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Política

Financiados por empresários e fundação do PSL, fóruns conservadores se espalham pelo país

Nova direita brasileira busca forma de organização para promoção da pauta de costumes que chegou ao poder em 2018
Eduardo Bolsonaro carrega uma bandeira do Brasil durante participação no CPAC, congresso conservador realizado em São Paulo Foto: NELSON ALMEIDA / AFP
Eduardo Bolsonaro carrega uma bandeira do Brasil durante participação no CPAC, congresso conservador realizado em São Paulo Foto: NELSON ALMEIDA / AFP

RIO - Um ano após a eleição, simpósios e conferências se espalharam, do Sul ao Norte do país, com a missão de disseminar o pensamento intelectual conservador defendido pela parcela mais aguerrida do eleitorado de Jair Bolsonaro . O porte desses eventos é diverso, com custos entre R$ 25 mil e quase R$ 1 milhão, e um público que gira de 100 pessoas até três mil.

À exceção do CPAC Brasil , custeado no último fim de semana pela Fundação Índigo , ligada ao PSL, os demais eventos mapeados pelo GLOBO são bancados por empresários da região onde se realizarão, por vezes ajudados pela cobrança de taxa de inscrição ao público.

Os objetivos, em geral, são popularizar e tornar mais acessíveis teses, conceitos acadêmicos e informações sobre o conservadorismo. O III Simpósio Nacional Conservador , realizado em Ribeirão Preto (SP) no começo do mês, por exemplo, queria transformar a cidade no polo do pensamento conservador no país. Menos pretensioso, o 1º Simpósio Conservador de Belo Horizonte (MG), em setembro, teve o objetivo de “disseminar o pensamento conservador e os valores judaico-cristãos”. No Nordeste, principal reduto da esquerda no Brasil após as eleições de 2018, a ideia é apresentar, em novembro, as ideias conservadoras para uma população que, na visão de seus organizadores, é “culturalmente” conservadora.

Um novo mercado
Como a direita tem investido e se organizado para promover o pensamento conservador
Fórum EDA (Educação, Direito e Alta Cultura)
CPAC Brasil (Conferência de Ação Política Conservadora)
III Simpósio Nacional Conservador
I Fórum dos Conservadores do Nordeste
1º Simpósio Conservador BH
Local
São Paulo
(SP)
Ribeirão Preto (SP)
Recife
(PE)
Belo Horizonte (MG)
Londrina
(PR)
Financiamento
Empresários da região, cotas de patrocínio e taxas de inscrição
Fundação Índigo (PSL)
Empresários da região
Empresários da região
não
informado
Custo
não
informado
R$ 850 mil
R$ 100 mil
R$ 70 mil
R$ 25 mil
Público
não
informado
3.000
750
500
110
pauta
declarada
Pensar e debater o conservadorismo no Brasil
Transformar
Ribeirão Preto no polo do pensamento conservador no Brasil e apoiar o governo Bolsonaro
Disseminar o pensamento conservador na região e formular documento sobre o Nordeste para o presidente
Disseminar o pensamento conservador e os valores judaico-cristãos
Debater criminalidade, educação e o “baixo nível da cultura” no Brasil
Conferencistas
Olavo de Carvalho, General Girão, Allan dos Santos
Miguel Nagib, José Carlos Sepúlveda
Abraham
Weintraub,
Eduardo
Bolsonaro, Damares Alves, Onyx Lorenzoni, Ernesto Araújo
Jair Bolsonaro, Olavo de Carvalho, Joice Hasselmann,
Luiz Philippe de Orleans e Bragança, Carla Zambelli, Bia Kicis
Olavo de Carvalho, Bernardo Kuster, Carlos Nadalim
Abraham
Weintraub
Eduardo
Bolsonaro
Joice
Hasselmann
Jair
Bolsonaro
Olavo de
Carvalho
Fontes: organizadores dos encontros
Um novo mercado
Como a direita tem investido e se organizado para promover o pensamento conservador
CPAC Brasil (Conferência de Ação Política Conservadora)
Local
São Paulo (SP)
Financiamento
Fundação Índigo (PSL)
Custo
R$ 850 mil
Público
3.000
Pauta
declarada
Pensar e debater o conservadorismo no Brasil
Conferencistas
Abraham Weintraub, Eduardo Bolsonaro, Damares Alves, Onyx Lorenzoni, Ernesto Araújo
III Simpósio Nacional Conservador
Local
Ribeirão Preto (SP)
Financiamento
Empresários da região
Custo
R$ 100 mil
Público
750
Pauta
declarada
Transformar Ribeirão Preto no polo do pensamento conservador no Brasil e apoiar o governo Bolsonaro
Conferencistas
Jair Bolsonaro, Olavo de Carvalho, Joice Hasselmann, Luiz Philippe de Orleans e Bragança, Carla Zambelli, Bia Kicis
I Fórum dos Conservadores do Nordeste
Local
Recife (PE)
Financiamento
Empresários da região, cotas de patrocínio e taxas de inscrição
Custo
R$ 70 mil
Público
500
Pauta
declarada
Disseminar o pensamento conservador na região e formular documento sobre o Nordeste para o presidente
Conferencistas
Olavo de Carvalho, General Girão, Allan dos Santos
1º Simpósio Conservador BH
Local
Belo Horizonte (MG)
Financiamento
Empresários da região
Custo
R$ 25 mil
Público
110
pauta
declarada
Disseminar o pensamento conservador e os valores judaico-cristãos
Conferencistas
Miguel Nagib, José Carlos Sepúlveda
Fórum EDA (Educação, Direito e Alta Cultura)
Local
Londrina (PR)
Financiamento
não informado
Custo
não informado
Público
não informado
Pauta
declarada
Debater criminalidade, educação e o “baixo nível da cultura” no Brasil
Conferencistas
Olavo de Carvalho, Bernardo Kuster, Carlos Nadalim
Fontes: organizadores dos encontros

Sem verniz acadêmico

Para o professor Christian Edward Cyril Lynch, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a profusão de eventos conservadores marca uma diferença da ascensão dessa força política em relação a outros momentos da história do Brasil, quando era muito mais dependente do estatismo ou de setores da classe média.

— É um conservadorismo culturalista ou de costumes que vem democratizado e legitimado pelas urnas. Agora, ele quer ser doutrinário. Um grupo que não tem verniz acadêmico, se ressente por não ter, mas que procura se legitimar — afirma Lynch.

O Brasil Limpo, que organizou o evento de Ribeirão Preto, foi pioneiro nesse formato. Segundo Camilo Calandrelli, líder do grupo, a ideia de fazer um simpósio para trabalhar o conceito de conservadorismo nasceu em 2017. Após o que considerou ter sido um fiasco no encontro organizado na cidade para receber Miguel Nagib, fundador do movimento Escola Sem Partido, Calandrelli decidiu pôr as mãos na massa.

Ele entrou em contato com Nagib, angariou apoio de Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL), hoje deputado federal por São Paulo, e ergueu o simpósio. O evento inspirou outros conservadores, como Cristiane Miranda, organizadora do encontro mineiro:

— A eleição do Bolsonaro despertou o conservadorismo que está dentro da gente.

No Recife, em novembro, os organizadores preveem um público de 500 pessoas. Ao contrário de outros eventos, o Fórum dos Conservadores do Nordeste se diz apartidário: entre os presentes estarão o deputado federal General Girão (CE), do PSL, mas também o senador Styvenson (AC), do Podemos.

— Nosso objetivo é que as pessoas tomem consciência do que está sendo feito no país, do resgate do sentimento conservador que é cultural na família brasileira — afirma o empresário Alexandre Carvalho, um dos coordenadores.

A importância do aspecto cultural, segundo Lynch, é determinante no conservadorismo bolsonarista. Ao contrário de outros momentos da história do Brasil onde conservadores estiveram no poder, é a primeira vez em que o grupo de conservadores que privilegiam a pauta de costumes é preponderante em relação ao grupo de conservadores estatistas, representado pelas Forças Armadas, e os conservadores neoliberais, representado neste governo pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Lynch destacou também que o Brasil não vivia um ambiente democrático em outros momentos de força do conservadorismo. Mesmo em 1964, antes do golpe militar, apenas 16% da população votava.

— O conservadorismo se democratizou, ele se adaptou a uma sociedade de massa, o que não existia antes. Como a Igreja Católica deixou de ser de direita hegemonicamente, ele se abriu para o campo evangélico. O conservadorismo passa a defender, então, que a tradição brasileira é cristã — diz.

Conflitos no governo

A ideia conspiracionista de que existe um domínio do inimigo em quase todas as esferas da sociedade é comum nos grupos conservadores considerados mais radicais. E essa tese permeia o discurso de urgência na mobilização e composição dos grupos conservadores.

— O movimento conservador hoje no Brasil padece de muitos defeitos. Um deles é a inexperiência. Bolsonaro venceu as eleições antes de o conservadorismo se organizar como movimento, como um partido e culturalmente — afirma Rafael Nogueira, professor mais conhecido dos documentários do estúdio Brasil Paralelo e um dos palestrantes do CPAC Brasil.

Não é apenas Nogueira a desconsiderar o PSL um partido conservador. Aliados de Eduardo Bolsonaro estão finalizando o estatuto de um novo partido a ser criado, chamado Conservadores. A premissa do grupo é de que não existe, hoje, um partido “puramente de direita” no país. Com os atuais entraves para a formalização de novas legendas, no entanto, o grupo deve adiar o plano.

— Chegaram ao poder três conservadorismos diferentes que não necessariamente convivem bem: o do mercado, com Paulo Guedes, o mais estatista, identificado com as Forças Armadas, e o conservadorismo culturalista do Olavo de Carvalho, dos filhos do presidente. Quando o governo assume, começa a briga entre eles — resume Lynch.