Economia

Compra de dólares na Argentina vai exigir autorização do Banco Central

Medida de intervenção no mercado de câmbio é uma decisão do governo de Mauricio Macri para conter a desvalorização do peso
Decisão ocorre dias depois de ao país pedir para estender prazo de vencimento de dívidas Foto: JUAN MABROMATA / AFP
Decisão ocorre dias depois de ao país pedir para estender prazo de vencimento de dívidas Foto: JUAN MABROMATA / AFP

RIO, BRASÍLIA e BUENOS AIRES — Após semanas de corrida por dólares, o governo da Argentina impôs neste domingo controles cambiais que buscam evitar o esvaziamento de suas reservas internacionais e estancar a desvalorização do peso. Quatro dias depois de a Casa Rosada declarar uma moratória parcial da dívida do país, o governo determinou que os argentinos poderão comprar, no máximo, US$ 10 mil por mês e que as empresas precisarão de autorização para adquirir divisa estrangeira. O Banco Central também deu prazo de cinco dias para que exportadores repatriem recursos obtidos no exterior. As medidas valem até 31 de dezembro.

A Casa Rosada reage a uma desvalorização de 25% do peso desde meados de agosto, quando Maurício Macri saiu derrotado em prévias que indicaram vitória, nas eleições de outubro, da chapa que tem como vice a ex-presidente Cristina Kirchner. Os investidores reagiram negativamente ao resultado, na expectativa de que um novo governo de esquerda abandonará as medidas liberais da gestão Macri. Já os argentinos, que convivem com recessão e inflação elevada, correram aos bancos para sacar seus depósitos e compraram dólares para se proteger.

Desvalorização: Após Argentina ter nota rebaixada, dólar sobe a 61 pesos e risco-país ultrapassa 2.400 pontos

Desde então, o BC argentino vem queimando reservas para conter o derretimento do peso. Apenas entre quinta e sexta-feira, as reservas diminuíram em US$ 3 bilhões. Segundo especialistas, o país está a apenas algumas semanas de um esvaziamento total de suas reservas líquidas de dólares, que estão hoje em apenas US$ 15 bilhões. Para efeito de comparação, a posição cambial líquida do Brasil está na casa dos US$ 330 bilhões. Na sexta-feira, o BC argentino já havia proibido os bancos de distribuírem lucros sem a sua autorização.

Derrota para Macri

Segundo especialistas, o controle cambial representa mais uma derrota para Macri, que precisou se render ao intervencionismo.

— O governo, que tem como bandeira o liberalismo, não tomaria uma atitude de limitar a compra de dólares se não fosse uma medida extremamente necessária — disse Luiz Carlos Prado, professor de economia internacional da UFRJ. — A questão chave é saber se o controle será suficiente para não suspender pagamentos do governo e manter o fluxo de importações e exportações.

Dívida : Afinal, é ou não moratória? Entenda o plano de renegociação da dívida da Argentina em 4 pontos

De acordo com Martín Tetaz, pesquisador da Universidade Nacional de La Plata, diante da crise de confiança, Macri acabou tomando uma medida que os argentinos esperavam do próximo governo — como pedir ao Fundo Monetário Internacional (FMI) a renegociação da dívida.

Um dos objetivos da nova medida é frear o intenso movimento de retirada de aplicações financeiras em pesos para transformá-las em dólares.

— Esse tem sido um dos canais para a corrida por dólares — explicou Tetaz. — Esta semana será determinante para ver se o sistema conseguirá dar conta das retiradas de dólares que essa medida vai precipitar. Caso haja turbulência, a situação pode degringolar.

Análise: FMI e Argentina, de acordo 'entre amigos' a dor de cabeça para próximo governo

Mercado paralelo

Embora tenha restringido a compra de dólares, a Casa Rosada decidiu não impor limites ao saque — diferentemente de 2001, quando o chamado corralito traumatizou a população e desencadeou a pior crise econômica e política da Argentina.

— O governo tem que entrar com medidas duras, desesperadoras, antes que a economia degringole ainda mais. A intervenção no câmbio não é o melhor, mas é o que deve ser feito agora — disse Márcio Sette Fortes, professor de Economia Internacional do Ibmec/RJ.

Embora seja encarado como inevitável, o controle cambial pode ter efeitos colaterais negativos, como o fomento ao já elevado mercado paralelo de dividas.

— A medida pode funcionar a curto prazo, mas, a médio prazo, estimula o mercado paralelo por dólares. A situação da Argentina é muito grave, e essas medidas revelam a situação desesperadora em que o país se encontra — disse Paulo Tenani, da Fundação Getulio Vargas (FGV) e da gestora Aqua Wealth Management.

Efeito no Brasil

Para Carlos Langoni, ex-presidente do BC brasileiro e diretor do Centro de Economia Mundial da FGV, o controle cambial faz parte do receituário clássico para lidar com crises e já era esperado. Ele não vê grande impacto para o Brasil:

— O estrago já foi feito. O Brasil já foi afetado com a queda das importações pela Argentina, que caíram drasticamente. E, paradoxalmente, a crise argentina poderá trazer maior fluxo de investimentos para o Brasil.

Mas Prado, da UFRJ, antecipa alguma pressão no câmbio brasileiro:

— Com a crise na Argentina, um importante parceiro comercial do Brasil, há uma contaminação generalizada em relação à aversão ao risco. Isso pode provocar alguma pressão no câmbio.

Já o Ministério da Economia brasileiro considera que, como a Argentina está em crise há um bom tempo, o Brasil já sentiu os efeitos: em dois anos, as exportações para o país vizinho caíram de US$ 18 bilhões para US$ 9 bilhões. Mas a equipe econômica vai monitorar a reação do mercado a esse novo capítulo da crise. A avaliação, porém, é que o Brasil tem uma economia mais sólida, o que evitaria a contaminação.

Veja os principais pontos da medida

Restrição à compra de dólares: A partir de hoje, as pessoas físicas poderão comprar ou transferir até US$ 10 mil por mês. No caso de não residentes, o limite é de US$ 1 mil. Operações acima desse valor, como a compra ou venda de imóveis, precisarão ser autorizadas pelo Banco Central argentino.

Contas em dólar: Não haverá restrição para saques nessas contas.

Turistas: Não haverá restrições para turistas nem para argentinos no exterior.

Horários: Os bancos vão ampliar o horário de funcionamento em setembro, até as 17h.

Compra de dólar por empresas: Se a finalidade for pagar importações ou pagar dívidas em moeda estrangeira, não haverá necessidade de autorização do BC. Mas, se for apenas para manter em caixa, será necessário pedir autorização.

Remessa de lucros e dividendos: As empresas terão de pedir autorização ao BC para enviarem lucros e dividendos ao exterior.

Exportadores: No caso da exportação de grãos, a repatriação de ganhos no exterior terá de ser feita em até 5 dias após o recebimento ou em até 15 dias depois de receber a permissão de embarque, o que for menor. Para os demais exportadores, o prazo é de 180 dias.

* Com agências internacionais