Borges, no Humaitá, ocorreu um incidente: a diretora interferiu porque integrantes da igreja tentaram divulgar em um cartaz que ofereceriam “assistência religiosa no local”. Ela discordou por entender que o estado é laico, e vetou a exibição. Mesmo assim, imagens do cartaz chegaram a ser exibidas em outro ponto da escola. Durante o evento os integrantes da igreja trabalharam uniformizados com blusas com o logotipo da IURD, e chegaram a distribuir cestas básicas às famílias.

A outra atividade se deu no Complexo da Maré, no qual teria havido sorteio de cesta básica, corte de cabelo e avaliação odontológica dos estudantes. Segundo a diretora do Ciep Ministro Gustavo Capanema, o evento foi realizado em em setembro de 2017 com autorização da Coordenadoria Regional de Educação (CRE). A reunião foi divulgada à comunidade acadêmica por panfletos com a logo da igreja. No dia do evento, todas as salas de aula foram usadas e faixas da igreja espalhadas pela instituição.

As peças do Ministério Público que orientaram o inquérito, aberto após reportagem do GLOBO revelar que o prefeito fez uma reunião secreta com 250 pastores no Palácio da Cidade, trazem detalhes curiosos sobre as investigações que deram origem à denúncia contra o prefeito. Um deles revela bastidores da iniciativa tomada em 2017 pela Guarda Municipal de realizar um censo religioso a pretexto de criar um serviço de assistência espiritual na instituição , como já existe na Polícia Militar. Na época, o projeto virou motivo de polêmica,  pois o questionário original tinha um item no qual perguntava qual era a religião do agente. O inquérito revela que a ideia partiu do funcionários Ramon da Silva Paz, obreiro da Igreja Internacional da Graça de Deus, em São Gonçalo, que havia protocolado no fim de junho de 2015, ainda durante o governo do ex-prefeito Eduardo Paes. Em sua proposta entregue à GM, o agente afirmava que o serviço “tinha o objetivo de fornecer aconselhamento em ambiente oferecido pela instituição, sem vinculação religiosa direta “.

O comando da Guarda Municipal da época ficou de analisar a proposta. As peças do inquérito mostram, no entanto, que a ideia praticamente ficou paralisada por dois anos. Apenas em junho de 2017 foi retomada, quando um capelão da PM foi convidado para participar do lançamento do projeto. Procurado pelo GLOBO, o GM que teria sugerido o censo ainda não foi localizado.

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Sobre a realização de um evento de Cinema Cristão na Cidade das Artes, um ofício da direção da instituição esclarece como se deu a cessão do espaço para a sua realização. Segundo o documento, “o referido evento foi recepcionado (...) por meio de solicitação do gabinete do prefeito”, dentro de uma cota que o executivo tem direito pelo uso do espaço. No entanto, o presidente da Fundação Cidade das Artes, André Marini, argumentou que a cessão do espaço para esse tipo de evento não contraria os estatutos da entidade.

“A cultura não pode ser discriminada pelo rótulo de ser religiosa, uma vez que não deixa de ser um festival de cinema”, escreveu Marini.

Uma das peças do inquérito faz ainda menção a uma representação feita por Crivella ao MPRJ em 2011, quando ele ainda era senador. Na representação, ele questionava o fato de a Justiça ter proibido a realização de cultos religiosos em transportes públicos. Na avaliação do então senador, isso poderia representar uma violação a liberdade de culto. Na época, o MPRJ discordou da interpretação do senador. No entendimento dos promotores, como os serviços prestados em transportes de massa como trens e metrôs são públicos, permitir cultos em seu interior estaria em desacordo com o princípio de que o estado é laico.