Confesso que perdi. Tomo emprestado o título do livro de Juca Kfouri para pedir perdão às minhas três filhas. Deixo para ela um país infame. Deixo um País pulsilânime no qual os políticos, por crime de omissão, permitem que um arcabouço civilizatório da grandeza do Museu Nacional pegue fogo com tudo dentro. Um País que dá as costas para a cultura e queima livros.
O ritual da queima de livros na história da humanidade tem sempre o ódio e a censura como página de rosto. Não é exatamente o caso desta tragédia. Mas, de certa forma, é. Os primeiros registros desta barbárie datam de 213 AC, quando a Dinastia Qin, da China antiga, sepultou escolas de pensamento e intelectuais e deu cabo, pelo fogo, aos papirus e outros documentos; criada em 833, a Casa da Sabedoria, em Bagdá, Iraque, foi o centro iluminado do conhecimento - foi destruída em 1.258 pelas chamas; alegando que “não era sábio que as pessoas conhecessem as pinturas”, o imperador asteca Itzcoatl mandou às brasas todos os documentos históricos e religiosos, em 1427; A ficção imitou a realidade em “Fahrenheit 451”, determinando a temperatura da combustão do papel. Aqui, um link curioso: http://bit.ly/2wCWAKK
A omissão governamental mostrou hoje a sua mais horrenda face. O fogo queimou documentos, livros, arte, ciência e história. A metáfora do incêndio no Museu Nacional é assustadora, porque atingiu toda cultura universal entendida como processo civilizatório. Mas o fogo foi além: queimou pessoas, queimou cientistas e especialistas que dedicaram uma vida inteira ali em pesquisas.
Em 10 de maio de 1933, todas as cidades da Alemanha nazista mandaram para a fogueira livros que não eram simpáticos ao nazismo, provocando a frase do poeta Heinrich Heine: “onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas." O fogo desta tragédia anunciada chamuscou todos os brasileiros e brasileiras. Queimou nosso futuro, ao destruir o passado. Como lidar, agora, com o presente? O que dizer à nossa descendência? Como a nossa geração será lembrada no futuro? De novo, confesso que perdi. Afinal, eu coloquei fogo no Museu Nacional.