Por Darlan Alvarenga e Marta Cavalini, G1


A barragem da mineradora Vale que estourou na sexta-feira (25) em Brumadinho, Minas Gerais, usava uma tecnologia de construção bastante comum nos projetos de mineração iniciados nas últimas décadas, mas considerada por especialistas uma opção menos segura e mais propensa a acidentes.

O método chamado de alteamento a montante, utilizado tanto no reservatório I da Mina Córrego do Feijão da Vale como na barragem de Fundão da Samarco, em Mariana, que rompeu em 2015, permite que o dique inicial seja ampliado para cima quando a barragem fica cheia, utilizando o próprio rejeito do processo de beneficiamento do minério como fundação da barreira de contenção.

Nesta terça (29), a Vale anunciou que vai eliminar as 10 barragens construídas com esse modelo que ainda mantém no Brasil, todas já desativadas e localizadas em MG. O presidente da empresa, Fabio Schvartsman, afirmou que a decisão exigirá suspender a produção nas minas que ficam perto dessas barragens.

No sistema de alteamento a montante, a barragem vai sendo elevada na forma de degraus conforme vai aumentando o volume dos rejeitos. A lama que é dispensada é formada basicamente por ferro, sílica e água. É o método mais simples e também o mais barato.

Como funcionam as barragens de mineração — Foto: Karina Almeida e Alexandre Mauro/G1

"É o menos seguro... (...) Uma estrutura que embute um risco não deveria nem ser cogitada", afirma Carlos Barreira Martinez, pesquisador da UFMG e especialista em engenharia hidráulica.

Ele explica que o modelo é o menos seguro porque a barragem é construída em cima de rejeitos que já foram depositados. "Estamos utilizando uma técnica de depósito de rejeitos que embute um certo risco, principalmente quando há uma elevação muito rápida das barragens."

"Temos um passivo de 50 anos de construção de barragens deste tipo. A velocidade de exploração mineral aumentou muito no Brasil, faz parte da pauta de explorações do país, e temos sido lenientes com o que está acontecendo do ponto de vista ambiental", diz o pesquisador.

Número de barragens no país

Até o momento não foi divulgado pelas autoridades um número oficial de barragens deste tipo no país. Procurada pelo G1, a Agência de Nacional de Mineração (ANM) informou que deve publicar nesta quinta-feira (31) em seu site levantamento sobre barragens de alteamento a montante.

Segundo os dados disponíveis no site da ANM existem hoje no país 839 barragens de mineração, sendo que 449 deles estão inseridas na Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB).

A barragem que se rompeu em Brumadinho, na Mina Córrego do Feijão, tinha 86 metros de altura e começou a ser construída em 1976 pela Ferteco Mineração (adquirida pela Vale em 2001). Em comunicado divulgado no domingo (27), a Vale informou que a barragem estava inativa, sem receber novos rejeitos, desde 2015.

Segundo levantamento divulgado em novembro do ano passado pela Agência Nacional de Água (ANA), o Brasil possui 24.092 barragens de usos múltiplos, das quais 45 foram apontadas como mais vulneráveis, com algum comprometimento estrutural importante. Segundo a ANA, a barragem de Brumadinho "não foi classificada como crítica".

O engenheiro de minas e especialista em geotecnia Fernando Cantini explica que o uso do próprio rejeito na construção das barragens é o método mais difundido, em razão do menor custo, menor consumo de energia, disponibilidade do material e facilidade construtiva.

"Ainda é o mais utilizado no mundo porque exige menos movimentação de terra", afirma. Por outro lado, segundo ele, o método perde em confiabilidade em comparação aos outros tipos de construção.

"Outro problema é o sistema de drenagem e filtro, que é mais complexo de se executar e monitorar", observa Cantini, que defende o uso de métodos de construção que permitam melhor controle dos materiais envolvidos e monitoramento dos riscos.

Reaproveitar rejeitos da mineração poderia acabar com as barragens

Reaproveitar rejeitos da mineração poderia acabar com as barragens

O que fazer com esse tipo de barragem

Também chamou a atenção dos especialistas o fato de a barragem que rompeu em Brumadinho já estar inativa. Ou seja, não estava mais recebendo rejeitos da produção na mina.

"Ela não recebia mais rejeitos, o que estava contendo já era um material mais seco, com muito menos porção líquida. Em teoria, seria mais estável e muito menos propensa a ruptura do que uma barragem ainda em atividade", destacou Cantini.

Segundo a Vale, estava sendo desenvolvido em Brumadinho o "projeto de descomissionamento" da barragem – procedimentos técnicos para assegurar o encerramento da infraestrutura e para que a desativação atinja condições de segurança e de preservação ambiental. Nessa etapa, o material armazenado na barragem pode ainda passar por um novo processamento, no qual os resíduos já em estado sólido são armazenados em pilhas.

Martinez destaca, porém, que o processo de descomissionamento não é simples e tem um custo elevado, e que portanto não representa uma solução rápida para reduzir os riscos das barragens construídas pelo método de alteamento a montante

"Temos um passivo de bilhões de reais. Vamos ter que entrar num processo de descomissionamento dessas barragens e tentar mitigar isso ao longo do longo tempo. Mas é um trabalho de 40 anos pelo frente", avalia.

Método está proibido em MG para novos licenciamentos

Após o desastre de Mariana, o governo de Minas Gerais proibiu, em decreto de 2016, o licenciamento de novas barragens e ampliações de estruturas que utilizem ou que tenham utilizado o método de alteamento para montante. Em nota, a Semad (Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos) disse que "é favorável a ampliação desta medida" e que "discute tecnicamente a questão com especialistas para não sobrepor competências federais".

O modelo considerado obsoleto também foi proibido no Chile, e tem sido menos usado nos Estados Unidos e na Europa.

Em entrevista na segunda (28), o diretor-executivo de Finanças e Relações com Investidores da empresa, Luciano Siani, destacou que a companhia já não constrói novas barragens com tecnologia a montante "há muitos e muitos anos".

"Até então se acreditava que com o monitoramento adequado essas barragens eram seguras, esses conceitos possivelmente terão que ser reavaliados. Em razão disso a Vale vai apresentar um plano, eu diria, ousado, com investimento bastante grande para fazer frente a essas barragens", afirmou o executivo, segundo a agência Reuters. "Mesmo essas barragens antigas e desativadas, como foi o caso dessa, vão passar por investimentos significativos para zerar o risco", acrescentou.

Saiba mais sobre as barragens de rejeitos

O que é

As barragens de rejeitos de minério de ferro são estruturas construídas para armazenar resíduos resultantes do beneficiamento, que é quando ocorre a separação do material rico, com valor econômico, do rejeito, que é o material sem demanda de mercado.

Tipo de barragem que rompeu

A barragem que se rompeu usava o sistema “a montante”, que cresce por meio de camadas (geralmente na forma de degraus), chamado de alteamento (ou elevação), feitas com o próprio rejeito que resulta do beneficiamento do minério de ferro. O rejeito é formado basicamente por ferro, sílica e água.

Por que o método da montante é mais vulnerável

A mineração nesse tipo de barragem geralmente faz uso de água para beneficiar o material, valendo-se de grandes reservatórios. Por isso, no processamento do minério de ferro, o rejeito tem alta umidade e característica de lama. Este modelo é o mais barato e considerado menos seguro devido a maior complexidade de controle de drenagem e do monitoramento da estabilidade da estrutura de contenção.

Tipo de barragem que se rompeu é menos estável do que outros, diz ONU

Tipo de barragem que se rompeu é menos estável do que outros, diz ONU

Veja também

Mais lidas

Mais do G1
Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1!